por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 24 de abril de 2017

TORTURA: "FÍSICA OU PSÍQUICA" (ou O MILAGRE DA CONVERSÃO) - josé Nílton Mariano Saraiva

A priori, um esclarecimento: em sendo agnóstico, não acreditamos em ocorrências de milagres ou coisas tais. Assim, permitimo-nos refutar a teoria disseminada por alguns de que em Curitiba, nas masmorras do juiz federal Sérgio Moro, verdadeiros “milagres de conversão” estariam a ocorrer com seus “hóspedes”, já que repentinamente renegam o que fora explicitado antes e assumem o que lhes é determinado pelo juiz. Paradoxalmente, entretanto, acreditamos que o apregoado e difundido “milagre da conversão” pelo menos tem o condão de nos levar a uma reflexão séria e pra lá de assustadora: afinal, na busca de informações consideradas pelo representante do Estado (o juiz) como necessárias, qual a metodologia mais eficiente e eficaz de se torturar um ser humano: a física ou a psíquica ???
Como sabemos, na tortura física vige a brutalidade e morbidez em toda a sua crueza e iniquidade, quando “animais” travestidos de carrascos insensíveis e orientados por superiores psicopatas (vide Luiz Antônio Fleury, do Doi-Codi paulista, no tempo dos milicos), submetem o ser humano ao auge da degradação física, em diferentes gradações do modus operandi, tais quais: despir e pendurar a pessoa no famoso “pau-de-arara” e em seguida arrancar-lhe os dentes à base da porrada, até que se disponha a “abrir o bico”; extrair-lhes as unhas (dos pés e mãos) lentamente e sem anestesia, com alicate; submergi-los em afogamentos forçados, que se estendem ao limite do suportável pelo ser humano; aplicar-lhes choques elétricos nas partes íntimas (mamilos, vagina, ânus, língua, ouvidos e por aí vai, em intervalos diminutos, fazendo-as urinar e defecar involuntariamente; praticar sexo à força, com mulher ou homem, pouco importa, no intuito de desmoralizá-los; fazer uso de um tal telefone, quando a vítima recebe, de surpresa e por trás, violentos safanões nos ouvidos, capaz de fazê-la perder a consciência momentaneamente; e, alfim, interrogatórios que duram dias e dias, sem intervalo, com o revezamento dos inquisidores (mas não da pauta), de forma a que o preso não tenha direito a dormir e finde por assinar qualquer papel que lhe seja posto à frente ou falar o que queiram os juízes. A tais “métodos de convencimento”, foram submetidos alguns brasileiros no tempo de vigência da ditadura militar. Se uns poucos resistiram e NÃO “deduraram” (entre eles a ex-presidenta Dilma Rousseff), boa parte não suportou e “entregou” companheiros de luta. Em tais situações, pois, tínhamos as “delações NÃO premiadas”, onde o corpo certamente ficou marcado indelevelmente ao servir como mero e banal “instrumento de convencimento”.
Já no tocante à tortura psíquica, o método requer um pouco mais de “requinte e sofisticação”, porquanto o padecimento se dá através da deletéria “perturbação mental” do indivíduo. Assim, num primeiro momento e objetivando ofertar ao indigitado a “vantagem” de uma “delação premiada”, mesmo sem nenhuma prova material do suposto crime cometido (mas só por convicção da autoridade competente), conduz-se coercitivamente o suspeito para a cadeia, joga-se no fundo de uma cela, onde permanece incomunicável por dias, até que se disponha a “colaborar espontaneamente”. Não sendo a narrativa “espontânea” do agrado do todo poderoso senhor juiz, temos o imediato retorno do preso à cela, onde terá tempo de sobra para refletir se aceita ou não confirmar a versão da autoridade competente. Como prêmio pela colaboração, mais à frente terá redução substancial de uma suposta pena.
