por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 2 de janeiro de 2011

Retrato Falado





Cabelo molhado , batom nos lábios.
Meu sorriso não sabe gargalhar, mas não é triste ...

Raramente uso maquiagem pesada.
Gosto de roupas leves .Vestidos sem mangas e golas .
Com essa cara , tentamos iluminar o astral de uma quase sexagenária.
Às vezes ativo cachos , o brilho dos olhos e sorriso. (as rugas fazem parte).
Acho lindo o pescoço da Audrey Hepburn ... Provavelmente por não tê-lo , em nenhuma das minhas idades. Mas , o meu pescoço de cearense nunca impediu o movimento do meu rosto.
Sou exageradamente tímida. Mas mostro ainda o colo , sem nenhum pudor. Por puro amor ao conforto.
De dois em dois meses vou ao cabelereiro. Justo nesse dia , faço uma escova , e eles ficam lisinhos por algumas horas.
Não estranho o resultado , embora prefira cabelos ao natural .
Tenho uma expressão viva. Lanterna nos olhos e na boca.
Gosto das minhas rugas : reveladoras do meu caminho através da vida..
Mão no queixo é uma pose confortável, em qualquer idade... Hoje ela suavisa o contorno do rosto.
Tenho leveza e suavidade . Afasto o calor do meu rosto com os dedos e um bom ventilador.
Silencio , quando observo o mundo. Na busca do entendimento aprendo a ler os sinais externos e internos... Sou assim: interrogo , e compreendo antes de achar a resposta.
Minha  cara lavada , marotamente me diz : Batom ! E assim ela se protege de qualquer tipo de ressecamento, inclusive aquele provocado pela ausência do beijo.

Nasci filha primeira de uma mulher belíssima. Beleza grega – romana. Meu pai tinha traços de índio, e eu herdei uma mistura exótica: nem feia, nem bonita. Testa enorme, cabelos finos e cacheados, boca e nariz pequenos, cara redonda, olhos grandes e expressivos.
A beleza não é estável , em nenhuma época das nossas vidas.
Aos nove anos eu usava óculos que corrigiam a minha miopia. Era gorduchinha, não tinha cintura, nem cabelos lisos e compridos... Nem tão pouco olho claro.
Aos 12 anos eu já tinha corpo de moça feita. A cintura não era de pilão, os cabelos continuavam me dando muito trabalho. Quando comecei a freqüentar algumas festinhas, passava o dia inteiro com ele nos bobies... Aí eu me transformava numa figura “bonitinha”.
Depois da década de 70, assumi os meus cachos, aprendi a ressaltar os traços harmoniosos do meu rosto. Tinha belas panturrilhas, e uma boa altura. Pele sem marcas de espinhas e cravos.
Mas a testa ainda incomodava-me. Com o passar dos anos assumi minha testa , as rugas que foram aparecendo , e o cabelo natural.
Hoje tenho 57 anos. Gosto da minha imagem. Não enfrentaria uma plástica rejuvenescedora (até porque não tenho dinheiro sobrando para as “futilidades). Não sou escrava de ginásticas, dietas, cremes rejuvenescedores, bloqueadores solares. Envelheci com simplicidade e dignidade. Não tenho fotogenia. Nunca tive. Não gosto de ser fotografada, nem gosto de fotografar. Mas gosto de FOTOGRAFIA. Não gosto de todas...
Quando uma foto evidencia e deforma (tornando mais feio) o que temos de verdadeiro na aparência...É arte descartável. Não é arte generosa. É arte que ridiculariza. Não gosto que me mostrem ao mundo como serei aos 90 anos. Espero ter o prazer de caminhar devagar, até chegar lá.

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