por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 11 de junho de 2012

As tias High Tech e a Separação de Bibi e Podi - José do Vale Pinheiro Feitosa


Foi neste final de semana. As noites no sertão do Potengi já começaram a ficar amena. Lá pela madrugada as minhas tias até usam um cobertor para se aquecerem. Enquanto os viventes vão secando e desaparecendo nas veredas, os açudes começam a ter suas águas chupadas pelo sol ou dispersadas pelos ventos que de dia sopram como fornalha e à noite feito ar condicionado.  

Fui visitar as minhas tias há dias que não as via. Cheguei por lá no sábado passado e no domingo à tarde peguei a estrada no rumo de casa. Como sempre merendas de espocar o bucho, café torrado na rapadura e coado no pano. Doces, bolos, sequilhos, uma tapioca com a trilha do céu e uma conversa de encher a alma feito um espelho em cuja luz a gente aparece por inteiro. Ali nos reconhecemos até a próxima visita.

Para encurtar a história, banho de açude com umas lapadas de uma branquinha envelhecida, uns tucunarés na brasa, mergulhos, natação e expiação dos dias sofridos na severa vida em cima de calçamento e ruas com prisão de ventre. Um almoço de voar ao passado e uma rede cheirosa no alpendre para viajar em contos de fadas.

Lá pelas cinco horas sentávamos no alpendre em animada conversa, com tia Rosinha, tia Mundinha, enquanto tia Maria se enfurnara na cozinha preparando uma merenda do entardecer. Não demorou muito e chegou com uma escolha maior do que o alimento do Olimpo, superior a ambrósia e ao néctar que os deuses bebiam. Vinda do forno à lenha umas bandas de pão inteiramente cobertas da mais pura nata, tão bem torradas que a nata estava gratinada, em tons marrons escuro e com bolhas salientes do calor que as assou.

Enquanto o pão com nata estalava nos dentes e os goles de café por sublime que era, juro que ouvi a lira de Apolo, a música das Musas e a dança de Cárites. Eu não flutuava, ao contrário, era uma profunda raiz do solo em que minhas tias viviam. Seus acolhimentos, os lençóis cheirosos, a travessia entre o cotidiano e o milagroso, de uma tarde na companhia delas.

Lá pelas tantas, tia Rosinha deu notícia de algo que a intrigara numa notícia lida na internet.  

- Pois não é mulher. Elas se separaram depois de cem anos de casamento.

A primeira impressão é de que tia Rosinha falando para tia Raimunda fugia ao seu habitual e nesta ocasião falava por metáforas. Não era o estilo dela e desviei a atenção do pão com nata para o que ela dizia.

- Foi! A Bibi enjoo do Podi e não quer mais saber dele.
- E foi mesmo?
- Era um casal perfeito. Parecia feitos um para o outro. Há cem anos que viviam maritalmente e agora vivem separados.
- Menina! E o que é que aconteceu?
- Ninguém sabe. De repente a Bibi abusou do Podi e meteu-lhe os dentes nas costas. O coitado do Podi apanhou feito um jumento velho carregando lenha. Foi preciso que duas pessoas os separassem.

Eu me concentrara inteiramente na conversa das duas. Queria saber quem era Bibi e Podi. Se contasse a vida de cem anos como casal os dois deveriam ter para mais do que isso de idade. Não me contive e perguntei a idade deles:

 - São da mesma idade. Conheceram-se desde novinhos. E quando se separaram já tinham perto dos 115 anos.

Nisto tia Raimunda perguntou se havia uma outra pessoa na vida do casal.

- Não! De repente a Bibi tomou vontade de ser solteira e hoje vive sozinha. O Podi foi para outro lugar. Quando os homens viram, a Bibi atacou o Podi mordendo o casco dele.
- Casco? – Eu quase gritei.
- Sim meu filho. São duas tartarugas de um zoológico da Áustria. Mas os tratadores já estão arrumando um jeito de fazer a conciliação. E acham que vão conseguir, pois as tartarugas não costumam se separar depois de tanto tempo juntos.

No domingo quando botava minhas coisas em cima da camionete me despedi das tias assim como se me separasse da minha própria alma. Mas imaginei que somos como as tartarugas: nunca nos apartamos dos nossos.

