por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Selfie

                J. Flávio Vieira


                               Todo verão, amigos,  --não se enganem não !—lá se vem uma moda nova. Tivemos uma infinidade delas que se alternaram na mesma regularidade das estações. Já vieram:  o Walkman, o Celular, a máquina digital, o smartphone que, de alguma maneira, terminou por fundir muitas outras funções. Com ele, chegou uma das mungangas mais incríveis desses tempos : os selfies. O cabra bate selfie com o defunto no cemitério;  ensanguentado no acidente que acabou de sofrer; com a namorada na cama depois do venha-ver. E, mais que tudo! Manda imediatamente para as redes sociais, pois já não existe vida possível fora da virtualidade. Sem se mostrar para os outros, não é possível sobreviver.  Cada uma dessas invenções trazem, consigo, a ideia de ascensão social. Não ter no verão uma dessas estrovengas , remete, imediatamente, o sujeito  para a base da pirâmide e , de lá, não dá para ver o sol e nem se deleitar com a sombra. Claro que, em pouco, as feiras populares, fervilhantes vão se apropriando dessas modas , com produtos alternativos, para que o povaréu não fique na pior e possa também, de esguelha, bicorar um pouco desse paraíso de consumo. Quando a classe privilegiada descobre que o filho da empregada já possui a última novidade, a moda , imediatamente, é sustada e se inventa outra.  O ciclo, como um moto-contínuo,  se vai repetindo. 
                         A moca desse verão, por incrível que possa parecer,  é o tal do “Pau de Selfie”.  Talvez o leitor já tenha visto este penduricalho por aí. O sujeito usa um suporte para agarrar o Smartphone , dando uma certa distância, e facilitando o enquadramento, ao abrir mais o ângulo da selfie a ser tirada. As praias, os pontos turísticos se encheram destes “paus”, nestas férias, dava para se fazer uma apresentação de “Maneiro-pau”, se Mestre Cirilo topasse a brincadeira. Imaginem a dificuldade de carregar um trambolho desses, nas viagens, junto com uma infinidade de outras quinquilharias. Na Chapada Diamantina, um dos mais bonitos espetáculos , o pôr-do-sol visto do Morro do Pai-Inácio. Lá se postam inúmeros turistas , cada qual com o seu pau-de-selfie ( felizes, impávidos e orgulhosos com o novo aparelho), filmando o espetáculo e  privando-se, assim,  de assistir a ele. Vale mais o registro e, principalmente, a possibilidade de mostrar aos outros o vídeo, depois. A beleza do crepúsculo não interessa, degustá-lo, calmamente, nem pensar ! Nada de beber o Champanhe ! Vamos é mostrar aos amigos o rótulo do Moet-Chandon ! Freud diria, quem sabe, observando o brilho incandescente nos olhos dos pausistas,  que o pau-de-selfie, é um símbolo fálico, imprimindo aos seus proprietários um poder viril avassalador e inusitado.
                        Dizem os pausistas, justificando a aquisição, que a importância do  pau-de-selfie seria se bater a foto sem precisar incomodar ninguém. Se se refletir um pouco, veremos que a própria Selfie vai além do simples narcisismo. Há , por trás do retrato tirada por mim mesmo, uma certa dose de individualismo: eu sou eu e não preciso de ninguém! O pau de Selfie é, apenas, um aperfeiçoamento dessa arrumação. Houve um tempo, em que, nas viagens, as pessoas , solicitamente, pediam para os companheiros baterem suas fotos e retribuíam o favor, tirando a de outras pessoas e outros casais. Quantas amizades não começaram nestes simples contatos? Quantas paqueras não se encetaram, motivadas pelas fotografias que se iam alternando ? Se se reparar bem, esse individualismo tem sido um dos sintomas mais fortes dos tempos em que vivemos. As pessoas fogem dos relacionamentos como  o satanás da água benta. Amizades já não se fazem entre companheiros de trabalhos ou colegas de classe, até, porque, já não são colegas, mas concorrentes. As pessoas preferem, cada vez mais, os encontros ocasionais às relações mais sólidas. Casais já não querem filhos sob o pretexto que dá muito trabalho, atrapalha a vida pessoal e , economicamente, é um investimento muito desfavorável.
                                    As cidades, assim, parecem ter uma população muito grande, mas , na verdade, têm encolhido dia após dia, vêm se tornando desertas, simplesmente porque cada um dos seus habitantes deixou de viver na megalópole e passou a habitar no seu próprio mundo. Os habitantes de São Paulo cabem numa selfie.  Claro que existe uma praça gigantesca onde periodicamente muitos se encontram : as Redes Sociais. Essa encontro asséptico, no entanto, evita o toque, o olho-no-olho, o beijo, o abraço e, talvez, por isso mesmo, tenha se tornado tão importante e desejado. Dá a falsa impressão de que não estamos sós no mundo, que temos mais de dois mil amigos que nos curtem  e que, assim, a solidão não nos baterá à porta.

                                   O problema é que as grandes questões do planeta precisam cada vez mais do diálogo, da dissolução de diferenças seculares entre os homens, da conversa, da compreensão e da visão holística. Nosso barco está à deriva e cada um dos tripulantes mete a cabeça no buraco, como avestruz, acreditando que o iceberg que está logo à frente não lhe diz respeito. Antes do impacto final estarão todos no convés , com seus pau-de-selfie para registrar o fabuloso naufrágio do  Titanic.