por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Nem prosa, nem verso-socorro moreira


Meu caminhar é solitário

Que adianta voltar e buscar o que não ficou ?

Nem gente, nem pacote
atrasam minhas idas
minas vidas

Volto no pensamento

quando o tempo é escravo

- No presente ele é senhor

Acelera ou adormece um desejo animado



Já disse tantos adeuses

Já fiquei de mãos vazias, embargada de saudades

Já tentei reconduzir algum caso terminado

Tudo acaba numa pia :

o resto do café, farelos de pão, flores despetaladas ...



Não gosto das despedidas

Elas estão nas pautas dos meus dias

-Prefiro os encontros inesperados

Seja de música ou pessoa

Seja um conto ou seja um fato

Chega e fica

Desfaz a mala

Cabe num canto da sala

Fica postado num quadro

Faz cafuné, coça o pé

Deixa dormir sossegado.

(socorro moreira)

A Viagem de João de Barros entre Crato e São Paulo - Parte II - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Na última postagem recebi o elogio de quatro leitoras. Nunca João de Barros fora tão lido assim. E dessw modo estimulado, enquanto escuto o "IL POSTINO" de L.E. Bacalov feito para o filme o "Carteiro e Poeta, colo mais uma pequena/longa passagem da viagem deste personagem até São Paulo.

O ônibus estava em conserto no ermo dos sertões de Canudos. João de Barros como não tinha nada por fazer, resolveu dar uma caminhada na redondenza. Enquanto caminhava foi aprisionado a um ensaio de teatro, cujos personagens usam a voz para se dimensionar entre a profundidade da história e dos espaço quase sideral de Canudos. Eis que surge o Conselheiro diante de si:

João de Barros sabia que muita coisa mexera no caldeirão da natureza à sua frente. Lembrava-se do filme “Os últimos dias de Pompéia”, e associava o desespero das gentes em busca da salvação, ao que ocorrera com a história que Joaquim lhe contara, mas ia além à verdade que altera até mesmo o mais sólido das formas que é o nosso amado chão. O nosso mais imutável dos sentimentos, o chão que nós pisamos. João estava apavorado não somente com os fantasmas auditivos, mas, sobretudo com o que eles lhe diziam. Seu estado de perplexidade se deteriorou, quando ele viu, sobre uma pedra grande, a não mais de 20 metros, surgir de repente, sem que ele soubesse de onde, a figura exata, descrita por Joaquim, do Conselheiro. João não suportou mais o peso do corpo, as pernas não conseguiam sustentar o peso do que via, e ele caiu sobre o solo, enquanto ouvia o mestre que repetia Euclides da Cunha:

- O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

Em seguida, o Conselheiro apontou com o cajado ao redor da paisagem e disse:

- Mil contas de um rosário. Houve mil contas para trafegar, então pelas trilhas se fizeram, os filhos de Deus. Como em Jerusalém e Belém, pelos desertos andai. Andai irmãos pelos caminhos da bem aventurança. Andai irmãos pelas trilhas dolorosas da salvação. Andai através de Itapicuru de Cima, sobre Monte Santo, Bom Conselho, Mirandela e Cumbe, andai por Tucano e Jeremoabo. Vague pelos sertões de Curaçá, Alagoinhas, Inhambupe, Mocambo, Pombal, Maçacará e estacionai em Xorroxó.

O personagem, cada vez mais exaltado, continuava pregando para uma multidão oculta ao redor dele e de João que, também, estava na mesma cena e vivia o mesmo ato. Com traços largos marcados pelo cajado no espaço, continuava:

- Os rebanhos que entraram do mar para o sertão e lá cruzaram o destino dos nativos, se viram um dia, quando muito já havia do tempo na busca da terra prometida, frente ao desespero, pois o que restava era a agonia dos rebanhos primitivos, o desengano dos rebanhos mestiços e a corrupção da alma dos rebanhos que do litoral vieram. E Deus disse, voltai a ser um só rebanho e tereis um só pastor. E neste dia a praia virará sertão e o sertão vai virar mar.

Com o cajado apontando para os céus, o Conselheira bradava:

- Fazei-me instrumento de ti. Não faça nascer na mina da minha vida, o ódio rolado das pedras das injustiças, o horror às chagas das esporas que campeiam os vaqueiros cavalgados pelos animais. Amém Senhor. Dê-nos muitos pastos, mas um só rasto e um só rebanho. Ficarão as águas em sangue e o planeta há de aparecer no nascente com o raio do sol que o ramo se confrontará na terra e a terra em algum lugar se confrontará no céu...

