por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 13 de julho de 2013

Avôhai! - José do Vale Pinheiro Feitosa


Quase todas as semanas, às vezes duas vezes numa mesma semana, cruzamos com Zé Ramalho no Calçadão de Ipanema. Nós indo na direção do Leblon e ele em companhia de uma mulher em sentido contrário. Vem num passo firme. Alto e ereto como um caminhante destemido em conquista de alguma luta descomunal. Com os cabelos penteados para para trás, aquela cabeleireira de caboclo, ondulada com se assentada por um invisível chapéu de couro

E aquele passo de olhar para diante como se visse no horizonte o objeto de sua conquista e a presa de sua caçada. Segue sem olhar para os lados. Sem nos enxergar, não tomando fé do entorno que se multiplica em volta daquela senda de ar deslocado pelo forte caminhar dele. Zé Ramalho marcha como um soldado, mas esta marcha parece ser um atrapalho para que não se perceba muito por trás daquela aparência um caminhar de vaqueiro desmontado. 

Mas o vento que Zé empurra de calçadão adiante é aquele que gostaria de falar para o povo do meu cariri. Que deve ao Brasil ter feito em música o que Zé Ramalho fez. Rompeu a cratera do vulcão para que o magma descomunal da cultura sertaneja rompesse a mesmice da MPB.

Como este Avôhai. Acompanhando sua musicalidade pop e sua poesia rememorativa por palavras e frases, Zé Ramalho fez do velho e do presente uma permanência inevitável em todos os tempos. Assim como seu Avôhai carregando a força da musicalidade nordestina, a fala das brenhas dos sertões numa arte que toda a cidade compreendeu.

Como desejei que o Cariri fizesse o mesmo. Fizesse do mundo da memória um vulcão de expressões que compreendam as agruras desta desgraçada e complexa vida urbana. 

Avôhai.  

A Praça Deserta - José do Vale Pinheiro Feitosa

E lá venho em meu caráter renitente a esse banco vazio de uma praça da minha cidade. É noite de sábado, mas em minuto algum desta noite ela se encheu de gente como no passado.

Estão todos no Facebook, em frente às telas iluminadas das televisões, deixando vazios um, dois, três, quase todos bancos e apenas um ocupado, esse em que me sento.

Mas venho com esperança do humano. Não me falem em passado e nem em futuro. Basta ser vivo para ser presente. Acho um horror aquela frase que diz ser o jovem o futuro. Conversa de conservador querendo guardar seu privilégio de há muito que domina.

E venho como aquele personagem da canção do Milton Nascimento que todos os dias vem esperar o trem que nunca passa. Mas enquanto solitário nesta noite de sábado, o silêncio me faz ouvir o clic das pequenas sementes pretas que caem do cimo das palmas que adornam a praça sobre o mosaico do seu piso.

Um Crato inteiro sumiu desta praça. Entrou profundamente dentro das furnas onde se comunica com o mundo todo, menos com a praça. Talvez resguardando seus peitos de balas das armas apontadas que lhes surrupiam os objetos de valor. Até os tênis de marca. Como se as armas não ultrapassem os portais das furnas.

E por isso meu caráter renitente. Vim à solidão da praça esquecida. Do esquecimento que a praça tem de gente. A amnésia das estrelas que já não enxergam os dedos que lhes contavam. A lua que olvidou todas as pessoas sumidas.


Vim para solidão para não esquecer de ninguém. Ninguém que nesta praça não se encontra.  

Assim como Renan Calheiros e Henrique Alves eu também já viajei num avião da FAB - José do Vale Pinheiro Feitosa

Antes da conversa começar uma lembrança de um fato passado: alguém aí no Crato, agastado por minhas críticas políticas, andou espalhando que eu fora figura importante na saúde do PSDB e depois, por oportunismo, me aliara à oposição vitoriosa. Foram notas dissimuladas nos blogs da região, cuja verdadeira versão assim como a fonte do boato eu apenas soube por um e-mail revelador. Eu nunca fui nem do PMDB dos tempos áureos de cuja costela saiu o PSDB mas ocupei cargos de confiança em diversos governos, desde Sarney, passando por Brizola no Rio, depois com Jatene nos governos Collor e no primeiro Fernando Henrique. E foi aí no governo FHC que andei numa aeronave da FAB.

Vi o amanhecer de Brasília na Base Aérea esperando um avião do modelo Avro, um velho turbo-hélice que vinha da Base Aérea do Galeão. Destino: Marabá no Pará. Quatro horas de voo até pousar. Além de quadros de vários ministérios do governo FHC, ia um batalhão de repórteres.

Cinegrafistas, repórteres de televisão, gente do rádio, jornais e revistas. Viajava com uma quantidade imensa de rostos conhecidos da televisão. Todo mundo pago pelo governo, numa aeronave da FAB. E sim, todas as grandes cadeias de jornalismo, com a Globo à frente, Bandeirantes, SBT e outras mais além da revista Veja, Isto É os principais jornais de Brasília, São Paulo e Rio. E, claro, grandes rádios.

Eu fora enviado pelo Ministério da Saúde sem saber exatamente qual era a missão. Mas como tinha delegação para analisar qualquer demanda estava tranquilo naquele ambiente ambíguo e impreciso. Por volta de uma hora estávamos todos, autoridades e imprensa hospedados nos mesmos hotéis e à noite em rodas comuns.

Eu tinha um amigo entre os quadros do governo, a missão era do Ministério da Reforma Agrária e este amigo era assessor direto do Raul Jugmann,  então ministro e hoje destacado quadro do PPS do Roberto Freire. No dia seguinte o ministro chegou num jatinho da FAB e fomos em duas aeronaves, a elite no jatinho e o rebotalho no turbo hélice até São João do Araguaia.

Logo após o pouso foi toda a excursão até um assentamento de agricultores e ali vimos a “maravilha da obra de reforma agrária” do governo FHC. Tudo funcionava. Raul Jugmann mostrava força, uma esquadra de representantes de todos os ministérios estava ali para salvar os trabalhadores sem terra.

Depois foi um banquete com os peixes da Amazônia, carnes de gado à vontade e a presença de todos os prefeitos da região e o Raul juntando força contra alguém ou algo. Foi um discurso de união para organizar a reação. Que era previsível mas não dito às claras.

No dia seguinte, em Marabá, após o café da manhã eis a cereja do bolo. Num auditório do INCRA Raul reuniu-se com representantes do MST e na presença de toda a imprensa que viajava às expensas do governo, armou a arapuca para expor as reinvindicações dos trabalhadores com mero sectarismo.

Olhe que aquela manobra ocorreu após aquele massacre de Eldorado dos Carajás executado pelo polícia do Pará então governado por um político do PSDB. Logo depois Raul com seus assessores subiram no jatinho e rumaram para Brasília e nós almoçamos para começar a longa e demorada viagem de volta naquele turbo-hélice dos anos sessenta. Chegamos a Brasília por volta de onze horas.

O pessoal da imprensa ainda tinha energia para piadas e brincadeiras, mas sinceramente tive pena de todos nós a serviço de uma causa anti-democrática que era desmoralizar um legítimo anseio por inclusão econômica da gente do campo e que os governos vêm apenas como baderneiros. E que o agrobusinesse tem horror como tem às reservas indígenas. Como as empreiteiras têm dos terrenos que poderiam se tornar parques para o lazer nas cidades tensas e atulhadas.  


Do mesmo modo que ventríloquos nas redes sociais movem suas mandíbulas pelos mesmos cordões que fazem parte dos voos da FAB.