No meu
caso, tinha um problema extra, pois só tinha pavor de almas importantes. Achava
que as almas da família não tinham motivos para nos fazer medo ou mal. E ainda
mais, por puro preconceito deduzia que as almas das pessoas da região não teriam forças
suficientes para sair do círculo dos mortos. Outra coisa bem diferente era as
almas dos poderosos, essas sim, tinham forças para atormentar quem quisessem. Portanto
tinha medo dessas almas poderosas como Pilatos, Herodes, Pedro Álvares Cabral, D.
Pedro I, Hitler, Napoleão, Stalin, Getúlio Vargas, etc. Também tinha medo dos
personagens que iam aparecendo à medida que aumentava o conhecimento de suas
existências.
Lembro de
alguns pesadelos como o que fui obrigado, de espada em punho, a lutar contra
Dom Fernando Sardinha, todo mordido, liderando uns 50 índios que queriam me
pegar para fazer um banquete. Uma alma que me perturbou bastante foi a do
presidente Kennedy. Achava que ele viria me buscar para enviar para a guerra do
Vietnam. Por essa época meu irmão e uns
primos andavam entusiasmados com a leitura dos enciclopedistas, era Diderot,
Montesquieu, Buffon pra lá, Voltaire, Rousseau pra cá, e eu desconfiado que
aquilo só podia ser alguma presepada para aumentar os meus medos. Felizmente a
fase dos filósofos passou rápida, não deu tempo para imaginar o mal que os enciclopedistas
poderiam me fazer, apesar de ser informado que de vez em quando eles se
guilhotinavam entre si, e as imagens de alma sem cabeça ou alma de cabeça sem
corpo, não sei porquê, não me impressionaram.
A tranquilidade
demorou pouco, logo descobriram a psicanálise e começaram a ler alguns livros
de Sigmund Freud. Já tentando me proteger, pedia explicações do que se tratava
a tal psicanálise, e a explicação dada foi que o Dr. Freud era um cientista que
se dedicava exclusivamente ao estudo da mente, tinha desenvolvido técnicas
mentais para descobrir o que se passava na cabeça dos outros. Achei que eles
estavam mais interessados em descobrir o que se passava na cabeça das meninas. Apesar
da minha insistência para que fosse informado do assunto, para também saber o
que se passava na cabeça dos outros, eles se negavam a ensinar as tais técnicas
de adivinhação. Discutiam bastante sobre o ego, a id, libido, neurose, consciência,
etc., depois descobriram o livro de Freud – “A Interpretação dos Sonhos”. Após
algum tempo, um deles com o exemplar do livro na mão e o primo com outro livro
igualmente do Dr. Freud, que já não me recordo qual era, obviamente para dar
consistência ao que iam fazer, me chamaram com entusiasmo para explicar que, com
base no que tinham estudado, descobriram meu problema: eu sofria da psicose “Megalo-fantasmagórica”
mas que não me preocupasse, garantiram que esse tipo de psicose tinha cura, como bem explicava o livro.
Passado
algum tempo, na época das férias na fazenda de um tio, que sabia do meu
problema com as almas, que já era motivo de gozação entre a primarada e também da
psicose diagnosticada pelos novos psicólogos autodidatas, resolveu iniciar a
cura me chamando para conversar e seriamente dizendo que o meu problema com as
almas, era que eu só pensava em “alma macho”, que devia também pensar nas “almas
fêmeas,” algumas delas muito bonitas.
Nunca tinha pensado nessa possibilidade. Acredito que, com a chegado da
energia de Paulo Afonso iluminando quase a cidade inteira e a presença das almas
femininas, o medo de assombrações e
almas foi diluindo, ficando até mais interessante, afinal as almas fêmeas não eram
tão bélicas e perigosas como as almas macho.