SILVINO NETO - POR NORMA HAUER


No dia 12 de junho de 1991 faleceu, aqui no Rio de Janeiro, Silvério Silvino Neto, que ficou conhecido apenas como SILVINO NETO.
Ele nasceu em 21 de julho de 1913 em São Paulo.
Ele era um gênio. Criou o que muitos hoje fazem mas não dizem a fonte. Aquilo que Chacrinha dizia:"nada se cria, tudo se copia", é uma verdade sempre.
SILVINO NETO imitava, em seus programas radiofônicos, figuras de nossa política, a tal ponto que ia sempre preso ao terminar seu programa, principalmente antes da Hora do Brasil quando, em plena era de Getúlio Vargas, dizia:"vem aí a hora do espeto". Apesar disso, Getúlio gostava das imitações e, muitas vezes, mandava prendê-lo para que ele o imitasse frente a frente.
Foi também um dos pioneiros a fazer vários personagens sozinho, como a Pimpinela, Seu Acácio e Anestésio.
Era a "Pensão da Pimpinela", era "Pimpinela, Anestésio e o Telefone" e os muitos programas de imitações.
Marcou sua presença atuando no rádio, como humorista, mas também como compositor.
Foi o primeiro a comemorar o dia dos namorados com a bonita "Valsa dos Namorados", gravada por Francisco Alves e, depois, por Carlos Galhardo.
De sua autoria, Orlando Silva gravou "Uma Saudade a Mais, Uma Esperança a Menos", como gravou "O Cristo Redentor é uma medalha pequenina, no rosário imenso da colina. Bonecas delicadas quase todas moreninhas, adornam sua ruas qual um bando de andorinhas".
Silvino Neto escreveu umas bonitas "Cartas Coloridas", que falam de amor", criadas por Carlos Galhardo. Mas antes de tudo ele disse, pela voz de Francisco Alves, que o "Adeus, são cinco letras que choram".

Adeus, adeus, adeus,
Cinco letras que choram
Num soluço de dor.
Adeus, adeus, adeus...
É como fim de uma estrada,
Cortando a encruzilhada
Ponto final de um romance de amor.

Quem parte tem os olhos rasos d'água,
Ao sentir a grande mágoa
Por se despedir de alguém;
Quem fica, também fica chorando,
Com o coração sangrando
Querendo partir também.

O samba "Cinco Letras que Choram" foi cantado por uma multidão que acompanhou a pé, o enterro de Francisco Alves entre a Câmara dos Vereadores e o Cemitério São João Batista.

Silvino Neto faleceu exatamente no Dia dos Namrados e foi ele quem compôs a primeira

VALSA DOS NAMORADOS

Valsa do Amor
Valsa da felicidade
Valsa do adeus,
Valsa da saudade.
Um milhão de valsas,
Embalando os bem amados
Valsa do amor
Valsa dps namorados.

Pelos salões, pelos prados em flor.
Mil namorados em busca do amor.
Pelos caminhos, sorrindo ouvirão.
Em todos os cantos esta canção.
Aos namorados pertence o luar,
Noite de lua convida a sonhar.
Aos namorados pertence o além
E esta valsa também.

Quero destacar ainda que Silvino Neto é pai do ator Paulo Silvino e avô de mais dois atores: Flávio Silvino e João Paulo Silvino.
É uma família de artistas, mas Silvério Silvino Neto era um ator completo, o que não acontece com seu filho e netos.
Flávio sofreu um grave acidente automobilístico que deixou algumas seqüelas.


Norma


Presença
Mário Quintana

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas, teu perfil exato e que, apenas levemente, o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale sutilmente, no ar, a trevo machucado, a folhas de alecrim desde há muito guardadas não se sabe por quem nalgum móvel antigo...

Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu sentir como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...

Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista que nunca te pareces com o teu retrato...

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

O que o vento não levou
Mário Quintana



No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento...


Para uma Menina com uma Flor
Vinicius de Moraes


Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, o que, aliás, você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras.

E porque você sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano, e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre um nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, parecendo uma santa moderna, e anda lento, e fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der uma paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta e não concorda porque ele é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara-na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando.

