por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os Carbonários - José do Vale Pinheiro Feitosa


Nos tempos áureos da ditadura, em razão do programa econômico na época chamado de arrocho e hoje, austeridade, os ditadores inventaram uma instituição para acalmar o povo onde se venderiam alimentos por preços mais baixos. Mas como era da natureza social da dita cuja, o foco era a classe média tradicional já existente e o destino, por consequência, barrar a mobilidade econômica e social da maior parte da sociedade. Era o tempo do crescer o bolo para depois dividir.

Então os senhores do acordo conservador, nascido nas manifestações da ”família com deus pela liberdade”, inventaram uma coisa chamada COBAL e não sem razão dois mercados foram implantados na Zona Sul do Rio: no Humaitá e no Leblon. Com o tempo e o fim da ditadura a COBAL foi se modificando e os espaços livres foram se transformando em bares e restaurantes muito bons. No Leblon, por exemplo, todos os sábados era uma festa de figuras da cultura nacional, tomando uma e comendo outras, enquanto compravam um horti-frutti aqui e acolá. Tom Jobim era uma das figuras de destaque.

Na COBAL aqui perto, a do Humaitá, igualmente aconteceu de se multiplicarem restaurantes e bares e não só para o almoço, mas como para noitadas. Aí começa de fato a nossa história. Falo da meninada que até pode ter sido arrastada para as tais manifestações do conservadorismo golpista. Mas que, também, pertenceu a alguma família perseguida pelo furor punitivo de quem praticou um ato ilegal e que fora treinada para botinadas. Acontece que esses meninos entre os cinco anos e os vinte anos no 31 de março de 64, logo era parte da revolução dos costumes que rebentava a face interna do conservadorismo, das passeatas estudantis que expunham a truculência econômica e social da política ditatorial e, claro, forçaram o aumento de vagas nas universidades e ali viveram uma liberdade maior que os pais, embora ao final alguns concluíram que “somos os mesmos e vivemos como nossos pais.” Um exagero depressivo por certo.

Ontem à noite na COBAL do Humaitá, num mezanino, um local um tanto ajambrado, de panos pretos e iluminação precária, chamado Espírito das Artes uma festa do estilo pleno daquela meninada. Toda ela dos cinquenta anos em diante. Cabelos brancos é a moda, roupas à vontade e largadas o estilo, cabelos longos, bonés, mesas, copos, bebidas e comidinhas. Três apresentações com a chamada Prata da Casa. Não do Espírito das Letras, mas dos donos da festa.

Era uma festa do corpo docente e ex-alunos do mestrado e doutorado da COPPE (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). O Mário Vidal completava 60 anos com a camisa do Tricolor para comemorar suas raízes: criado na Rua General Glicério em Laranjeiras onde jogara bola e criara conjuntos musicais da época com a turma da rua.

Mas antes vamos ao estilo da festa. Quando o tempo se move e o atacado toma conta das emoções, dos sentimentos e da memória, jamais o tempo volta. Mas ontem no a granel ambiente, entre goles e goles, belisco e belisco, luzes e música as pessoas circulavam pelo espaço vazio a moda de salão de festa. Entre uma mesa e outra, falando aqui e acolá, sentando-se a observar quem circulava e quem circulava movendo o corpo como se numa passarela a mostrar-se.

As “moças” e os “rapazes” eram a rebeldia não localizada lá nos anos setenta, mas esta daqui e de agora. Aqueles caras de “pós”, “pós-doctor”, longos enfrentamentos pelo hemisfério norte nas vetustas universidades ocidentais e alguns até transitado pelo oriente, são a expressão do que nada é sólido e tudo se move. Compreendem as leis conservadores da mecânica newtoniana, mas alguns se afoitam no impreciso conceitual da quântica, descem à observação no campo teórico do modelo matemático, não apenas para exploração capitalista, mas vão ao centro filosófico da matéria, pelo menos aquele mais atual: a partícula.