E João despertou da letargia em que se encontrava, pois o Conselheiro, apontando o cajado diretamente para ele disse:

- Levantai irmão. Ide ao sul e buscai o consolo para tua alma aflita. Mas no mesmo rastro que fores, retorne às origens dos teus caminhos passados. E lembrai que as imagens levantam consciências, mas a ilusão costuma se alimentar no corpo das artes. Buscai, portanto a verdadeira arte de viver. De viver o tanto que te couber, na medida mesmo em que ao mundo deres tudo que trouxeste ao nascer. E nunca negai teu irmão, mesmo que às horas matinais o galo cante. Ide ao sul e retorne na mesma consciência que estas pedras te falam. Pois o mundo é muito mais do que parece. Levantai agora mesmo.

João, de supetão, levantou-se, passou a mão na bunda para retirar os garranchos presos e, sem olhar para trás, como se fosse um cordeiro tangido pelo pastor, seguiu de volta pela mesma trilha que viera. Retornou ao ônibus para junto dos demais, sem uma única palavra sobre o ocorrido. Apenas assistindo os arremates finais para remover o ônibus da letargia em que se encontrava.

Também sem notar que ali, no meio do sertão, um grupo de estudantes universitários de Salvador, estava treinando para fazer um filme sobre a realidade brasileira. O interessante é que, apesar de brincarem com João, eles tornaram a cena num laboratório com platéia camponesa e ao invés de rirem da ingenuidade do sertanejo, ficaram marcados com o resultado do ensaio, sabendo que estavam prontos para iniciar as filmagens. O filme se chamaria Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas João de Barros nunca soube e nem viu este filme.
 por José do Vale Pinheiro Feitosa

As meninas de Barra Mansa - José do Vale Pinheiro Feitosa



As “meninas” da cidade sabem viver. Todas descompromissadas com a companhia masculina de mesmo teto. Passam finais de semanas examinando as borbulhas douradas das cervejas, com um prato de sopa quente nas noites frias de Barra Mansa.

Não raro vão à casa uma das outras para experimentarem receitas e costurarem fofocas da cidade. Fazem excursões pelas estradas barrocas das Alterosas, alugam casas nas amenidades da cidade “dezenovecentista” de Bananal. Costumam passar temporadas na fazenda da família da Mirtes, uma delas.

Então na semana passada a Eliane, a pedido de uma amiga, ficou por tomar conta de um cão criado em apartamento. Mas na controvérsia da fuga: se ficar solitário, o danadinho destrói almofadas nos sofás, rói as bordas das portas, arranca franjas que obstruam sua ânsia por companhia.

Mas a Eliane, apesar da incumbência, teve convite para um dia inteiro no campo. Deu um jeito do “Bob” ficar bem alimentado e tratou de cortar a rota de fuga do cão. Terminado o presídio foi livre para um dia de alegrias: Eliane, Viviane e Miriam.

Duas horas da madrugada o carro risca na porta da Eliane para deixá-la, estropiada das “abeberações” e comilanças do dia. Estava tomada de sono. Despede-se e as amiga recomendam que entre antes que saíam. Ela protesta, não é necessário e se vai.

Nem meio segundo o carro ainda acelerava para dar ré quando retorna Eliane saltitante, com os olhos arregalados a denunciar uma cobra bem na entrada da sua porta. Logo este mesmo animal bíblico a incomodar nossas “Evas”.

Uma algazarra generalizada na calmaria da madrugada. Mulheres discursando sobre o método de matar cobras. A vizinha do alto de sua sacada, no segundo andar, vem até a porta do seu olhar sonolento a perguntar o que havia.

- É uma cobra. Enorme. Bem na porta de casa.

- Mata Eliane! Mata a bicha!

- Matar? É ruim! Aí não tem nenhum homem não? Onde estão os homens desta Rua? Só esta lesma que apenas espia e nada faz.

Na falta de um valentão de cacete em punho, a Miriam resolve enfrentar a serpente peçonhenta. Naquela altura juntando todas as fantasias e lendas do ofidiário.

- Espera aí Eliane! – diz a Miriam – Ela é enorme! E esta varinha pode não ser suficiente. Não tem um pau bem grosso aí? A mulher fala na distância razoável além do bote daquela fera. A Viviane também se aproxima e logo diagnostica: Nossa ela está toda preparada para dar o bote.
Nem a cena da mais despreparada equipe de bombeiros num incêndio descomunal mobiliza tanto quanto àquelas mulheres, desde o chão da rua por onde realizavam busca de instrumentos para uma cobra e destilar medo, até o alto da sacada, a vizinha dando pitacos.

Finalmente a Miriam, no meio da azáfama dos resultados, aproveita o solavanco emocional do grupo e se aproxima. É que no lado das amigas havia um amplo debate entre a rua e a sacada, entre àquelas que corriam ao longo da quadra em busca de ajuda e a vizinhança que começava a acordar naquela revolução.

- Eliane, olhe aqui a cobra.

Todos param. Um silêncio de ofertório na igreja. Apenas o tilintar de sinos da heroína com a cobra pelas mãos:

- É uma mangueira. Olhe aqui. Uma grossa mangueira!

