por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sépia



                                



   Claro. Escuro. Claro-escuro. Claro.  A vida de Tatá da Lamprada clonava os dias , numa alternância regular e milimetrada de alvoradas e crepúsculos. Fora assim por mais de cinqüenta anos: um caçador de instantes, um capitão-do-mato de escorregadios e fugazes  momentos. É que a vida é tão fluida, tão volátil que tantas e tantas vezes nem fica nos céus o rastro brilhante da estrela cadente. Durava , na sua beleza, aquilo que se via : uma lamprada ! Tatá capturava nas chapas instantes únicos: “Meninos, eu vi!” . No princípio, havia hordas de outros caçadores nas praças da cidade, perambulando de rua em rua, prontos a flagrar rostos, risos, casamentos, aniversários. A fotografia era uma espécie de pirâmide  para o povo, ali plantavam, como os faraós, sua semente de imortalidade. Com os anos, os concorrentes começaram a rarear. Foram surgindo outras máquinas mais modernas, a fotografia passou a digital e, com o celular, a atividade de lambe-lambe tornou-se totalmente obsoleta. Mantinha, no entanto,  ainda um certo charme, despertava a curiosidade dos transeuntes como um fóssil. Adquiriu aquele ar de Cult e retrô do vinil . Mas só.
                                   Tatá foi se deixando ficar na atividade, primeiro porque estava velho para recomeçar com câmaras mais modernas, depois porque percebia que suas imagens , embora em preto-e-branco, eram muito mais bonitas e definidas que as da modernidade. E mais permanentes! As dos celulares , bastava um tombo para antecipar o fim inevitável. Também havia se afeiçoado à sua antiga e jurássica Bernardi. Ela envelhecera com ele. A ferrugem e a química já haviam corroído as bandejas de revelação, fixação e lavagem das fotografias, necessitara fazer alguns consertos como em qualquer ser vivo. As fotos, no entanto, saiam perfeitas e revelava-as numa pequena Câmara Escura que improvisara em casa. Todo dia, quando Tatá saía para a praça da matriz, com seu tripé cada vez mais incômodo, afixava as fotos reveladas , juntas com outras  mais antigas, nas laterais do caixote que servia de mostruário e de outdoor. Enquanto os clientes não passavam para receber as encomendas, elas iam ali servindo de publicidade.  O menino risonho montado no cavalinho; o casal de noivos apaixonados,  com olhos brilhando, sem nem ligar para a impermanência dos sentimentos;  o defunto esticado no caixão, com o olhar o vago de quem nada encontrou do outro lado do muro.
                                   Aos poucos, sem que Tatá da Lamprada percebesse, sua vida se foi resumindo a suas fotografias, estampadas na parede da sala, próximo aos santos da sua devoção, acima do oratório. A esposa embarcara para a eternidade há cinco anos, no bote de um aneurisma cerebral. Os filhos haviam partido para São Paulo, naquele destino de judeu nordestino, procurando uma terra que nunca lhes havia sido prometida. Nem davam notícia! A casa se foi povoando de fotografias: as novas  , recém reveladas, esperando a entrega e as da sala  puxadas para sépia pela ação inexorável dos anos. A sua existência , foi se resumindo, pouco a pouco,  num daguerreótipo  : a pose; a cabeça enfiada no pano preto; as mãos metidas ,envoltas também em tecido negro, manipulando a chapa, na dianteira do caixote;o fixador;o revelador; a lavagem; a secagem...
                                   Tatá já nem lembra bem, mas teria sido num fim de inverno, com um céu nublado, desses que não só sombreiam a cidade, mas também nossa alma.  Um rapaz alto procurou-o e pediu para ser fotografado. Disse que ia fazer uma viagem e carecia de  um retrato. Era uma figura diferente que não parecia ser da cidade: vestia um paletó de linho branco, usava óculos escuros e  um chapéu panamá. O rapaz fez pose pedante, de pé, com a mão direita recostada num velho banco da praça. Pediu uma foto única, maior , 18X24 , pagou antecipado e combinou para vir pegar ali mesmo, uma semana depois.
                                   “ Da Lamprada”  nunca fez uma clara relação de causa e efeito, mas o certo é que, a partir daí, coisas inusitadas aconteceram. As fotos da parede da sala começaram, a partir daquele dia, a se tornar cada dia mais nítidas e brilhantes. A esposa, os pais , os filhos , os tios a cada dia iam se tornando mais vívidos nas fotos. Havia apenas, uma exceção, a foto de Tatá , sozinho, na praça, em pleno exercício da função, paulatinamente foi-se esmaecendo. Estranhamente, também, as fotos recentes que Tatá ia revelando, posicionadas depois no mostruário do lambe-lambe, começaram a desbotar rápido, a perder as definições,  o que fazia com que aumentasse a ansiedade do fotógrafo que temia, em não as entregando rápido, desaparecessem as imagens reveladas. Teve, ainda, enormes dificuldades em revelar a foto do rapaz do chapéu de panamá. Simplesmente a imagem não se aparecia . O rapaz, também, não passou, para seu alívio, para pegar a foto no dia combinado. Pensou Tatá que a culpa fosse dos reagentes da revelação, mas,  mesmo trocando-os, os problemas continuaram.
                                   Alguns dias depois, como por encanto, a foto do rapaz finalmente se revelou. Ali estava nítida e reluzente em cima da mesa da sala de jantar. E , dia após dia, se foi tornando colorida, na mesma proporção que a sépia de Tatá da Lamprada desvanecia-se na parede da sala, até se desminlinguir totalmente,  sob a ação implacável de outro  lambe-lambe : o do tempo. 

