por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 23 de junho de 2011

SÃO JOÃO DO CRATO - por Ulisses Germano

SÃO JOÃO NO CRATO
(Letra e Música: Ulisses Germano)

A bomba estourou
E não vi mais o balão
É que a fumaça embaçou
O luar do meu sertão

E São João vai festejar
Todos abraçam a alegria
É a dança circular
Que faz da noite um dia

A bomba estourou
E não vi mais o balão
É que a fumaça embaçou
O luar do meu sertão

Quero beber meu aluá
Lá de cima da Chapada
Com o povoado a cantar
Com a encantada luarada

A bomba estourou

E não vi mais o balão

É que a fumaça embaçou

O luar do meu sertão

Sozinha a fogueira arde
Todo profeta advinha
Mesmo chegando tarde 
Meu amor disse que vinha

A bomba estourou

E não vi mais o balão 
É que a fumaça embaçou 
O luar do meu sertão 

Ulisses Germano - Crato-CE.

Dedicada ao valoroso  artista  João do Crato que incorporou o Crato morando no mato

por socorro moreira


A lua na poça

A poça na rua

A rua da casa

A casa fechada



Frestas luminosas

É a lua da poça

Que  se reflete

Nos olhos dela.










Viva o São João! - por Altina Siebra




Festas Juninas, nordestino da gema não passa insensível a elas. A maioria dos seus estados está em ebulição. Pernambuco, onde moro há 38 anos, é uma alegria só.
Sempre que posso acompanho, pela TV, a apresentação de quadrilhas juninas formadas na capital e vindas do interior do estado que disputam a primeira colocação, a fim de concorrerem à melhor do Nordeste.
São centenas de jovens bem maquiados, com roupas e adereços muito produzidos, apresentando coreografias super ensaiadas, representando temas diversos, tal qual vemos nas escolas de sambas. Estão alegres, parecem felizes, às vezes denotam apreensão nos rostos, pela responsabilidade que lhes cobram numa competição. O que mais me chama atenção é forma como dançam, saltitam tanto, parecendo mais uma aula de aeróbica.
Não tenho nada contra estas quadrilhas juninas ditas estilizadas. Elas cumprem a sua função continuando a preservar, de alguma forma, as nossas tradições, que não devem morrer jamais. Mas, aqui entre nós, cinquentinhas e sessentinhas, respondam-me: elas transmitem aquele calor humano, o romantismo, a espera ansiosa pelos ensaios, a descontração e improviso de nossas quadrilhas apresentadas na quadra do colégio ou na Bicentenário, no Crato Tênis Clube, na AABB, no terreiro batido no sítio de um amigo ou até debaixo de uma cajaraneira ?
Os nossos matutos e matutinhas eram mais simples; elas, com vestidos de chitas, tranças, as pintinhas de lápis no rosto e a sandália de couro ou congas; eles, com suas jeans remendadas, bigodes, cavanhaques e dentes incisivos pintados de preto, chapéu de palha, gravatas com cores berrantes, currulepes ou kichutes. E a música? Gonzagão, claro, predominada, mas estavam lá o Trio Nordestino, Marinês, Jackson do pandeiro. Não se precisava mais do que o zabumba, o triângulo e a sanfona, para se ter uma festa autêntica e alegre. Felizmente, não tínhamos os forrós eletrônicos. A paquera não faltava, muitos pares formados para a quadrilha terminaram em namoro. O aluá, as comidas típicas da época, as madrinhas e afilhadas escolhidas à beira da fogueira, as crendices, simpatias, não podiam faltar. A confraternização e amizade se faziam presentes.
Fico feliz em ver o convite para a festa de São João organizada por Kaika e por toda pessoa preocupada em preservar e mostrar às novas gerações como é e deve ser a nossa legítima festa junina. Se pudesse ir ao Crato, agora, não a perderia. Com certeza encontraria nela as minhas raízes, fincadas neste torrão tão querido.
Aproveitem bem, amigos e leitores do Azul Sonhado, o São João e continuem sendo divulgadores da nossa verdadeira cultura nordestina.

Amiga,

espero que no Crato ainda existam as verdadeiras festas juninas, aquelas do nosso tempo. Aproveite bem estes momentos. Como você, não tenho mais os pés-de-moleque, o milho cozido, os bolos de puba e macaxeira feitos por nossas mamães, mas elas continuam em nossos corações ardentes e vivas como as fagulhas das fogueiras de São João.
Alavantu, anarriê!
Um abraço matuto!