- E o Bob da Amélia? Pergunta a Eliane. Fugiu. Passou o dia fugindo e retornando! – respondeu a vizinha do alto de sua sacada. A ficha caiu: foi ele! Que cachorro mais miserável!

Que noite tem estas mulheres. E tem quem imagine que a vida urbana é só luz e máquinas. Televisão e internet. Tem cobra. De viva manifestação, pelo menos simbólica.

57 ANOS DA MORTE DE GETÚLIO- por Norma Hauer


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O SUICÍDIO NAS PALAVRAS DO CORREIO DA MANHÃ:
"A nação inteira foi abalada na manhã de ontem com a notícia da morte do Sr. Getúlio Vargas, ocorrida em circunstâncias patéticas. Cerca de três horas após a histórica reunião da madrugada de ontem, encerrada com a decisão de licença, o presidente da República se suicida, com um tiro no coração.
Pouco depois das oito horas, o Sr. Getúlio Vargas encontrava-se no seu quarto de dormir, no terceiro andar do Palácio. De pijama, fisionomia tranqüila, ali foi surpreendido pelo seu velho camareiro Barbosa, que entrava no aposento presidencial, conforme fazia todas as manhãs, para o serviço de arrumação. Disse-lhe, então, o Sr. Getúlio Vargas, em voz serene:
-Sai Barbosa, eu quero descansar ainda um pouco.
Foram estas as suas últimas palavras. Instantes depois, deitando-se no leito, o Sr. Getúlio Vargas comprimia, com a mão direita, uma pistola contra o peito, exatamente sobre o coração, e com a outra acionava o gatilho. Desferido o tiro, não teve mais que uns poucos minutos de vida.
A cidade viveu ontem horas de profunda tensão nervosa, em conseqüência do suicídio do presidente Getúlio Vargas. Às 8,45 quando maior era o movimento de automóveis nos bairros para o centro da cidade foi a informação do falecimento divulgado pelo rádio. Na praia do Flamengo carros particulares, táxis e coletivos paravam em plena Avenida e seus passageiros estupefatos dirigiam-se aos passageiros dos outros carros, procurando pormenores e informações como se não quisessem dar crédito ao que ouviram nas rádios dos automóveis. (...) Uma verdadeira multidão acorreu ao Palácio do Catete, onde permaneceu de pé à espera do momento que lhe permitissem ver o corpo do sr. Getúlio Vargas. E muitos choravam." (Correio da Manhã, 24 de agosto de 1954) 

Norma

Pensamento para o Dia 24/08/2011


“Deus é a encarnação do Amor. O homem, que é uma imagem do Divino, deve ter o amor como sua qualidade básica. Por que, então, o homem está infectado com características como ódio, inveja, orgulho e vaidade? O motivo é: o coração do homem está poluído por seu amor estar voltado aos objetos externos. A imagem do Senhor não pode ser impressa em um coração que está impuro. Somente quando percebe a onipresença e onisciência de Deus que o homem pode compreender a natureza da Divindade. Só então ele irá reconhecer a Divindade dentro de si. Para experimentar a alegria que brota de um devoto que tenha desenvolvido amor magnético por Deus (Sannikarsha Bhakti), você deve mostrar amor e reverência para com os idosos e servi-los com humildade e respeito. Pelos semelhantes, você deve mostrar amor e simpatia. Pelos jovens, você deve estender simpatia e carinho. Por esses meios você pode demonstrar seu amor e respeito pelo Divino que está em cada um deles e em todos nós.”
Sathya Sai Baba

A poesia - música do Chico!


Ela é Dançarina
Chico Buarque
Composição: Chico Buarque

O nosso amor é tão bom
O horário é que nunca combina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando pego o ponto
Ela termina

Ou: quando abro o guichê
É quando ela abaixa a cortina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Abro o meu armário
Salta serpentina

Nas questões de casal
Não se fala mal da rotina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando caio morto
Ela empina
Ou quando eu tchum no colchão
É quando ela tchan no cenário
Ela é dançarina
Eu sou funcionário
O seu planetário
Minha lamparina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina

No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço a Deus do céu uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Quando esquento a sopa
Ela cantina
Ou quando eu Lexotan
É quando ela Reativina
Eu sou funcionário
Ela é dançarina
Viro o calendário
Voa purpurina


No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim


Ela é dançarina
Eu sou funcionário
Quando eu não salário
Ela, sim, propina


No ano dois mil e um
Se juntar algum
Eu peço uma licença
E a dançarina, enfim
Já me jurou
Que faz o show
Pra mim

