por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 6 de junho de 2014

"Snowden" - José Nilton Mariano Saraiva

Independentemente da manifestação de “juízos de valor” dispares que há de gerar sobre, a verdade é que a decisão do jovem, tímido e discreto americano Edward Snowden (31 anos) em “vazar” segredos de Estado e conseqüentes abusos cometidos pelos governos americano e britânico no tocante à invasão da privacidade (via controle irrestrito da Internet, inclusive telefone), acabou por prestar um relevante serviço à humanidade.

Fato é que, gênio da computação (e até por isso mesmo), mesmo sem possuir curso superior Snowden conseguiu ascender à condição de graduado “espião-senior” da NSA (Agência de Segurança Nacional, dos Estados Unidos, que atuava conjuntamente com a britânica GCHQ), tendo acesso, pois, a informações ultra-secretas e de largo poder de destruição.

No entanto, a partir de um certo instante, ao constatar que os superiores (inclusive o presidente Barack Obama) mentiam desbragadamente sobre o que ali se passava, visando obter do Legislativo americano e inglês facilidades, e possuído por uma repentina conscientização sobre os malefícios que estaria a provocar à humanidade (na constatação que a “coisa” era bem maior do que imaginava, mesmo que para um espião), surpreendentemente acabou por “virar a casaca”.

E aí se deu o ato metamorfósico: após copiar e abrigar em pen-drives fortemente criptografados milhões e milhões de documentos e informações ultra-secretas resolveu fugir para Hong Kong, na China, onde, valendo-se de jornalistas do britânico The Guardian (devidamente selecionados), “botou a boca no mundo”.

Foi um Deus nos acuda, principalmente porque até aquela data as duas agências governamentais não tinham a menor idéia de quem teria tido acesso e houvera vazado aquilo que até então se considerava ultra-secreto. E aí mais uma prova de destemor de Snowden: mesmo sabendo que estava a assinar o próprio “atestado de óbito”, resolveu mostrar a cara publicamente, gravando uma entrevista esclarecedora a respeito do “porque” ter agido daquela forma. 

Para se ter idéia da ESTRATOSFÉRICA E ABSURDA DIMENSÃO da “coisa”, basta um só dado: num dia apenas, as informações obtidas pela NSA e GCHQ, via grampeamento dos cabos de fibra ótica que perpassam EUA e Inglaterra, chegaram a 39 BILHÕES de dados coletados - isso mesmo, com “B”, de bola - contemplando não só o cidadão-comum, mas, principalmente, líderes de todo o mundo (o próprio Barack Obama,  David Cameron, Angela Merkel, Dilma Roussef, e os presidentes da França e da Indonésia, dentre outros, tiveram suas conversas e e-mail gravadas e copiadas).

Sem poder contestar as bombásticas revelações, em razão de a farta documentação ter sido exposta nos jornais e TV, os governos americano e britânico tiveram que admitir a ilegalidade do modus operandi utilizado, ao tempo em que usaram a justificativa de tratar-se de uma preocupação permanente com o terrorismo, após o atentado às “tôrres gêmeas”, em 2001.

Hoje, após um período recluso, sabe-se que Snowden se acha exilado na Rússia, com visto de permanência provisório (que expirará em agosto/2014). Voltar ao seio da família nos Estados Unidos jamais, já que no mínimo pegaria uma prisão perpétua, porquanto considerado um “traidor”. Daí a busca desesperada por algum país que aceite conceder-lhe asilo. O Brasil foi sondado.


Você, aí do outro lado da telinha, o que acha disso: o Brasil deve abrigá-lo permanentemente ??? Ou isso representaria uma ameaça à nossa segurança interna e à própria soberania nacional ???

O presente - Por Carlos Eduardo esmeraldo


Em fins de 2012, instalou-se aqui em Fortaleza uma filial de uma grande loja com sede em São Paulo, dessas que colocam suas filiais pelo país afora, até em Capim Grosso de Santo Onofre. Coincidindo com a inauguração dessa filial, recebi pelo correio um bonito pacote, cujo remetente foi a tal loja recém instalada. No interior do pacote um mouse sem fio. E nada mais a acrescentar. Pronto, eles faziam a festa e nós pobres e explorados consumidores recebíamos o presente! Procurando  uma justificativa, comentei com Magali que eu recebera aquele presente do tal magazine, por que na certa o comércio possuía dados que poderiam estar me colocando entre os "clientes em potencial". Coitadinho deles, se dependessem de gente como eu, suas lojas estariam todas quebradas...