Tininha.

ENSAIO - por Ulisses Germano

Mas minha cidade é também o meu país
Que tem a mesma história da minha cidade
"O povo quer pão e circo" pra ser feliz
Levando a culpa por tanta infelicidade
De ter nascido sem herança ou estudo
Faz vista grossa e vivendo como um mudo
Deixa a fala na boca da leviandade

Esperança e vida - Por José de Arimatéa dos Santos

 

Não tem imagem mais bonita que a natureza e um rio em que suas águas, mesmo que poucas, descem pelo curso desse rio e apresenta vários formatos durante seu trajeto. E vejam que as pedras se destacam conferindo um sentido muito especial e que podemos levar para nossas vidas o sentido da superação e da fé no amanhã. Mesmo com enormes pedras a água serpenteia e vai em frente. Assim é também o sentido de nossa existência. Caminhar de cabeça erguida e sempre olhar para frente com a esperança e a fé na vida.
Foto: José de Arimatéa dos Santos




Quintal decorado com bandeirolas
Chuvinhas, traques e cebolinhas
Bolo de batata, puba e macaxeira
Pamonha, canjica, espiga de milho
Fogueira, folguedos
Vestidos de chita, laços de cetim
Família viva, reunida:
Avós, pais, tios, primos...
- São João infantil!

(socorro moreira)

Luiz Gonzaga - A Dança do Nicodemus


Um certo dia, foi o mar dançar no louro
Quércia foi por desaforo, tava boa pra chuchu
A maior troça, nesta festa nos fizemos
Lá dançava nicodemus, cardeado com pitu
Pegava a dama e jogava para o lado
Com o maior requebrado, pelo efeito do aço
Tinha momento que ele se acocorava
Aí depois se levantava e não saía do compasso
Assistência, alí não danço mais
Moça line e rapaz, ficará sustado em pé
Olhando o drama, todos de braço encruzados gritavam
Admirados, nicodemus como é?
Ai menino, como faz o nicodemus
Ai menino, nicodemus como é?
Ai menino, como faz o nicodemus
Ai menino, nicodemus como é?
Causou sucesso, alí para muita gente
Com excesso de aguardente, fez coisa de admirar
Ele é calado, mas bebo pitu caneco
Se tansforma malandreco
E dança xote de lascar
Ai menino, como faz o nicodemus
Ai menino, nicodemus como é?

Ainda há juízes em Berlim - Emerson Monteiro

Quando ouvi as recentes notícias do decreto de prisão preventiva para os acusados em processo de irregularidades licitatórias na administração municipal de Senador Pompeu, por parte do Tribunal de Justiça do Ceará, logo lembrei de uma narrativa que cabe aqui contar.

Desenvolvida em forma de versos pelo escritor François Andrieux com o título de O moleiro de Sans-Souci, ela diz que, no ano de 1745, na Prússia, Frederico II desfrutava das benesses de um novo castelo que acabara de construir, quando, da sacada do edifício monumental, analisando a linda paisagem em volta, notou a existência, bem ali nas proximidades, de um moinho que destoava do contexto e enfeava a beleza tão escolhida para o seu desfrute. Nisso, o rei tratou de chamar seus emissários, que buscaram o proprietário da construção oferecendo adquirir o moinho e acabar de vez com o desgosto revelado nos caprichos do monarca. Não contavam, no entanto, com uma pronta recusa do moleiro.

O governante insistiu com veemência nas poderosas intenções, as quais não lograram quebrar a resistência do modesto vizinho.

Vai lá, vem cá, mesmo diante de veladas ameaças, a compra deixou de acontecer. Sob o peso das pressões, o dono do moinho manteria o propósito, recorrendo, em consequência, aos tribunais, sendo dele a expressão famosa de que Ainda há juízes em Berlim!

Apelou às instâncias superiores na Capital do país e ganharia a causa. Manteve o lugar do seu moinho. Falam até que, ainda hoje, podem se ver resquícios daquela modesta edificação exemplo de uma justiça isenta e forte, a detrimento dos desejos de quem ocupava o cargo máximo da Prússia naquela ocasião.

...

Em fases nebulosas das crises de moralidade pública, nada mais benfazejo, pois, do que um Judiciário fiel aos propósitos sobre os quais são firmados os poderes constitucionais de uma República de verdade. Por mais audaciosos e hábeis que sejam os meliantes, eles baixarão a crista perante os rigores da Lei bem aplicada nos momentos certos, servindo assim de balizamento às práticas sociais e políticas durante todo o tempo da História.

www.monteiroemerson.blogspot.com

Por Lupeu Lacerda


Enquanto chovem balas no morro
Dionísio mistura na sua panela
O guisado de um sonho.
Um atordoado ator
Recita sextilhas dodecafônicas
De um autor triste e vencido.