Saudade infantil - Por Socorro Moreira


Manhã cor-de-rosa ,doce aurora ! Da janela o mundo parece foto - inanimado ! Se não fosse o latido dos cães , chilro dos pássaros , eu só teria o som do teclado .
O rádio na madrugada revive um samba antigo , e na minha memória, uma velha vitrola, soluça "Anaih".
Tempo do leiteiro à cavalo; do padeiro na carroça; do pirulito na tábua; das verduras no balaio.
Mingau na mamadeira, papa no dedo,chupeta no beiço, passeio nas calçadas com pijama flanelado. Casa varrida e aguada;cheiro de café torrado ; chão de tijolos, casa com chaminé; pinico nos quartos, banho de cuia , tina no quintal. Gritos de empregada e patroa : o que fazer pro almoço, carne cosida ou torrada ? E o pilão comendo frouxo. O abano cansando a mão; a boca soprando brasas.
Infância danada !
- Soltar barcos de papel , na rua alagada da chuva;chorar a morte do soldadinho de chumbo, derretido no fogão de lenha; Branca de Neve envenenada porque mordeu a maça; Bela adormecida, no sono do fuso encantado e eu, patinho feio, querendo presentear o meu gato com uma bota de mil quilômetros.
Estou no Crato, e em todos os lugares que vivi. Estou em Copacabana , onde um dia te vi. Estou no largo de uma saudade que não machuca , e me faz feliz !

Cheiro de infância - Por Socorro Moreira


Carência e medo
Tempestade, trovão
Almas penadas, aparição
Pavor de espelhos, aconchego
Colchão e amônia
Cabelos embrenhados, rabo de cavalo
Balões, bonecas de pano
Bilas, birros, bambolês
Chão de mosaicos, sujo de infância.

Tradição Oral : Bisaflor Conta Histórias - Por : Stela Siebra Brito


Ultimamente Bisaflor recebe convites pra contar histórias nos mais diversos lugares. Outro dia foi bater no Crato, a convite de Socorro Moreira, que desejava presentear sua neta Bianca com a magia das histórias. Bianca adora ouvir histórias, e, a seu modo, já conta histórias. Socorro convidou os amigos e os netos dos seus amigos. Serviu café e chá com biscoitos, sucos, bombons, pipocas e bolinhos. Bianca sentou-se no colo de Bisaflor, que contou várias histórias: Moura Torta, A Fonte das Três Comadres, A Festa no Céu, O Negrinho do Pastoreio e a história de Dona Labismina. Quando Bisaflor terminou de contar a história de Dona Labismina, Bianca disse: “gostei mais dessa, conta de novo, conta”. Se qualquer contador de histórias não resiste ao pedido do “conta de novo” das crianças, imagina se Bisaflor não repetiu a história!