As reflexões são só para lembrar dois casos recentes e emblemáticos: ao ser preso, o empresário-bandido Marcelo Odebrecht, indagado sobre se estaria disposto a colaborar, via “delação premiada”, indignou-se e peremptoriamente afirmou ante as câmaras televisivas não ser “dedo-duro”, que tinha caráter, formação moral e religiosa, que inclusive em casa houvera ensinado os filhos menores a jamais praticar tal ato, e por aí vai. Com o tempo, mofando no fundo de uma cela nada confortável para os seus padrões, deglutindo as “quentinhas” da vida e já condenado a dezoito anos de prisão, eis que esqueceu as convicções de outrora, o ter ou não caráter, moral, religião e o escambau, e não só “botou a boca no trombone”, como autorizou seus homens de confiança a também fazê-lo. E a tal “delação do fim do mundo” está apavorando os políticos corruptos que fazem da bela Brasília uma espécie de refúgio de marginais (agora, se o Marcelo Odebrecht apresentará provas contra todos, de tudo o que disse, aí é uma outra história).
Um outro portento da construção civil, o empresário dono da OAS, Leo Pinheiro, que se dizia “amigo” do ex-presidente Lula da Silva, num primeiro depoimento cometeu a “ousadia” não só de NÃO acusá-lo em momento algum, como até inocentá-lo, já que não praticara qualquer crime; foi o suficiente para que as autoridades competentes desconsiderassem tal documento, ao tempo em que “magnanimamente” resolveram dar-lhe tempo para uma reflexão mais apurada, de modo que, numa próxima oportunidade contemplasse, obrigatoriamente e por cima de pau e pedra, Lula da Silva; para tanto, reverteram a prisão domiciliar que lhe fora concedida, lhe acrescentaram dez anos à pena original e o recambiaram de volta às masmorras de Curitiba. Foi o suficiente e bastante para que Leo Pinheiro contrariando seus advogados, desdissesse tudo o que afirmara no depoimento anterior, agora acusando frontalmente Lula da Silva de tudo o que as autoridades lhe atribuíam (embora ressalvando a não existência de provas). Por não concordarem com o novo posicionamento do cliente, seus advogados resolveram abdicar da causa. Só que este era o álibi para que o juiz de Curitiba, Sérgio Moro, consiga seu “objeto de desejo”: condenar o ex-presidente Lula da Silva e impedir-lhe de candidatar-se em 2018.
Ante situações tão díspares, e adstringindo-se ao tema-título do presente artigo, o questionamento seria: para você, que está aí do outro lado da telinha, qual o tipo de “tortura” mais eficaz e eficiente a fim de que se consiga o tal "milagre da conversão", e que no fundo privilegiam bandidos de alta periculosidade: a física ou a psíquica ???
Enquanto você reflete, lembre-se que Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Sérgio Machado e Pedro Barusco dentre outros, estão por aí, livres, leves e soltos, farreando e gastando a fortuna obtida através de roubo (devolveram uma ínfima parte) após delatarem antigos companheiros. Ou você acredita que por usarem tornozeleira eletrônica permanecem reclusos e silentes em suas mansões ???
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Post Scriptum:
Eugenio Aragão, ex-ministro da Justiça, sintetiza magistralmente o que expomos acima, quando afirma... “o mal da tortura é que não oferece provas sólidas da verdade, mas apenas provas sólidas da (in)capacidade de resistência do torturado”, ao tempo em que lembra que a tortura não é apenas física, do pau de arara, do choque elétrico, mas também psicológica.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