O sangue que escorre morro abaixo
Tempera a adrenalina da cidade
Que se move, enlouquecida
Por baixo dos pés
Das meninas menstruadas.

O perigo de uma história única - por José do Vale Pinheiro Feitosa


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ontem trabalhei quase três horas na degravação desta fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Senti-me na obrigação de fazê-lo para suprir os blogs aí da região com esta questão relevante, especialmente para os escritores contadores de história. Ao final, por volta das duas madrugadas, eu estava com um material que não prestava para os veículos: a fala dela foi de 18 minutos e resultaram em cinco páginas escritas.

Para não me perder nos objetivos tentaria resumir o que e importante ela disse, com trechos da mesma. Acho que todos gostariam de ouvir esta escritora, que embora falando em inglês tem legenda em português. O blog que ouvi foi neste endereço: http://maureliomello.blogspot.com/

“Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar “o perigo de uma história única”. Ela foi criada num campus universitário, numa família de classe média nigeriana e começou a ler e escrever muito precocemente. A leitura dela era a britânica e a americana. E quando escreveu os primeiros textos ainda criança o que vinha: “Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs e falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. Agora, apesar do fato de que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos manga. E nós nunca falávamos do tempo porque não era necessário.”


Quando ela começou a ler autores africanos como Chinua Achebe e Camara Laye: “Eu percebi que pessoas como eu, meninas com pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não podiam forma rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Eu comecei a escreve sobre coisas que eu conhecia. Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a conseqüência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim: salvou-me de ter uma única história sobre os que os livros são.”

Ela toca numa questão fundamental em literatura que é o equilíbrio e a visão consciente de possíveis efeitos adversos ao que tentam. Lembro que na época que fui médico numa favela do Rio nos preocupávamos com a cultura como fonte de libertação daquele estado de coisa chamado favela. Muito do chamado texto de “denúncia” contra a pobreza dos favelados, eram na verdade um estereótipo que os tornavam sem alma e sem espírito de luta e reação. E isso era uma grande mentira, todo dia eu via a luta árdua e o progresso pessoal daquele povo. A nigeriana chega ao mesmo resultado quando analisa uma criança pobre que trabalhava na sua casa e a visão que a mãe criou na sua mente e o momento quando ela toma consciência disso: a mãe dele nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito com ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo o que eu havia ouvido era que eram muito pobres, assim teria se tornado impossível para mim, vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era a minha história única sobre eles.

Ela ganhou uma bolsa de estudos nos EUA e foi estudar numa universidade e morar num quarto junto com uma colega americana: “Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela perguntou aonde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse que, que por acaso, o Inglês era a língua oficial da Nigéria. Ela perguntou se poderia ouvir o que ela chamou de minha “música tribal” e ficou muito desapontada quando eu toquei minha fita de Mariah Carey. Ela presumiu que eu não sabia usar fogão. O que me impressionou foi que ela: sentiu pena de mim, antes mesmo de ter me visto. Sua posição padrão para comigo, com uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade.”

Depois ela levanta como esta história criou a idéia da África com uma catástrofe e identifica esta visão européia desde o princípio da exploração marítima do atlântico. A visão que os africanos não tenham progresso, capacidade de autogestão e criar uma civilização. Isso fica mais claro quando ela visita o México após alguns anos nos EUA de ouvir a grande questão da imigração irregular, acusando os mexicanos de espoliar o sistema de saúde, passando escondidas na fronteira, sendo presas. Aquilo atingia todo o povo mexicano. Foi quando ela passear em Guadalajara “vendo pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas nos supermercados, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi de surpresa. E, então, eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que havia estado tão imersa na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornando em minha mente: o abjeto imigrante. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não podia estar mais envergonhada de mim mesmo.”

Então ela associa tudo isso à estrutura de poder e diz: “Então é assim que se cria uma história única: mostre um povo com uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão. É impossível falar sobre história única sem falar sobre poder.” “Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar a sua história, e começar com “em segundo lugar”. Comece uma história com as flechas dos nativos americanos e não com a chegada dos britânicos e você tem uma história completamente diferente.”