DONA LABISMINA
Era uma vez uma rainha que já estava casada há muito tempo, mas não tinha filhos, embora fosse grande seu desejo de tê-los. O tempo passava e nada de gravidez e a vida da rainha foi ficando muito tediosa. Era tanta sua vontade de ser mãe, que certa vez falou que queria parir nem que fosse uma cobra. Pois não é que algum tempo depois ela estava grávida? E nasceu-lhe uma linda menina com uma cobrinha enrolada no pescoço. A rainha, o rei e toda corte ficaram muito insatisfeitos com o fato, mas não se podia tirar a cobrinha do pescoço da princesa Maria.
Princesa e cobra cresceram juntas e, logo, logo, a princesinha nutria muita simpatia e amizade pela cobra, sua irmã, a quem chamou de Labismina. Brincavam, passeavam, tomavam banho no lago, dormiam juntas. Quando estavam mocinhas escapavam da vigilância das criadas e iam ver o mar. Labismina, largando o pescoço da princesa Maria, corria para as águas, adentrava, mergulhava, sentia-se em casa.
A princesa ficava na praia e, aflita, chorava, tinha medo que Labismina não voltasse das águas profundas do mar. Gritava, chamando a irmã. A cobrinha retornava à praia, enrolava-se no seu pescoço e voltavam para o palácio, onde ninguém desconfiava do passeio das duas.
Muitas vezes repetiram a aventura, e a princesa até passou a gostar de observar Labismina subindo e descendo nas ondas do mar.
Um dia a cobrinha se despediu da princesa Maria, queria mesmo era ficar naquele vai e vem das águas, mas que a irmã soubesse, ela sempre a ajudaria, era só chamar-lhe, caso se encontrasse em apuros.
Nesse mesmo dia Labismina entrou no mar e não voltou mais.
O tempo passou. Quando a princesa já era uma bela moça, uma tristeza se abateu sobre o palácio: a rainha, depois de uma grave doença, morreu, mas, não sem antes entregar um anel ao rei e pedir que ele só voltasse a casar-se, caso encontrasse uma princesa em cujo dedo a jóia se amoldasse com graça e beleza.
Passado o tempo do luto e das tristezas, o rei quis casar-se novamente e mandou seus emissários procurarem em todos os reinados uma princesa em cujo dedo o anel entrasse como uma luva. Os emissários andaram por reinos até muito distantes, mas não encontraram uma noiva para o rei, que agora queria porque queria casar-se, mas não deixaria de atender a recomendação da sua falecida rainha. Palavra de rei!
Só a princesa Maria não tinha experimentado o anel, mas foi chamada a fazê-lo; o anel ajustou-se de forma maravilhosa no seu dedo. E como palavra de rei não volta atrás, ela teria que desposar o pai.
A princesa ficou muito desgostosa e passava os dias numa tristeza que só vendo: chorando e lamentando sua sorte, até lembrar-se de pedir ajuda a Labismina. Foi até o mar e gritou pela cobra que logo emergiu das ondas, veio até a praia e escutou a notícia do casamento da princesa, sua irmã, com o rei, seu pai. Labismina acalmou Maria:
- Não tenha medo. Diga ao rei que só se casa se ele lhe der um vestido da cor do campo, com todas as suas flores.
Quando a princesa impôs essa condição, o rei ficou preocupado pensando se existiria tal vestido que a filha queria, mas que iria procurar e certamente encontraria. Convocou emissários, costureiras, adivinhos, que todos se mexessem e aprontassem o vestido da princesa, foi o que ordenou.
Passou um bom tempo e o vestido da cor do campo, com todas as flores, estava pronto, fato que deixou novamente a princesa muito preocupada. Foi ao mar e chamou Labismina. A irmã lhe disse:
- Peça agora um vestido da cor do mar e com todos seus peixes.
O rei convocou meio mundo de especialistas no assunto e, depois de certo tempo, conseguiu o vestido desejado pela princesa Maria, que mais uma vez sofrendo com a insensatez do pai, buscou a orientação da irmã:
- Diga ao rei que só casa se ele lhe der um vestido da cor do céu e com todas as suas estrelas.
O rei estava cada dia mais atônito com as exigências da filha e teve que mover meio mundo para conseguir o vestido da cor do céu e com todas as estrelas.
Ao ver o belíssimo vestido pronto, a princesa desesperou-se. E agora? Correu para a praia e encontrou um navio que dona Labismina havia providenciado durante o tempo em que os vestidos eram aprontados. A cobra lhe disse que no reino que o navio parasse, ela descesse, porque nessa terra encontraria um príncipe com quem se casaria. E lhe fez um pedido:
- Na hora do teu casamento chama três vezes por mim, que o encanto, em que estou confinada, se desfará e me tornarei uma princesa tão bela quanto tu.
A princesa embarcou e no primeiro porto que o navio parou, ela desceu e foi pedir emprego no palácio real. A rainha a encarregou de criar e cuidar das galinhas.
Envolvida nessa tarefa, a princesa via o tempo passar sem maiores novidades, até a ocasião em que haveria três dias de festas na cidade. Aí foi um alvoroço geral, se arruma daqui, se arruma dali, e toda a gente do palácio foi à festa, menos Maria, a cuidadora das galinhas.
Quando todos saíram, Maria, a princesa, vestiu o vestido bordado com as flores do campo, penteou os cabelos, pediu uma carruagem à Labismina e foi para a festa. Sua chegada causou a maior sensação, nunca tinham visto moça tão rica, tão bonita e tão bem vestida. O príncipe apaixonou-se por ela, assim como outros rapazes da cidade.
Maria divertiu-se muito, mas antes da festa acabar tomou sua carruagem e voltou ao palácio, vestiu seus farrapos e foi deitar-se.
No final da festa, o príncipe comentou com a rainha:
- Nunca conheci moça tão bela, gostaria de casar-me com ela. A senhora percebeu como ela parecia com a moça que cuida das galinhas?
- Ah, aquela pobre coitada tem lá roupas tão ricas e finas, meu filho! Vá até o galinheiro ver os trajes dela!
O príncipe foi e encontrou Maria pobremente vestida, contou-lhe que na festa tinha uma moça muito parecida com ela. A princesa, disfarçando que estava encabulada, falou que o príncipe estava zombando dela, uma simples guardadora de galinhas.
No outro dia de festa, a princesa vestiu o vestido da cor do mar, com todos seus peixes, e Labismina mandou-lhe uma carruagem mais luxuosa que a do primeiro dia. Mais uma vez ela foi a grande atração da festa, deixando o príncipe suspirando por ela.
No último dia de festa, a princesa Maria vestiu o vestido da cor do céu e cheio de estrelas, subiu numa rica carruagem e foi para a festa. O príncipe lhe fez a corte e lhe ofereceu uma jóia, preciosidade que Maria guardou com muito carinho.
Terminados os dias de festas, o príncipe, perdidamente apaixonado pela moça desconhecida, só pensava em casar-se com ela, mas ninguém sabia quem era, nem de onde viera, portanto, como encontrá-la? Muito triste e doente de paixão, o príncipe perdeu o apetite, não queria se alimentar, nem mesmo um caldinho aceitava...
A rainha estava aflita, recorria a todos para ver se conseguiam persuadir o príncipe, chamou até a guardadora das galinhas para fazer um caldo especial e levá-lo para seu filho. Maria concordou em fazer um caldo e mandar para o príncipe, porque ela mesma, tão insignificante, não poderia convencer o príncipe a alimentar-se, melhor seria que o criado particular levasse o caldo.
E assim foi: ela fez um caldo, colocou a jóia que o príncipe havia lhe dado dentro da tigela, e o criado serviu a refeição. O príncipe, alheiamente a apatia, ele queria casar com a moça que fez o caldo, que chamassem a cuidadora das, colocou a colher no caldo e pescou a jóia. Pulou da cama, cheio de alegria. Acabou-se galinhas. Esta veio mais bela do que nunca, vestida como quando ia à festa, deixando um rastro de suave e doce perfume por onde passava. Houve muita alegria no palácio, marcaram o casamento, que foi uma festa regada a muitos banquetes e bailes, mas a princesa Maria, envolvida com sua própria felicidade, esqueceu de chamar pelo nome de Labismina na hora do casamento.
A princesa e o príncipe viveram felizes para sempre.
Dona Labismina não se desencantou e ainda vive no mar; vez em quando se enfurece, dá urros, emborca os barcos, vomita altas ondas nas praias.