O Face tornou-se estação de comunicação.Nem desligo.Saio, volto, e antes de trocar o sapato pelo chinelo, abro a caixa de mensagens, e começo a cutucar  meus contatos.Tudo que vicia, me torna menos livre.Mas, temos o nosso ponto de equilíbrio.Precisamos cuidar dos nossos afazeres, e respeitar o nosso tempo de sozinhos.
Aqui , encontramos material pra reflexões, e uma sempre possibilidade de encontrar pessoas que foram próximas, e voltam a encher nossa vida de notícias, e atenções carinhosas.
Sinto-me impotente ante o caos político.Sinto-me aberta às artes , as conversas leves, à poesia.Minha trilha sonora são todas as canções bonitas.
Vivemos realidades paralelas.Nada se compara aos encontros fora daqui, e aos encontros dentro de nós.
Dia 14 de fevereiro de 2017.
Um abraço especial, em Tereza Moreira.Enquanto ela nascia, eu fazia prova de admissão ao Ginásio.
A família se dispersa, quando tudo se renova.Estamos em trânsito Desapego é a palavra de ordem.A alegria ,uma sempre intimação para que vivamos com todos os sentidos em alerta.
Bom dia!

segunda-feira, 3 de abril de 2017

PECADO AMBULANTE - Dr. Demóstenes Ribeiro (Cardiologista)


Aproximava-se o dia do idoso e eu escreveria uma reportagem sobre a terceira idade. Cheguei cedo ao abrigo e ao me entrosar com vários internos três velhinhos não me largaram mais. Falavam da vida e entre eles transparecia grande amizade.

Um deles na infância imitava Joselito e, ao cantar “La Paloma,” também foi chamado de “Pequeno Rouxinol.” Já adulto, sentindo-se um Orlando Silva, se apresentou no show do Mercantil e por pouco não se tornou a voz orgulho do Ceará. No entanto, tudo se transformou e ele perdeu espaço. Restaram-lhe as churrascarias e o apelido de Zé Seresta.

Outro senhor, o Adelino, violão debaixo do braço, perdeu-se no alcoolismo e no difícil caminho da música instrumental. Fumava muito, tinha mania por anúncios fúnebres e ao perceber meu interesse por música surpreendeu-me com o choro número um de Villa-Lobos, logo após a minha chegada.

Um outro, mulato alto de carapinha branca, no abrigo tornou-se o Coronel. Repetidamente, em posição de sentido, ele prestava continência às pessoas e queria tudo em ordem. Era admirador dos militares e muito respeitado. Quando jovem, no Rio de Janeiro, matara mendigos para limpar a cidade e teria sido segurança do Lacerda quando do suicídio de Vargas.

E os três destoavam da tristeza geral. O dia passando e histórias se sucedendo ao sabor de lembranças, simpatias e antipatias pessoais. Assim, a velhinha de terço na mão era mais uma viúva que deu a vida pelo marido e filhos. O velho calado e abandonado pela mulher mais nova, herdou uma depressão incurável. E aquela, que fazia tricô e ficou pra tia , no seu delírio, invejava a prima que fugiu com um trapezista de circo e nunca mais voltou.

Alguns sequer sabiam de parentes e não recebiam visitas. A ex-dançarina da TV não se apercebeu do tempo e insistia na saia curta, no batom e no decote, sonhando com um milionário chinês. E o mantra incessante do médico demente: quem fui, quem sou e quem serei... Ali, a principal doença era abandono e solidão.
Muitos me cercaram e fiquei pensando... Fez-se, então, um silêncio ensurdecedor quando passou a maca com o lençol branco envolvendo um corpo. Todos entenderam: alguém terminara a viagem feroz, traiçoeira e sem finalidade. Ao violão, Adelino iniciou a “Marcha Fúnebre” e o Coronel, solene, balbuciou “do pó viestes e ao pó retornarás.”

Mas, de repente, Esmeralda, a cuidadora boazuda, apagou o cinza. Ela empurrava a cadeira de rodas com a mãe de um deputado. Adelino, brejeiro, mudou rapidamente a música e Zé Seresta – eterno dom-juan – mirou aquela bunda, ajeitou a peruca e atacou, imitando Nelson Gonçalves: “quando ela passa, florindo a calçada, pisando macio ... pecado ambulante!”

(publicado no Diário do Nordeste – pg. 3. 27.7.14)