Recentemente eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a figura do pai no meu romance. Eu disse que havia terminado de ler um romance chamado “Um Psicopata Americano” e que era uma grande pena que jovens americanos fossem assassinos em série. Nunca havia me passado que só de ter lido um romance no qual o personagem era um assassino, isso fosse representativo de todos os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante, mas devido ao poder cultural econômico dos EUA, eu tinha muitas histórias sobre a América. Eu tinha lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história sobre a América.

Eu sempre achei que era impossível se relacionar adequadamente com uma pessoa ou um lugar sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A conseqüência de uma história única é essa, ela rouba a dignidade das pessoas. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil. Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. E se antes da minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os lados, dos EUA e México?

Ela continua reforçando tais argumentos com uma série de outros exemplos, daquilo que ela chama espírito empreendedor do seu povo até que no final terminou assim: Eu gostaria de finalizar com este pensamento: Quando nós rejeitamos uma história única, quando percebemos que nunca há uma única história sobre lugar nenhum, nós reconquistamos o paraíso.

José do Vale Feitosa


Festa Junina - por Geraldo Lemos



Interessante... Estou sentindo um cheirinho de lenha verde queimada e de pólvora e o gosto de aluá, com pé-de-moleque. O céu está limpo e estrelado.As labaredas de uma fogueira me aquecem a pele e o coração.Sinto que meus pensamentos retroagem a um passado bem distante.Uma noite de São João,,no meu querido e inesquecível Crato.

Como era tudo lindo e inocente!

No Alto do Seminário, D. Maria Pretinha hasteava, em um grande mastro, uma bandeira, com um retrato de S.João.

Era vista de todos os recantos da cidade. ``À noite, havia a novena, regada a aluá, bolo de milho, ao som da banda cabaçal de Pedro Carmino.

Começavam os ensaios das quadrilhas.

Todos procuravam seus pares. A disputa era grande. Escolhiam-se os noivos, padrinhos, força Policial, juiz, pais dos noivos e padre.

D Belmonte ao Brejo do Brigadeiro, Das Guaribas ao Romualdo, tudo era preparação para a Grande festa junina. Havia disputa e o segredo das alegorias era motivo de cochichos, nos meios comerciário e estudantil. Os ensaios eram incessantes.

Quem viveu aqueles momentos se lembra do “Club da Rapadura”. Lá se reuniam os comerciários e estudantes da Escola Técnica de Comércio, nos intervalos para o almoço. A alegria, poeira, cheiro de rapadura e do suor das meninas tornavam o ambiente aconchegante e gostoso. Embaixo do salão, armazéns de rapadura, e, encima, o som de uma sanfona, pandeiro e triângulo, sob o comando do gritador de quadrilhas que bradava:”Anarrié, cinturinha, passeio dos namorados, lá vem a chuva, olhe a cobra, trancilim etc.Um passo bom era a troca de parceira.Quem nos agradava teria de nos dar o braço. Já era muito.Como era gostoso tanta garota em nossas mãos.Não se perdia ensaio.Era uma verdadeira confraternização. Todos se conheciam.Todos se respeitavam.

Chegava o grande dia, 23 de junho. Roupas eram remendadas, chapéus de palha eram enfeitados. A chita, transformada em vestidos, fazia das moças umas matutinhas lindas, com suas tranças, ruge, pó e um cheirinho gostoso de perfume popular. Ainda hoje sinto aquele cheiro, cheiro de saudade, misturado com recordações. Os rapazes usavam barba e bigode feitos a lápis. Todos eram matutos, com linguajar e andar brejeiros.

O cortejo nupcial começava. Noivos, na frente, em uma carroça ornamentada com flores e fitas, seguida dos pares da quadrilha.

Após o casamento, a festa se estendia, por toda a noite, varando a madrugada.

Nas ruas, calçadas a pedra tosca, fogueiras eram acesas. Moças e rapazes colocavam, em uma bacia cheia d’água, dois carvões. Se colassem, um no outro, era casamento, na certa. Uma faca virgem, fincada em um tronco de bananeira, no outro dia, apareceria a primeira letra da futura ou futuro esposo. Quem se olhasse em uma bacia com água cristalina, ao lado da fogueira, se não visse o rosto, era morte, na certa, antes do outro São João.

Capilé, sucos, sequilho, bolos de milho e grude, meladinha, vinho São da Barra e, às escondidas, a pinga do Brejo, ou do Brigadeiro. Meninos jogavam traques, nas brasas, para queimar os adultos. Não havia drogas, no entanto, os olhares das garotas, com o brilho das chamas produzidas pela madeira que queimava, acendiam o fogo existente nos corações dos enamorados.