22,24 e 25 de Agosto - Três Presidentes marcando estas datas tão próximas - Por Norma Hauer



Foi na Rodovia Dutra, que na tarde de 22 de agosto de 1976, Juscelino partiu para a viagem sem volta, deixando uma dúvida no ar...Seria de fato acidente?

Interesante que três políticos que marcaram nossa história naquela época , no período de nove meses, seguiram o destino contrário a uma gestação. Partiram para sempre.

Em agosto de 1976, Juscelino se foi; em dezembro do mesmo ano, foi a vez de Jango e em maio de 1977, Carlos Lacerda seguiu o caminho dos outros dois. Tudo isso em 9 meses !
As três mortes foram estranhas.
O retorno de Jango ao Brasil, mesmo morto, foi difícil. Quase não foi permitido. Provavelmente, seria uma ameaça à "democracia" de então.

JUSCELINO KUBITSCHEK havia sido injustiçado pelos militares.
Foi um Presidente otimista, apesar de fazer um governo tumultuado porque quis colocar o Brasil para frente, realizando 50 anos em 5.
Muitos criticaram e ainda hoje criticam a criação de Brasília e a mudança da Capital. Mas o que seria hoje o nosso Rio de Janeiro ainda como Capital ? Nossa população talvez "dobrasse", as favelas triplicassem e seria mais difícil viver aqui. Além disso, o pior: teríamos de conviver com os sujos políticos federais, como se não bastassem os locais.

No dia 24 de agosto de 1954, um Presidente "deixa a vida para entrar na História". GETÚLIO VARGAS governou como Presidente "proviório" entre 1930 e 1937; como ditador, entre 1937 e 1945 e como Presidente eleito entre 1951 e 1954.

O "povão" gostava dele. Os trabalhadores, antes sem nenhum direito, o adoravam. Os políticos , de um modo geral, o detestavam. Ele disse que saía da vida para entrar na História. Mas penso que somente quando não existir mais ninguém que o tenha conhecido é que poderá ser julgado sem paixão.


No dia 25 de agosto de 1961 outro Presidente polêmico: JÂNIO QUADROS, não sai da vida, mas sai da Presidência. Doido?, perseguido por "forças ocultas"? Prometia, com uma vassourinha, "limpar a política", mas antes de completar uma "gestação", ficou 7 meses e "se mandou".

Só o futuro poderá julgar os três.

Norma

Henrique Fôreis Domingues - Almirante - Por Norma Hauer


Ele foi uma pessoa INCRIVEL, Seus trabalhos foram FANTÁSTICOS e tudo que fez foi EXTRAORDINÁRIO.

Nasceu há 101 anos no dia 19 de fevereiro, recebendo o nome de Henrique Fôreis Domingues. Com esse nome, só os mais íntimos o conheceram, mas como ALMIRANTE ficou conhecido, através do rádio, em todo o território nacional.

Foi um dos radialistas e produtores radiofônicos que mais tempo atuou no rádio, tendo suas atividades começado no final da década de 20. Nos anos 30 e 40 manteve-se firme, cada vez com mais audiência e somente uma doença grave o afastou da Rádio Tupi, em janeiro de 1958. Nessa data teve um derrame seriíssimo, que o manteve afastado de qualquer atividade física e intelectual durante todo o resto da década de 50, precisando reaprender a falar, tal foi sua falta de nexo e de memória.

Entre os anos de 1963 e 1971 manteve duas colunas semanais de nome “Incrível! Fantástico! Extraordinário” e “Cantinho das Canções” e uma semanal intitulada “Pingos do Folclore” no jornal “O Dia”.