06/12/13

Por João Marni Figueiredo



Querida Fátima


Sabemos ser impossível conhecermos ou controlarmos precisamente as circunstâncias de nossas vidas, devido à intromissão do acaso. Não temos como evitar certas forças inesperadas e imprevisíveis, responsáveis pelo trajeto de cada um de nós neste mundo. Mas somos convidados a crer que ainda assim, até mesmo esse movimento desmastreado prossegue em alguma direção.
 Lembra-se? Foi num período de carnaval. Você tinha 15 anos e eu 19,Estudantes.Uma receita que tinha tudo para estragar o bolo, mas que surpreendentemente deu certo. Levamos a vida ou a vida tem nos levado. Aqui estamos nós com 40 anos de união e uma família que nos enche de orgulho. Você- rio imenso-veio vindo e levou minhas águas turvas e poucas e, desde então, temos percorrido o acidentado leito do nosso destino ora mansamente, ora aos borbotões, buscando o futuro na entrega e na transformação das nossas águas, quando do acolhimento de Deus, nosso Grande Oceano!
Até lá é bom dizer que te amo e que o seu amor faz-me muito bem. Sei que contribuí e ainda contribuo no descolorir dos seus cabelos, mas sei também que posso contar sempre com a sua indulgência. Sou um homem de sorte, pois não é comum uma mulher impedir que as dificuldades, incluindo as advindas da pobreza, se imiscuam na vida do casal. Adoro sardinhas ainda hoje!
Querida, agradeçamos a Deus por tudo, e seja bem-vinda à idade tão sonhada por todos, principalmente pelos que que não conseguiram alcança-la por algum infortúnio. Somos parte agora de uma minoria escolhida talvez para que nos tornemos melhores, para o bem de todos.
Uma última chance divina, acho. Hoje somos mais reflexivos e contemplativos: brigamos só pelo edredom!
Mais adiante, melhor eu primeiro: se fico, como alguém já disse, terei perdido a escora da minha vida...
Parabéns; te amo, e vida longa!

(“GOOD SAVE MY QUEEN”!)

Crato, 29 de novembro de 2013

João Marni


* Sexta-feira passada estivemos  participando de uma reunião em comemoração aos 60 anos de Fátima Figueiredo.Amiga querida, mereceu todas as graças do céu, e esta homenagem especial de um marido agradecido , reconhecido e amoroso.
Desejamos-lhe  vida longa e feliz, Fátima!
 

Quem tem Mandela no Coração - José do Vale Pinheiro Feitosa

Paravanda Nelson Mandela. É o nome científico de uma orquídea que existe em Singapura. A protéia, que é a flor nacional da África do Sul, tem uma variedade de cor vermelha que leva o nome de Madiba. Astralopicus nelsonmandelai é o nome que se deu ao fóssil do mais antigo pica-pau da África do Sul. A Singafrotypa Mandela é o nome científico de uma aranha que vive em Cape Town. A “partícula mandela” é uma partícula nuclear descoberta pelo Instituto de Física da Inglaterra que homenageou Nelson Mandela que compõe as homenagens do dia de hoje. 

Guardemos a data, dia 5 de dezembro de 2013, e quem tem Mandela no coração não pode ter Margareth Thatcher no mesmo compartimento. Esta líder conservadora inglesa se opôs a missões de caráter humanitário durante os anos mais sangrentos do regime do Apartheid. Assessor de Thatcher, logo que Mandela teve direito de se pronunciar, atacou o líder africano dizendo que o sofrimento não havia lhe ensinado nada. Mas também não pode ter Ronald Reagan e nem Jacques Chirac ex-premier francês que deu sobrevida ao regime segregacionista.

Quem tem Mandela no coração e o homenageia hoje não pode deixar de esquecer que a organização fundada e dirigida por Mandela, o CNA se encontrava na lista das organizações terroristas ditadas pelos EUA e pelo Reino Unido. Estes não podem confundir a alma da luta de Mandela em vida e agora na morte.

Quem tem a sinceridade do significado de Mandela, aquele que soube perdoar, que deu liberdade ao seu povo não pode acreditar na seiva corrompida pelas letras e palavras do jornalismo do Sistema Globo, da Abril e da Folha de São Paulo que sempre estiveram na trincheira ideológica que guardava a chave do cubículo 2 x 2,5 em que Mandela viveu 27 anos de sua vida.  

Mandela não é a saudade de uma pessoa. Mandela é como a orquídea que recebeu o seu nome. Mandela é a expressão de que no campo todas as flores devem viver. Que todas as flores têm a mesma importância independente da natureza dos carpelos, dos estames, das sépalas ou das pétalas. A Mandela se diz povo e quem diz povo, pronunciando Mandela, se levanta contra a opressão e a exploração das gentes por ricos e poderosos.

A partir de Mandela pode-se até repetir o Sermão da Montanha: “Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham e nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu com um deles.”


Mandela! A orquídea da liberdade.