E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena;

é um vazio tão grande que as mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você, se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse cantando sem voz aquele pedaço que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nessas montanhas recortadas pela mão de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa.

E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfrentando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

Colaboração de Vera Barbosa

Julgamento do Mensalão - Um Ato Político - José do Vale Pinheiro Feitosa


Ausente um pouco do mundo virtual, ontem me deparei com a marcação do julgamento do Mensalão pelo STF com data para o início de Agosto. No mesmo ato as forças oposicionistas formadas pelas Organizações Globo, Revista Veja, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, secundadas por PSDB, DEM e PPS comemoraram o fato. Enquanto isso o PT e inclusive José Dirceu manifestaram repúdio à marcação do julgamento para esta data.

As manifestações, especialmente vindas do PT, levaram o decano do STF Ministro Marco Aurélio Mello, a declarar a isenção do julgamento e a imunidade do mesmo às pressões vindas de fora. Ao fazer suas declarações ele responde simultaneamente à oposição: reconhece que a mídia oposicionista pressiona e tem interesse no julgamento e condenação dos réus e que o PT teme os efeitos eleitorais do julgamento, especialmente se a condenação recair sobre José Dirceu.

Em síntese mesmo as declarações do Ministro tentando mostrar isenção do STF tem o dom político de por o PT em situação constrangedora. A condenação ou não de algumas personalidades do PT e especialmente do Dirceu, às vésperas das eleições municipais, com toda a mídia oposicionista batendo o tambor terá efeitos negativos na disputa eleitoral.

Se houver condenação se eviscera o PT e somente ele, pois é líquido e certo que nenhum salto qualitativa advirá deste ato como a condenação dos Caixas 2 Eleitorais que se universalizaram em toda a República, desde as eleições de Vereadores até Senadores e de Prefeito a Presidente.  Igualmente se não houver condenação haverá uma grita para mobilizar o espectro moralista e seletivo de figuras à direita do campo político.

Agora fica claro todo o destempero do Ministro Oposicionista do STF, Gilmar Mendes, como instrumento da Mídia, igualmente oposicionista, no sentido de pressionar o Supremo a criar a peça eleitoral e política. A peça eleitoral que dará musculatura à uma oposição apenas com a mão na maçaneta de escândalos e sem qualquer crítica alternativa aos governos do PT.

A radicalização oposicionista, articulada e com uma frente de comando, não resulta em construção de alguma coisa, mas tão somente no embate destrutivo. É natural que o PT e as forças situacionistas também radicalizem suas posições levando as eleições municipais a ter um caráter mais nacional do que precise. A verdade é que a manobra para criar a peça eleitoral também deixa o STF em situação muito crítica, bem diferente seria, por exemplo, se o julgamento fosse a partir de novembro deste ano.

Portanto não se espere uma dinâmica julgadora de justiça, mas um ato político muito diferente das declarações do Ministro Mello: nem isento, nem imune  a pressões e nem justo. O julgamento estará no braço armado de uma das forças em luta eleitoral: ou a oposição ou a situação. Na verdade em qualquer circunstância o julgamento agora, independente do resultado, será bom para oposição. 

Os Românticos- por Artur da Távola






Um repórter de TV foi entrevistar aquelas cantoras que participaram de um especial com o Roberto Carlos, há poucos dias. Microfone em punho, abordou a Hebe Camargo.
Quis saber:
– Por que Roberto Carlos é o Rei?
A Hebe, depois de uma miada:
– Porque ele é romântico...

Uma grave injustiça conosco, os demais homens, presumíveis súditos de RC. Pelo seguinte: pense em todas as músicas que existem no mundo, milhões delas, talvez bilhões. Em toda a poesia e a literatura. Os filmes. Do que tratam os filmes, a poesia e a música alguma vez já compostos sobre a Terra?
Do amor.
Amor, amor. Noventa por cento das músicas, dos filmes e dos poemas são sobre o amor.
Por que isso? Por nossa causa, nós homens. Porque somos românticos.
As mulheres acham que não. Acham que elas são as românticas. Estão erradas, e a prova disso é o dia de hoje, o Dia dos Namorados. Para quem o Dia dos Namorados foi criado? Obviamente, para as mulheres. Alguém há de dizer que se trata de uma efeméride urdida para satisfazer o romantismo feminino. Mas não. Porque o romantismo não pode estar assinalado no calendário. O romantismo é o que exsuda de um peito dolorido. Quando o Chico Buarque escreveu:

Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

Quando o Chico escreveu esses versos, ele não os escreveu porque quis. Escreveu porque tinha de escrever. Porque sentia. Porque via aquela estátua de carne desfilando ali ao lado e precisava gritar o que sentia. E Paulinho da Viola, no dia em que ele cantou:

Ela declarou recentemente
Que ao meu lado não tem mais prazer

No dia em que Paulinho cantou esses versos, ele não os cantou; chorou. Os versos rasgavam seu coração – ela não sentia mais prazer ao lado dele.
E Lupicínio! Todas as músicas de Lupicínio, absolutamente todas, contam uma história de sofrimento. Se não sofresse, Lupicínio não escreveria:

Nunca, nem que o mundo caia sobre mim
Nem se Deus mandar, nem mesmo assim
A teus braços eu não voltarei!

Eis aí. Nós homens sofremos. Somos autênticos em nosso romantismo, e o romantismo só é autêntico se temperado pela dor. Um romantismo que flui todos os dias e se transforma em filmes, música e poemas, quase sempre compostos por atormentadas almas masculinas. Por isso é injusto quando as mulheres dizem que RC é rei por ser romântico. Não pode alguém se destacar por uma característica que todos os seus congêneres possuem. Todos os homens somos românticos. Todos, de caminhoneiros que lacrimejam ao ouvir versos de duplas goianas no asfalto escaldante da estrada a empresários que mergulham o diamante da amada numa taça de Dom Perignon. Todos! As mulheres? As mulheres precisam de datas, porque datas são símbolos. Símbolos de compromisso, que é o que lhes importa, afinal. O compromisso! Elas são práticas, elas marcam dias, elas planejam cerimônias. E nós aqui sofremos, nós homens, os verdadeiros românticos, que não precisamos de datas para sentir.
David Coimbra
(A POESIA)
Quem não tem namoradoé alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.Difícil por que namorado de verdade é muito raro.Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,lágrimas, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil .
Mas namorado é mesmo difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito,mas ser aquele a quem quer se protegere quando se chega ao lado dele a gente treme,sua frio e quase desmaia, pedindo proteção.A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira,basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor,é quem não sabe o gosto de namorar.Se você tem três pretendentes , dois paqueras,um envolvimento e dois amantes,mesmo assim pode não ter um namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva,cinema sessão das duas, medo do pai,sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho,quem se acaricia sem vontade de virar sorveteou lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade.
Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida,escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas,do carinho escondido na hora em que passa o filme,de flor catada no muro e entregue de repente,de poesia de Fernando Pessoa,Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar,de gargalhadas quando fala junto ou descobre a meia rasgada,de ânsia enorme de viajar junto para a Escóciaou mesmo metrô, nuvem, cavalo alado,tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado,fazer sesta abraçado, fazer compras junto.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor,nem ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele,abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e do amado e sai com ela para parques, fliperama,beira d´agua, show de Milton Nascimento,bosques enluarados, ruas de sonho ou musical do metrô.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele,quem não dedica livros, quem não recorta artigos,quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado.
Não tem namorado quem ama sem gostar,quem gosta sem curtir, quem curte sem se aprofundar.Não tem namorado quem nunca sentiu o gostode ser lembrado de repente no fim de semana,de madrugada ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar,quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações,quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem não fala sozinho,não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre
e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos,ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar.Enfeite-se com margaridas e ternuras
escove a alma com leves fricções de esperança.De alma escovada e coração estouvado,saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.Acorde com gosto de caquie sorria lírios para quem passar debaixo de sua janela.Ponha intenções de quermesse em seus olhose beba licor de conto de fadas.Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta
e do céu descesse uma névoa de borboletas,cada qual trazendo uma pérola falante
a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu
aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar
e de repente começar a fazer sentido."

Artur da Távola