Suas atividades artísticas começaram com a criação de um conjunto de nome “Flor do Tempo”,logo transformado em “Bando de Tangarás”, do qual fizeram parte Braguinha (como João de Barro), Alvinho, Henrique Brito e Noel Rosa. O nome foi sugerido porque -explicou Braguinha- tangará é um pássaro que canta em grupo com outros 5 tangarás. Esse grupo foi inspirado no “Turunas da Mauricéia”, que havia vindo do nordeste em 1927, tendo à frente o cantor Augusto Calheiros. O “Bando de Tangarás” começou apresentando-se em circos e teatros mambembes cantando emboladas e outros ritmos nordestinos.
No final de 1929, as gravadoras estavam interessadas em novos compositores e cantores, daí o grupo entrar no campo das gravações, tendo no primeiro disco os sambas: “Mulher Exigente” e “Conseqüências do Amor”.

Desfez-se o grupo no final dos anos 20 e Almirante, assim como os demais componentes passaram a atuar sozinhos. Foi quando Almirante gravou um samba que teve muito sucesso, de nome “Na Pavuna”, sendo o primeiro a usar percursão em uma gravação popular.

Convidado por Ademar Casé,Almirante foi um dos primeiros a compor programas elaborados, que tiveram como precursores Renato Murce na Rádio Clube) e Valdo Abreu(na Mayrink Veiga).

Mas os de Almirante eram de um nível superior porque ele ia “fundo” em suas pesquisas e,ao longo de sua carreira, criou mais de uma dezena deles e compôs um arquivo que,doado ao Governo do antigo Estado da Guanabara, transformou-se no Museu da Imagem e do Som, no qual ele foi um dos primeiros diretores.

Depois do “Programa Casé”, Almirante passou a fazer parte do elenco da Rádio Nacional,transferiu-se para a Tupi,regressando à Nacional e terminando suas atividades radiofônicas na Rádio Tupi,em 1958.

Foi nesta Rádio que criou seus mais interessantes programas, como é exemplo o “Tribunal de Melodias”, um dos muitos que teve a participação dos ouvintes.

Ao longo de sua carreira criou os seguintes programas:
“Incrível! Fantástico! Extraordinário!”; “Onde Está o Poeta ?”;”Carnaval Antigo”; “O Pessoal da Velha Guarda”;”Coisas do Arco da Velha”;”Instantâneos Sonoros”;”Anedotário dos Professores;”História das Danças”;”Aquarelas do Brasil”:”Caixa de Perguntas”;”Orquestras de Gaita” e “Dicionário de Gírias”, que pretendia publicar, mas não o fez.

Referendamos sua memória, pelo grande vulto que deixou grandes marcas em nossa música e nosso rádio. Essa é nossa SAUDADE.

Norma Hauer

João de Barros do Crato a São Paulo - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Começava o terceiro dia de viagem. Dois rapazes estimulavam João de Barros a falar sobre as lutas que ele disse ter lutado. João fazia uma ponte perfeita entre os sonhos e a história da região que acabavam de passar: Canudos.

Com uma linguagem um tanto fonética e com os "acertos" da linguagem popular. É difícil no início mas logo se pega o ritmo. Desculpem mas é um pouco longo. É um pequeno trecho de dez contos com este personagem. Estou preparando um site só para leitores interessados neste e outros trabalhos. Começando:


- Na menti de cada sê vivente inziste pelo menu um brejo ou um massapê. O qui custuma mermo é qui na menti de cada um de nóis inzista um mar de coisa ou umas duas serra do Araripe só de arranju. E cuma no mar tem as óindias e os camim d´água e nas serra tem as vereda e garranchu de matu seco, na menti tem a fita de cinema das vidas de tudo qui é gente vivente e das qui viverum antes de nóis. Tá dentru da menti e ela vai botanu prá fora cuma um filme, as históra esquecida de tudo qui é vivente neste praneta. O qui mais acustuma acuntecê é qui quano nóis dromi, a tria da vida do mundo veim travéis dos son-i . E num veim só pru modi diverti nóis não. Elas veim trazeno recado dos povo de antigamente, veim cobrano dívida da gente de hoje e fazeno o alin-a-ve entre as coisa de hoje e as coisa de onti. Pois béim, onti de noite eu drumí e fui dentru do dentru qui cada coisa teim e fui lá prus cafundós dumas terra qui ninguém con-iesse e fui e num parei mais. Quano óiei pru relogi inda agora quano se acordei, eu tin-a um son-io de mais de douzi hora. Eu nunca tin-a tido un son-i tão grandi. Foi o mais maió de todos os son-i de mim-a vida.


