por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 28 de abril de 2015

LA CANCIÓN REVOLUCIONARIA POPULAR - José do Vale Pinheiro Feitosa

A origem do canto e da palavra se move na história e nos ocorridos ao imediato da vida das pessoas. Os violeiros nordestinos se movem nos romances provençais e nas estradas áridas e varandas patriarcais dos sertões. O rabequeiro das feiras minguantes da velha tradição toca o arco sobre as cordas desde o norte da África, passando por Portugal e, mitologicamente, ligada a São Gonçalo do Amarante e suas danças.

A voz do canto é a narrativa de suas vidas. Seus dramas. Seus conflitos, loas, aventuras e venturas desta vida severa, cruel como a covardia dos acólitos da Casa Grande. Vestidos no manto da salvação na Igreja, um respeitoso ajoelhar-se frente à ordem eclesiástica, para em seguida espalhar ordem e vinganças nas costelas magras do camponês.

Os cantadores sertanejos falam de tais coisas. Como frutos do destino, das vinganças abençoadas, da maldade destilada, cristalina e tênue como a hóstia que absorve todos os pecados, uma espécie de salvo conduto ao juízo final. Os violeiros nordestinos denunciam a miséria da ordem política e econômica, mas nunca cantaram uma revolução popular como o povo do México.

Aliás como o povo cubano. Pois todas as melodias extraídas da revolução cubana têm também raízes da península ibérica, especialmente dos romances espanhóis assim como os trovadores provençais das nossas cantorias. A famosa “Guantanamera”, que se refere às jovens do pedaço de Cuba sonegado pelos EUA e tornado uma prisão cruel, era originalmente uma canção espanhola assim com os sambas de terreiro com um refrão e uma melodia para se improvisar. Nos anos trinta a música era utilizada no rádio para dar notícias e fazer críticas à política. Depois recebeu os poemas de José Marti, por si, um herói revolucionário cubano.

E no México, parte do que conhecemos como a canção típica do país, incluindo os Mariachi, que chegou até o nosso país através do cinema de do disco, são melodias revolucionárias. Chamadas de “corridos”, as canções da revolução mexicana, enaltecendo os feitos dos seus líderes e do levante dos camponeses contra a ditadura de Porfirio Diaz.

E nelas se destacam os próprios camponeses e sua desdita, além de sua coragem e gana de vencer os tempos ruins. Se destacam as mulheres que não aceitaram ficar em casa enquanto seus homens peleavam pelas terras banhadas de sangue. Elas seguiram os homens naquele momento fugaz, onde o amanhã se resolve hoje pois a possibilidade de não se ver o próximo nascer do sol é enorme.

E temos os nomes de Francisco Villa (Pancho Villa), Emiliano Zapata, de Francisco Madero, os nomes anônimos, os pequenos se forjando em gigantes frente a transformação revolucionária. E temos nos corridos quatro fenômenos comuns à revolução: o trem, o cavalo, a carabina e os instrumentos musicais. A repressão veio com o trem que em seguida transportou a revolução. As mulheres seguiam penduradas ao lado do trem (las soldaderas), armadas e destemidas como só estes momentos as libertam.

São milhares de canções, que se originaram dos “corridos” que vieram da colonização do México, se adequaram ao espírito indígena, às canções religiosas de seu povo e as deixou para os seus descendentes, os camponeses quase escravizados pelos senhores latifundiários.  E todas elas criaram uma base sobre o futuro musical do México.

Um exemplo é La Adelita quando o máximo que um homem pode prometer a uma mulher é um vestido de seda. Não se tem futuro, apenas segui-la num navio de guerra se por mar ou num trem militar se por terra.



La Cucaracha, é um corrido clássico, que se refere à Marijuana e que depois serviu para os "Louros do Norte", em sentimento de superioridade imperial, traçar o perfil dos mexicanos que, por necessidade, prestam serviços a preços baratos no comércios e lares americanos.




Crisálida


J. FLÁVIO VIEIRA

                                   A constatação tem a textura de uma rocha magmática: a árvore frondosa desabou e está ali estendida, inerme,  no meio da estrada. Os transeuntes obstacularizados pelos galhos volumosos se postam diante da catástrofe : menos interessados em entender os meandros da hecatombe e mais  perplexos ante o  simples impedimento  de seguir em frente. Certo que um dia , inevitavelmente, esperava-se o desabamento : destino de todos os corpos imantados pela gravidade do tempo. Mas  a queda nos toca profundamente , sempre, como se nos impingisse a certeza absoluta da impermanência , da fluidez dos minutos e das horas   escorrendo , inflexivelmente,  para o  ralo tenebroso da inexistência.
                            Hoje, a árvore, mesmo tombada,  ainda parece fazer parte da nossa perspectiva diária, como se seu reflexo ainda ali estivesse indelével no horizonte. Amanhã, no entanto, se juntará à paisagem pretérita. Caule, folhas, galhos , flores,  pouco a pouco serão mastigados pelos incansáveis operários do nada e o pó teimará em retornar a  pó , numa ubíqua e carnal comunhão com toda a natureza.
                            Os observadores da árvore mais próximos, talvez já nem a percebessem : fazia parte do gasto panorama cotidiano. Agora, no entanto, com a queda repentina e o vácuo no horizonte, se hão de perguntar perplexos : o que fica do tronco e suas incontáveis ramificações  que ontem ali estavam, dependurados na estampa do infinito ?
                            Ficam as incontáveis lembranças do seu apogeu. A sombra que acalentou e protegeu os dias não apenas dos seu frutos, mas de todos os insetos, passarinhos e  viandantes que dela se aproximaram. Também a  aparente aspereza do seu porte que precisou criar raízes fortes e profundas para suportar o peso dos galhos imensos  que lhe davam fortaleza. O despojamento de livrar-se das folhas , seu vestido de gala, nos períodos de seca e estiagem, projetando a flora  nas futuras primaveras. Ficam também  as flores com as quais inundou o mundo de cores e aromas e as serviu, copiosamente, sem distinção, a todos que por ali passaram. Permanecessem, intocados pelo tempo, os frutos estendidos  numa mesa imensa e   servidos, irmanamente,  num banquete opíparo e magnânimo,   para degustação de pássaros, borboletas e peregrinos. E , por fim, o pólen : espargido aos sete ventos , disseminando a opulência e o milagre da vida  floresta afora.
                            Tronco e  ramada ao chão são apenas uma mera metamorfose da árvore.  Ela faz-se , misteriosamente, crisálida  enquanto aguarda , pacientemente, no casulo,  a eclosão das tenras asas para  o novo voo nupcial.
                           

Crato, 24/04/15