Ninguém é “saradão”. De academia, pelo menos na aparência. Mas certo que usam alguns paradigmas atuais: dieta, exercícios, pilates, RPG e o regular check-up. Mas todo mundo era rebeldia expressionista. Paqueras certo que houve. Trocas de olhares proibidos entre outros quando a cada um a parelha estava ao lado. Era o clima geral das festas destes Steve Jobs do Brasil. E já vou adiantado para os mais apressados: a diferença não se encontra entre nós aqui e os engenheiros de lá, não é medida por QI e nem melhor cultura: é tão somente o desenvolvimento capitalista dos EUA e do Brasil. Como sabemos é uma visão de momento. Não tardam que alunos dessa meninada se tornem o mesmo que o símbolo do engenheiro criativo e revolucionário. Basta o Brasil manter a trajetória de grande centro acumulador e irradiador aqui no Hemisfério Sul.

Vamos ao programa. O Mário Vidal, aniversariante e engenheiro de produção e a Betinha Gomes médica começaram o show com San Francisco de Scott McKenzie, Preta Pretinha do Moraes Moreira e Twist and Shout dos Beatles. Sacaram a seleção? Uma transgressão de estilos distintos como típico daquele embate entre a indústria fonográfica de origem americana: os da casa e o peso da música em inglês. Foi essa a formação musical desta meninada.

Depois veio o conjunto Comitê de Ética formado pelo Mário, Paulo Soares, Renato Bonfatti e José Mário Carvão. Todo mundo entre docência e discência da COPPE. No programa A volta dos VIPS, Honk Tonk Women dos Rolling Stones, A Hard Day´s Night dos Beatles, Gatinha Manhosa do Erasmo, Adivinha o quê?, Lulu Santos; Primavera do Tim Maia e Simpathy For The Devil dos Rolling Stones. O Simpathy tornou-se o símbolo da meninada: o Paulo fez uma voz baixa e gutural e o Zé Mário era o próprio adolescente, um tanto destrambelhando no balançar, com uma mão num bolso e outra largada, mas um pouco tensa. Era aquele que todos eram: sem jeito, mas prontos para pegar desde novos rumos até o amor.
Gatinha Manhosa - Erasmo Carlos

Sympathy for the Devil - Rolling Stones

E a noitada entrou pela meia noite com a música instrumental, do exposto através do canto solista de cada instrumento. O outro conjunto formado pelos físicos Celso Alvear e Ricardo Amorim, pelo matemático Mario Jorge e pela professora de letras Sonia Mundim. O Celso no violão, o Ricardo no sax tenor, o Mário baixo elétrico e Sonia no teclado. Esse pessoal é mais músico, todas as semanas se encontra e toca em conjunto. O Mário Jorge toca em bares na noite do rio. O Ricardo Amorim é o protótipo homem da rebeldia, fora do mercado de música, mas fazendo música ininterruptamente, tem duas graduações, pós-graduações e hoje mesmo faz o ENEM para a faculdade de Música do UFRJ.

O Celso Alvear embora um corpo ousado que coleciona carros porque tem dificuldade em vendê-los, escala as montanhas do Rio, pinta bem, entre outras atividades físicas, é na verdade uma mente flutuando numa região imprecisa. Se tentarmos observar onde se encontra, essa observação já é o suficiente para movê-la para outro espaço. Não é que seja uma incerteza absoluta, é uma precisão local tocada pela imprecisão conceitual. O Mario Jorge o conheci jorrando sonhos para quem pretendeu fazer uma grande saúde pública: modelar fluxos hospitalares para tornar estas instituições inteligentes e voltadas para as pessoas que a procuram.

A Foggy Days  - Chris Fleischer

Esse pessoal como se vê são os rebeldes um tanto quanto de garagem, não gostam tanto das passeatas, mas vão, não quebram o pau, mas indicam os pontos frágeis de fratura. A Sonia conheci ali e não tenho nada a acrescer ao que não seja a sua própria performance no grupo que tocou: a belíssima A Rã do João Donato, Just Friends de Klemmer e Lewis, Satin Doll de Duke Elington, A Foggy Day de Gershwin, There Will Never be Another You - Warren e Gordon; Vou Vivendo do Pixinguinha, Eu quero é Sossego do K- Ximbinho, Acariciando, Abel Ferreira; Migalhas de Amor, Jacob do Bandolim; Inclemência, Guerra Peixe e Flores do saudoso maestro Moacyr Santos que como dizia Vinicius de Morais: não és um só, és tantos.

Eu gosto é de sossego - K-Ximbinho

Daí que de fato em rebeldia advogo: abaixo o controle remoto, os veículos automotores e a cultura comercial do atacado. Viva o varejo e o a granel. Ou viva a rebeldia sem comércio algum que é afinal a mensagem de tudo.  
  