A alegria da meninada começava com os vendedores de fogueiras, sob o comando de D. Alexandrina, percorrendo as ruas da cidade, com seus jumentos carregados de lenha verde e seca. Havia sempre troncos grossos, para as bases. A beira do rio e as ruas do comércio eram lotadas de bancas de fogos.

Quem nunca soltou traques? Quem não tocou fogo em um rasga lata? Atirávamos bomba, com baladeira, nas paredes e muros de casas. Havia pixite, chuvinha, pistola, coió, estrelinhas, vulcão e balões. Era a felicidade de todos estampada no clarão desses fogos que fazia a beleza e alegria da noite. Muitos andavam descalços nas brasas, para impressionar a amada. Pensando bem, quem nunca se queimou com fogos e não decorou “Olha pru Céu, meu amor”?

Muitos se casavam na fogueira. Como éramos inocentes! Lembram-se dos compadres, ao calor das cinzas, proferindo as palavras: São João disse, São Pedro confirmou que você fosse meu compadre, ou comadre, que São João mandou. Viva São João, Viva São Pedro e viva nós nosso compadre, (comadre)? Tornavam-se compadres, por toda a vida. Era a fé e o respeito aos santos.

Pois bem, já é quase de manhã. Vou colocar umas batatas doces na fogueira, cobri-las com cinza e, quando acordar, bem cedinho, virei comê-las, ainda quentes.


GERALDO LEMOS

JOÃO PETRA DE BARROS - por Norma Hauer


ÚLTIMA INSPIRAÇÃO


Ele nasceu em uma véspera de São João; seu nome não poderia ser outro: JOÃO PETRA DE BARROS, nascido em 23 de junho de 1914.

Começou sua carreira de cantor ainda no início dos anos 30, tendo sido amigo de Noel Rosa. Assim, foi o primeiro a gravar, de Noel, "Até Amanhã" e “Feitiço da Vila”.
Foi ainda o lançador de "As Pastorinhas", ainda com Noel vivo, mas que nessa ocasião não fez sucesso.

A música recebeu de Noel o nome de "Linda Pequena"; posteriormente, Braguinha, co-autor da composição, modificou a letra dos primeiros versos, mudou seu título de "Linda Pequena" para "As Pastorinhas", deu a Sílvio Caldas para gravá-la (em 1938) e é sucesso até hoje, sucesso que Noel ( falecido em 1937) não conheceu.

Petra também foi o primeiro a gravar "Última Inspiração", de Peterpan, que vinha a ser cunhado de Emilinha Borba.

ÚLTIMA INSPIRAÇÃO

Eu sempre fui feliz, vivendo só sem ter amor,
Mas o destino quis roubar-me a paz de sonhador
E pôs no sonho meu um olhar de ternura
De alguém que, mesmo em sonho, roubou minha ventura

Sonhei com esse alguém noites e noites sem cessar
Por fim, alucinado, fui pelo mundo a procurar
Aquele olhar tristonho da cor do luar
Mas tudo foi um sonho, pois não pude encontrar

Mas na espinhosa estrada desta vida, sem querer, um dia
Encontrei com esse alguém que tanto eu queria
Esse alguém que, mesmo em sonho
Eu amei com tanto ardor não compreendeu a minha dor

Fui inspirado então na ingratidão de quem amava tanto
Que fiz esta triste valsa, triste como o pranto
Que me mata de aflição, bem sei que esta valsa será
A minha última inspiração.


De seu repertório constam, ainda: "Santo Antônio Amigo"; “Bonequinha de Veludo"; "Teatro de Revista"; "Flor do Lodo"; "Rosa de Veludo" ...

Nos tempos dos bondes (dos quais temos saudades, mas que devemos recordar que não eram tão bons assim) quando não havia lugares em seus bancos, a "moçada" viajava nos estribos, expondo suas vidas. E muitos morreram por causa disso.

João Petra de Barros, viajando no estribo de um bonde da linha “Tijuca” (66), que transitava pela Rua da Carioca, rumo a seu ponto final na Praça 15, teve uma de suas pernas esmagada entre o bonde e um caminhão estacionado naquela rua.
Resultado: teve de amputá-la.

Nunca mais foi o mesmo.

Afastou-se de suas atividades; caiu em depressão e, em 10 de janeiro de 1947, com apenas 32 anos, amargurado, pôs fim à sua vida terrena.