Os dois rapazes estavam atentos ao que o aventureiro dizia e esperavam que começasse a discriminar a tais lutas que lutara. E João começou a penetrar a revelação do seu sonho:

- No mar teim tanta iágua que Santo Agostin deu conta da quantidade quano viu o minino Deus brincando de colocá ela dentru dum buraco pequeno. Quano a quantidade de iágua foi comparada ao taman-i do mistéro que o santo quiria revelá. Na mata teim tanto pé de mato qui neim um furmigêro teim de furmiga. Agora se nóis arrepará prá elis no seu totá, elis são cuma uma coisa só. O mar é o mar e a mata é a mata. São tudo um coisa só. As óindas, os ventu, as tempestadi e tudo mais, mermo quano parece um bichu destruidô si mexem cum uma só manêra, do mermo jeito. Nas mata, as pranta, as fulô, os passarim, as fôia e os gai, tudo se arruma em respeito ao outro. Por isso as mata são uma junta de munta coisa e o mar uma ruma de uma coisa só. Da outra maneira são as coisas pequena, como uma toucêra no mei do descampado, uma lagoa no mei da seca. Cuma são coisa solitára, elas tão sujêta a sofrê os efeito da coisa mais maió.


Neste momento da conversa, ele se levantou e como se estivesse descobrindo uma grande coisa naquele momento, disse para os rapazes:

- Pois ói dereito pru qui vô dizê! Os índio num são bandido não! Os índio num são bandido cuma no cinema a gente vê! Os índio são nossos avô e avó. Se eles são bandido, nóis tomém somu. E queim mim chamá de bandido vai vê doca do oião. Eu tive um son-i e neli os índio são gente cuma nóis. E tudo aqui era de índio. Vêi o povo dos navi, lá do Portugá, se casô cum índia, tomô as terra dos índio e matô os pobi de Deus. Aí foi a coisa mais maió das disgraça da vida. Os bandêrante meterum bala no côro dos caboclo, os vaquêro passarum por riba dos miserave e os majó, tudo ricão, cum a butija chêa de ôru, passarum as muié nos cobri e mandarum matá o qui sobrô. Aí voscimicê podi vê queim teim tutano pru modi aguentá o tranco e queim num teim. E queim num teim? Os mais fracu, os qui viviam em pequena quantidade de gente. É cuma o mar e a mata dum lado, tudo junto aguentano o arrojo dos desmantelu do mundo, tudo unido, uma coisa só e grande e do outro lado este mermo desmantelu sobre as tocêra separada no mei do tempo e as lagoa sobre a inclemência do tempo. Os mais separado forum mais atingido. Só queim vivia em mói pôdi suportá o pudê dos branco. Os índio qui veviam camin-ando pelo mei do sertão, ora num lugá e por ôtra noutru lugá, in grupu pequenu sofrerum munto mais ligêro e cum maió dô.


Os rapazes não estavam satisfeitos com as palavras narradas, pois continham metáforas em excesso, queriam saber era da materialidade das lutas. Quais as lutas que João tinha lutado e insistiram na pergunta. João parou um pouco e, permanecendo em pé, continuou falando.

- Num tevi uma hora do dia, uma curva da terra e neim uma vontadi de fazê coisa nova, que num tivesse luita. Os índio veviam de caçar passarim, pescar peixe, comê fruita, matá bichu do matu e de bebê água adonde tin-a. Quano fartava quarqué coisa, elis ium buscá noutro lugar. Quano chegavum lá tin-a outro povu e aí o pau comia. As mata mais chêa de bichu, os rii de mais peixe, o mar cum sua riqueza, tudo era mutivu de luita entre elis. Quano os navii cum português vierum, aí foi qui o sangue rolou mermo. Eu passei a noiti intiriça son-iano cum as luitas dos povo de antigamente. Eu acho que a luita lá do povu do Canudo aina é a merma daqueles tempo.

- E eram mesmo. A luta de Canudos é a mesma de sempre.

Os rapazes se assustaram com a frase que vinha de um canto escuro do café.
 por José do Vale Pinheiro Feitosa

Por Alice Ruiz


Saudação da saudade

minha saudade
saúda tua ida
mesmo sabendo
que uma vinda
só é possível
noutra vida

aqui, no reino
do escuro
e do silêncio
minha saudade
absurda e muda
procura às cegas
te trazer à luz

ali, onde
nem mesmo você
sabe mais
talvez, enfim
nos espere
o esquecimento

aí, ainda assim
minha saudade
te saúda
e se despede
de mim

Paulo Leminski



Paulo Leminski Filho (Curitiba, 24 de agosto de 1944 — Curitiba, 7 de junho de 1989) foi um escritor, poeta, tradutor e professor brasileiro. Era, também, faixa-preta de judô.

Poetas Velhos [Paulo Leminski]

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

Jorge Luis Borges



Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino.

O SUICIDA



Não restará na noite uma estrela.

Não restará a noite.

Morrerei, e comigo a soma

do intolerável universo.

Apagarei as pirâmides, as medalhas,

os continentes e os rostos.

Apagarei a acumulação do passado.

Transformarei em pó a história, em pó o pó.

Estou mirando o último poente.

Ouço o último pássaro.

Deixo o nada a ninguém.





(Traduções de Renato Suttana)