Alguns dias depois, precisávamos passar um vídeo de alta definição e para tanto tivemos de comprar um tal de "blu-ray disc". Desculpem a expressão, mas é como chamam um novo tipo de videocassete. Após pesquisarmos em algumas lojas, entre as quais o tal magazine, disse a Magali que iríamos comprar nessa nova loja, pois além do preço ter sido menor alguns míseros centavos, tivemos por lá uma recepção um pouquinho mais acalorada. E além do mais, havia recebido dessa loja um presente, fator que mais pesou na decisão de compra.

Três dias depois, meu primeiro filho veio com sua família passar o Natal conosco. Logo ao chegar perguntou se eu havia gostado do presente que ele havia mandado para mim.
- Qual foi? Perguntei
- Um mouse sem fio que comprei pela internet e pedi que fosse remetido diretamente para o seu endereço.

Todos aqui em casa fizeram a festa com a minha "boa fé". Bem feito! Onde já se viu grandes capitalistas se preocuparem com a existência de pessoas tão desprovidas de importância como eu? Mas como a esperança é a última a morrer, quem sabe se eu não ganharei o edifício que essa loja alardeia em seus anúncios que vai ofertar aos seus fregueses?

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

O Nosso Sansão - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

No Sítio Pau Seco, aí pelo final dos anos quarenta e nas décadas seguintes, surgiu um homem extraordinário. Era conhecido por Zé Moreira e tido por muitas pessoas como um novo Sansão, posto que dotado de uma força descomunal. Filho de um humilde leiteiro, Zé Moreira trabalhava no Engenho do Pau Seco. Era uma verdadeira máquina! Imaginem que ele alimentava a caldeira do engenho, tirando água de um cacimbão, através de um balde atado a uma corda, que por ele era puxada. Essa operação era refeita várias vezes ao dia. Em seguida, ele transportava essa água para uma pequena caixa d’água que abastecia a caldeira. Para isso, utilizava-se de seis latas, dessas usadas como vasilhame de querosene, cada uma com capacidade estimada de uns 20 litros. As latas eram presas por uma corda a uma pequena travessa de madeira, denominada pelos rurícolas de galão e suspensas sobre o pescoço do Moreira, três latas de cada lado do seu corpo. Um trabalho desses já era demais para um homem normal. Porém Zé Moreira, além disso, tratava do gado leiteiro, ajudava a tirar o leite pela manhã, preparava a ração das vacas e bezerros e abastecia de água os serviços domésticos da casa grande. Tamanha atividade física exigia uma boa alimentação. Lembro-me que o almoço do Zé Moreira não cabia num prato comum. Assim sendo, ele comia numa bacia de folha-de-flandres quase do mesmo tamanho daquelas bacias brancas para o asseio das mãos, ainda existentes nas salas de jantar das casas do nosso sertão. Desnecessário afirmar que esta refeição, realizada três vezes ao dia, era composta de arroz, feijão, carne, farinha de milho e pequi, tudo dosado numa boa quantidade.

