As “meninas” da cidade sabem viver. Todas descompromissadas com a companhia masculina de mesmo teto. Passam finais de semanas examinando as borbulhas douradas das cervejas, com um prato de sopa quente nas noites frias de Barra Mansa.
Não raro vão à casa uma das outras para experimentarem receitas e costurarem fofocas da cidade. Fazem excursões pelas estradas barrocas das Alterosas, alugam casas nas amenidades da cidade “dezenovecentista” de Bananal. Costumam passar temporadas na fazenda da família da Mirtes, uma delas.
Então na semana passada a Eliane, a pedido de uma amiga, ficou por tomar conta de um cão criado em apartamento. Mas na controvérsia da fuga: se ficar solitário, o danadinho destrói almofadas nos sofás, rói as bordas das portas, arranca franjas que obstruam sua ânsia por companhia.
Mas a Eliane, apesar da incumbência, teve convite para um dia inteiro no campo. Deu um jeito do “Bob” ficar bem alimentado e tratou de cortar a rota de fuga do cão. Terminado o presídio foi livre para um dia de alegrias: Eliane, Viviane e Miriam.
Duas horas da madrugada o carro risca na porta da Eliane para deixá-la, estropiada das “abeberações” e comilanças do dia. Estava tomada de sono. Despede-se e as amiga recomendam que entre antes que saíam. Ela protesta, não é necessário e se vai.
Nem meio segundo o carro ainda acelerava para dar ré quando retorna Eliane saltitante, com os olhos arregalados a denunciar uma cobra bem na entrada da sua porta. Logo este mesmo animal bíblico a incomodar nossas “Evas”.
Uma algazarra generalizada na calmaria da madrugada. Mulheres discursando sobre o método de matar cobras. A vizinha do alto de sua sacada, no segundo andar, vem até a porta do seu olhar sonolento a perguntar o que havia.
- É uma cobra. Enorme. Bem na porta de casa.
- Mata Eliane! Mata a bicha!
- Matar? É ruim! Aí não tem nenhum homem não? Onde estão os homens desta Rua? Só esta lesma que apenas espia e nada faz.
Na falta de um valentão de cacete em punho, a Miriam resolve enfrentar a serpente peçonhenta. Naquela altura juntando todas as fantasias e lendas do ofidiário.
- Espera aí Eliane! – diz a Miriam – Ela é enorme! E esta varinha pode não ser suficiente. Não tem um pau bem grosso aí? A mulher fala na distância razoável além do bote daquela fera. A Viviane também se aproxima e logo diagnostica: Nossa ela está toda preparada para dar o bote.
Nem a cena da mais despreparada equipe de bombeiros num incêndio descomunal mobiliza tanto quanto àquelas mulheres, desde o chão da rua por onde realizavam busca de instrumentos para uma cobra e destilar medo, até o alto da sacada, a vizinha dando pitacos.
Finalmente a Miriam, no meio da azáfama dos resultados, aproveita o solavanco emocional do grupo e se aproxima. É que no lado das amigas havia um amplo debate entre a rua e a sacada, entre àquelas que corriam ao longo da quadra em busca de ajuda e a vizinhança que começava a acordar naquela revolução.
- Eliane, olhe aqui a cobra.
Todos param. Um silêncio de ofertório na igreja. Apenas o tilintar de sinos da heroína com a cobra pelas mãos:
- É uma mangueira. Olhe aqui. Uma grossa mangueira!
- E o Bob da Amélia? Pergunta a Eliane. Fugiu. Passou o dia fugindo e retornando! – respondeu a vizinha do alto de sua sacada. A ficha caiu: foi ele! Que cachorro mais miserável!
Que noite tem estas mulheres. E tem quem imagine que a vida urbana é só luz e máquinas. Televisão e internet. Tem cobra. De viva manifestação, pelo menos simbólica.
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