por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 27 de novembro de 2014

RAIMUNDO CABIROTE - José do Vale Pinheiro Feitosa



Onde se encontra a raiz do nome Cabirote? Não se acha com facilidade. No dicionário há capirote que é uma espécie de pequeno capuz usado por meninos e donzelas. E, também, o vocábulo capiroto (ô), que é de uso informal no Nordeste para designar diabo, que se atribui seja uma variação de capirote. Mas que Cabirote seja um diabinho nas capoeiras e margens do Rio Siupé, lá isso muita gente tinha por observação.

Aquele menino que viveu solto e nu até onde as pernas alcançavam e até onde as braçadas no rio iam. No contraponto de toda vergonha conhecida, pois era justamente quando vestia um camisolão para que o menino ficasse apresentável às visitas de outros lugares, que o desejo de esconder havia. A nudez era sem timidez, mas a roupa humilhava.

Todos os seres das matas, vindos dos antecedentes mais ancestrais que por transmissão oral houvesse, faziam parte do continente e conteúdo do menino Cabirote. Raimundo Gomes de Lima, que adora um cará bem tratado, feito na água grande, um caldo quente a borbulhar, farinha na tigela e uma colher de encher a boca. E o suor pingando.

Jogo de bola no campinho da vazante do rio. Nunca se deixando intimidar pela valentia de quem quer que seja, já que valentia não é fruto de dar em árvore. Ela é como uma narrativa, acredita nela quem quiser. Cabirote não teme as madrugadas pelas ruas desertas de Fortaleza na solidão de sua bike, circunvagando o anel mais extenso da cidade.

Onde o “progresso” do Ceará ergue uma monstruosidade industrial junto ao porto do Pecém, Cabirote é um ícone a mover todos os músicos e, por isso mesmo, todos os artistas que são porque são, e não apenas porque a circunstância lhes permite. Nas ruas do Pecém, nos palcos do Siupé, na praça de São Gonçalo, nos bares de Paracuru ou sob as estrelas de um restaurante rural na localidade do Capim Açu, nas franjas afastadas de Paraipaba.

E como um Eloi Teles nas ondas da Rádio Araripe na cidade de Crato, Cabirote na Rádio Mar Azul FM (www.radiomarazul.com.br), de Paracuru, todos os domingos, a partir das 8 horas da manhã vai carregando a cultura nordestina até ao meio dia. E aí o segredo do povo: ele é tão querido na redondeza que muitos o têm como da altura de um gigante. Um ser salvador da nossa alma cultural.
Mas o segredo deste homem não está no palco. Na audiência de terceiros. Ele é uma das mais legítimas companhias das noitadas de música. E que música! A memória descomunal que este homem evoca. Em bem afinada voz, um violão tão brasileiro como as noites de boemia que são apenas nossas. Não estão nem em Paris e menos ainda nos becos de Buenos Aires. Alguma referência a Lapa de outrora, a de hoje é bela, mas é outra coisa. Mais espetaculosa.

Deixe-se ficar nas horas passadas, uma canção após outra, uma interpretação que vai ao miolo da questão. Deixe-se ficar ao som da melodia sentindo a intimidade da madrugada, a singularidade das estrelas respeitosas, das nuvens silenciosas que são vultos para não atrapalhar a singeleza do viver como se deve viver a vida.

Raimundo Cabirote. Um artista sem limites de tempo, estilo e qualificações. Um artista como bem resumiu o compositor Fausto Nilo ao ouvir o canto de uma canção dele: “mas que voz mais linda!”