Até hoje se mantém gravada na minha memória uma incrível cena que presenciei. No lusco-fusco do final de tarde de outubro, uma grande boiada passava pela estrada do Pau Seco em direção ao Juazeiro. Um dos vaqueiros parou, disse a quem pertencia aquele gado e pediu pousada por aquela noite. Imediatamente obteve autorização para que a boiada fosse colocada na bagaceira do engenho, junto com outros animais que ali passavam a noite bebericando tiborna e comendo bagaço verde e palhas da cana. No dia seguinte, acordei mais ou menos às cinco horas da manhã, com a voz do meu pai perguntando por que o engenho ainda estava parado àquela hora. Os trabalhadores responderam que havia um touro brabo no meio do gado, botando todo mundo para correr. Naturalmente, aquele boi ficara bêbado por exceder-se na tiborna, um rescaldo da destilação do alambique, que deixa enfurecido qualquer animal que não tenha o hábito de bebê-la com freqüência dos bois acostumados com a bagaceira. Levantei-me a tempo de ver o touro escavando o chão, formando em torno dele uma enorme nuvem de poeira escura. Os próprios vaqueiros que conduziam a boiada sentiam-se desencorajados para prender aquele valente boi. Quando Zé Moreira avistou aquela cena, ignorando os protestos dos seus companheiros de trabalho, que temiam por sua sorte, entrou firme na bagaceira e esperou o boi partir para cima dele. Com a rapidez de um praticante de luta livre segurou os chifres daquele touro enfurecido e deu um giro de aproximadamente 90° na cabeça do paquiderme. A fera caiu de uma vez só, provocando um surdo ruído ao bater com o corpo no chão. Um choque de cinqüenta arrobas contra o solo seco. Os vaqueiros depressa se encheram de coragem e laçaram o boi. Ajudados pelo Sansão do Cariri conduziram-no para o meio da boiada que esperava no caminho, um pouco mais adiante.
  
A família do Zé Moreira era composta por uma mulher cega e dois de seus cinco filhos também cegos. A cegueira não impedia sua mulher de fazer os serviços domésticos, além de realizar pequenos consertos de costura. Era admirável como ela conseguia enfiar a linha pelo buraquinho estreito da agulha. Não sei se devido a esse infortúnio, Zé Moreira gostava de beber uma “branquinha” e espairecer um pouco nos seus dias de folga. Então, largava-se para o Crato ou Juazeiro, onde quer que houvesse um forrobodó. Certa vez estava num “samba” que se realizava próximo à estação ferroviária do Juazeiro. Convidou uma jovem para dançar e ela respondeu que não dançava com velhos. O sangue juntamente com a cachaça subiu-lhe à cabeça. Segurou a moça pelo vestido, à altura dos seios e deu um forte sacolejo para o alto, que a jovem subiu alguns centímetros acima do nível do mar, de modo que, o seu vestido ficou preso nas mãos do Zé Moreira. O tempo fechou nesse “samba” e o sarrafo comeu solto. Era Zé Moreira contra uns dez homens que não conseguiram domá-lo. Dois policiais que estavam na estação, viram a confusão, rapidamente chegaram ao local da festa e agarraram nosso Sansão. E ele, com a serenidade que lhe era peculiar, começou a pedir calma aos dois policiais, enquanto apertava o braço de cada um deles com tanta força, que eles o soltaram; desistiram de prendê-lo e saíram imediatamente do local. A coisa serenou e o Moreira pedia que o tocador voltasse com a música. De repente, chegou um caminhão carregado de policiais. Era demais! O nosso herói vendo que seria preso e espancado por aquele batalhão, correu pela linha do trem em busca do São José. A polícia seguiu em seu encalce até a saída do Juazeiro. Quando Zé Moreira ia chegando próximo do São José, extenuado pela correria de mais de seis quilômetros, tropeçou num dormente da ferrovia, caiu e exclamou como se reconhecesse uma derrota: “filhos de uma égua, ainda vêem atrás de mim esse tempo todo!”

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

O Mascarado - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Jogador de futebol mascarado era um termo usado há mais de 50 anos, quando se desejava classificar um atleta que jogava exclusivamente por dinheiro, não por amor à camisa, como se dizia então. Além do salário recebido, tal jogador exigia um pagamento extra para entrar em campo, principalmente em jogos decisivos. Hoje esse termo está em desuso. Talvez porque num futebol em que milhões de dólares são reles quinquilharias, não ser mascarado, tornou-se uma grande exceção. Até início dos anos setenta, os clubes de futebol rejeitavam jogadores com essa fama. E não se ouvia falar que qualquer grande clube brasileiro tivesse um jogador mascarado. Quantos craques deixaram de vestir a camisa da seleção brasileira, aspiração máxima de qualquer jogador, por causa da maldita fama de mascarado! Naquela época, os jogadores eram retratos das organizações cujas cores defendiam com muito amor, suor e sangue. Passavam mais de vinte anos numa mesma equipe. Não havia este troca-troca de camisas que se vê atualmente. Quando se falava em Ademir da Guia, lembrávamos logo do Palmeiras; Pelé era a encarnação do Santos, assim como Dida e Zico, Ademir Menezes e Roberto Dinamite foram sinônimos de Flamengo e Vasco. 