A cultura do bom negócio no Ceará não dever ser exemplo no Crato

Rosemberg Cariry um exemplo de Secretário de Cultura  Foto: Alexandre Lucas 

Por Alexandre Lucas

A Expocrato vem a cada ano sendo alvo de críticas no que diz respeito a sua programação cultural. As argumentações são justas e pertinentes diante das atrocidades de exclusão dos artistas da região do Cariri num dos principais eventos regionais. É notório, que esse evento público (privado) só serve para encher os bolsos dos empresários das grandes bandas que fazem parte de um monopólio musical e das produtoras. 

Vale destacar que a concessão para exploração privada do evento é publica e não estabelece critérios para que seja garantida a diversidade musical e a inclusão dos artistas neste mega evento.
O fato é que a Expocrato tornou-se um bom negócio para poucos. Poucos estilos musicais, poucos artistas do Cariri, poucos que lucram. Pouco desenvolvimento e rendimento para região, do ponto de vista, de formação de platéia, afirmação de identidade e diversidade cultural e de turismo cultural e sustentável.

O fato é que essa política do “pão e circo” é recorrente em todo o Estado do Ceará e vem provocando uma insatisfação generalizada por parte dos artistas ligados a música cearense que vem perdendo espaço com políticas equivocadas como o “Férias no Ceará” (O secretário de Turismo do Estado possivelmente nunca estudou nada sobre turismo cultural e sustentável, se estudou nunca entendeu)  e as descaradas inaugurações ou anúncios de obras regadas pelas bandas ligadas ao monopólio da música ou seja as bandas que estão a serviço da reprodução do machismo, da homofobia, da violência, da vulgarização sexual, enfim da forma pela forma, que  agora tem o sustentáculo financeiro do Governo do Estado. Fato que só nos faz lembra algo típico da política desenvolvida nos tempos dos coronéis, aonde por qualquer motivo se fazia uma festa banhada através do desperdício de recursos públicos.

O dinheiro gasto com esse “bom negócio” (termo utilizado pela política desenvolvida pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso que considerava a “cultura como um bom negócio”) possivelmente poderia ter proporcionado a circulação de grandes shows dos cearenses para os cearenses potencializando a diversidade musical do nosso povo, bem como poderia ter servido para a gravação de milhares de Cds, muitos artistas  tentam há anos conseguir o mínimo de recursos para  gravar o seu trabalho. Já as bandas do tipo “chupa que é de uva” basta piscar os olhos para fazer um “bom negócio”.

Essa postura assumida pelo Governador é contrária a conjuntura nacional e estadual no campo das políticas públicas para a cultura. Contraditória até mesmo com a política defendida e executada pela Secretária de Cultura do Estado do Ceará, apesar das severas criticas merecidas das ultimas gestões desta pasta.

Essa pratica despeita e rasga as resoluções da constituinte cultural, das conferências municipais e estaduais da Cultura. Será que o Governador nunca teve acesso as informações destes fóruns? Será que ele desconhece as reivindicações dos trabalhadores da arte? Será que ele sabe que nestes fóruns os cearenses defenderam o nosso patrimônio, inclusive da música e do direito a diversidade musical? Acredito que sabe sim! Mas enquanto isso prefere financiar a chacina do “jogaram uma bomba no cabaré”.

Esse modelo não deve servir de exemplo para os municípios do Ceará. O Crato que recebe esse extraordinário evento deve ter a sua programação musical pensada no sentido de atender outra lógica, que ao meu ver seria a lógica da diversidade musical e da sustentabilidade do setor musical cearense.
Lembro-me de uma experiência exemplar que aconteceu no Crato na década de noventa do século passado quando a Expocrato era administrada pela Secretaria de Cultura do Município e tinha a frente nomes como Rosemberg Cariry, Cacá Araújo e Dane de Jade o que possibilitou que a programação musical tivesse a alma e a  efervescência da diversidade nordestina, aonde o popular e o contemporâneo comungasse no mesmo palco, como aconteceu com os Irmãos Aniceto e Hermeto Pascoal.           
Enfim uni-vos contra a barbárie cultural e as produtoras culturais mercenárias!     

* Pedagogo,  artista/educador, integrante do Programa Nacional de Interferência Ambiental – PIA e do Centro Universitário de Cultura e Arte – CUCA.