O futebol do Crato de ontem também teve seus casos de jogadores mascarados. No meado dos anos sessenta, quando Anduiá ainda reinava absoluto no velho campo do Sport, surgiu um menino franzino, baixinho, de futebol muito vistoso. Imediatamente recebeu o batismo de Chico Curto. Do campo do Sport para a quadra bi-centenário foi uma ascensão rápida. Era um craque nas duas modalidades do futebol: salão e campo. Daí para nossa seleção que iria disputar o Campeonato Intermunicipal foi um piscar de olhos. Sem ele no time, as vitórias se tornariam muito mais difíceis. De repente, a fama do nosso craque ganhou as manchetes dos jornais de Fortaleza. Era a revelação do Intermunicipal. A nossa seleção estava classificada para semifinal contra a seleção de Maranguape. O jogo era no Estádio Presidente Vargas.

Conforme me contou o saudoso médico Valdir Oliveira, que presidia a delegação cratense de futebol que fora a Fortaleza, Chico Curto foi para ele motivo de grandes aborrecimentos. Por questões de custos, ele hospedou nossos atletas no Hotel Passeio, localizado à Rua Dr. João Moreira, bem defronte ao Passeio Público, conhecido ponto de encontro de prostitutas. A área, portanto, não era muito adequada para concentração de jogadores de futebol e, por isso, a vigilância deveria ser redobrada. No sábado, véspera do jogo, dirigentes do Ceará e do Fortaleza acorreram ao Hotel Passeio na busca de contratarem Chico Curto, a nossa revelação. O nosso Chico Curto se encheu de “pose” por saber que estava tão valorizado. No domingo pela manhã, o café dos atletas estava servido. Mesa farta, como nunca acontecera antes naquele hotel: mamão, melancia, laranja, cuscuz, tapioca, carne assada, leite, coalhada, bolos, sucos diversos e café. Verdadeiro banquete! Serviço cinco estrelas, longe dos padrões habituais do Hotel Passeio. Ao sentar-se à mesa, o nosso craque pediu maçã. O proprietário do hotel lhe informou que infelizmente não tinha maçã. Naquela época, até em Fortaleza era difícil encontrar maçã. Fruta que ainda não era cultivada no Brasil, vinha da Argentina, e devido às muitas restrições impostas aos produtos importados, poucas lojas de Fortaleza dispunham de maçãs à venda. Então Chico Curto se dirigiu ao Dr. Valdir e falou decidido: “Só jogo hoje se tiver maçã!” Foi um Deus nos acuda! Correria por todos os mercados de Fortaleza e nada de se encontrar uma maçã sequer. Já próximo do meio-dia, o dr. Valdir lembrou-se de que na Cooperativa dos Bancários do Crato tinha maçã, então, pensou ele, na de Fortaleza deveria ter também. Procurou um amigo bancário e junto com este foram atrás do gerente da Cooperativa para conseguir as maçãs exigidas pelo craque Chico Curto. Desejo atendido, às quatro horas da tarde em ponto, a nossa esperança entrava em campo. Tamanho sacrifício, entretanto, foi inútil. Nossa seleção foi humilhantemente eliminada. E o craque Chico Curto se arrastava em campo com o futebol do seu tamanho, provavelmente acometido de insidiosa indigestão, pois comeu maçãs até se fartar. Quanto ao meu saudoso amigo Valdir Oliveira, acredito que depois dessa experiência, não mais passou por perto de um campo de futebol.  

OBS.: Minhas homenagens ao saudoso amigo e médico Valdir Oliveira. Quanta falta faz sua alegria irradiante!

Por Carlos Eduardo Esmeraldo