por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 14 de dezembro de 2014

Fusões dos Beatles e de músicas de John Lennon. 

Não se deixe conduzir pelo contrato. Arranjo. Compromisso. Pessoa de bem. Não se deixe conduzir.
São coisas feitas para se negar. Sempre há uma cláusula de cessação. Sempre há um encerramento. Um caixão para pregar você dentro. Sempre há.

Há um momento. Aquele em que as portas se abrirão e a paisagem do mundo é sua. Todo este eterno, vasto, infinito mundo, é o planisfério de sua própria epiderme. É o plano de sua própria linha de fuga. Fuga de si mesmo.

E aí a tradução é o amor. A paixão infinita pela eternidade ao lado do outro. O outro que é o plano de fuga de si mesmo. Como paisagem do mundo. Apagando os limites entre si e o outro e desse modo criando uma individualidade binária.

O amor é isso. A atração pelo planisfério neste vasto e infinito mundo. A fusão dos momentos como uma nova unidade de tempo. O encontro dos fragmentos da crosta numa tremenda força de transformação da superfície.

E como força telúrica, o amor confunde os sinais e sentidos antes postos. Uma singularidade criativa que se faz em sínteses e separações, em versos que exaltam, reformatam, dispersam os acúmulos e criam uma nova conta de adições e multiplicações.

Por isso é tão e imensamente doloroso que alguém desista, se canse, perca a noção do planisfério do amor. E se vá com apenas o saldo dos solavancos e até desconhecendo tudo que aconteceu.

Se não foi apenas o cerimonial de um contrato. Se foi amor, é tudo tão intenso que as miudezas que enfeitam as paredes guardam soluções. As paredes têm lições a apresentar.

Se foi amor. Se é amor. É o planisfério do vasto, eterno e infinito mundo. 

Maumau Noel - José do Vale Pinheiro Feitosa

Empadões, cachorro quente, salpicão de frango, cerveja, refrigerante não, mas sucos e o tradicional das praias cariocas: mate gelado com limão. Crianças e adultos circulando no amplo playground. Mesas, conversas entre quem há tanto tempo não se via.

Há pouco o avô, de joelhos, os bicos de papagaio pinçando os trajetos nevrálgicos, brincava com a neta numa pequena piscina de praia. Uma piscina sem água, cheia de areia da praia. Úmida. Caía aquela chuva pingadeira e contínua.

E foi na mesa de guloseimas que nos encontramos. Pondo a conversa em dia. Sem falar em política. A experiência de outros carnavais demonstra a impossibilidade de se cruzarem numa síntese. O máximo, nestes casos, que se consegue é cruzar argumentos, com vistas a uma aposta cujo ganhador leva.

Como disse um papo de assuntos variados e ricos de novidades. Aí chega o momento. A nora vem, quase pedindo desculpas para dizer que a hora é chegada. Achei que era para cantar parabéns. Mas não era. Ele iria ao quarto se fantasiar de Papai Noel para trazer alegria às crianças e apresentar a alegria à netinha.

Fui a procura de outros papos. Noutras partes da festa. Após um tempo, enquanto conversava com uma mãe, ela pede desculpa e interrompe o diálogo. Precisava levar o filho para a proximidade do Papai Noel que entra no ambiente. Olhei e estava toda a meninada se aproximando do bom velhinho. Aquele que oferece presentes e sonhos a todos. Inclusive às crianças.

Passou o homem do mate e tomei mais um copo. Outra coisa para comer. Um novo papo, com outro interlocutor. Levou um tempo para melhor dizer. A avó se aproxima. E vou confraternizar com ela. Que se encontra numa quase imperceptível situação de angústia. Se não a conhecesse tão bem, não descobriria.

Assim que a neta, no alvoroço da criançada, viu aquele velho ameaçador, de roupas vermelhas, um saco nas costas, agitando toda a galera, se apavorou. Chorou como choramos pelas novidades que nos chocam. Chorou por aquele que invadiu sua festa. Sua alegria. E fez sumir o vovô e não adiantou nem a vovó para consolo. Andou nos braços da mãe a chorar de um lado para outro.

Daí a pouco volta, desconsolado, o vovô. Com todas as boas perspectivas de sinais trocados. O que era alegria, se traduziu em choro. O que era afetividade se transformou em aversão. A cena da bondade e da oferta se tornou um aperto de desacerto no coração. Papai Noel de repente era Maumau Noel.

Uma explicação de pronto havia. A netinha completava ali dois anos de nascimento. Ainda não tivera plena consciência de um natal verdadeiro. Aquele era o segundo e, do bom velhinho, desconhecia o mito. Mas como vovô achou ruim aquele papel...

Porém, como sempre o natal retorna.


O vovô se encontrará com o vovô novamente.  

A primeira noite de um homem (transcrição)

A minha primeira mulher, sexualmente falando, chamava-se ou tinha o apelido de Rolinha e, como não podia de ser, tudo aconteceu em Ouro Fino, sul de Minas, a cidade natal da minha família. Ouro Fino era, na época, uma cidade extremamente pacata – estamos falando de 50 anos atrás, quando eu tinha 13 anos. Tão pacata que nem prostíbulo tinha. A Tipoita pilheriava que um dia foi um circo a Ouro Fino e o leão, ao invés de urrar, falava “Oh! lugar...” imitando o urro do leão.
Pois bem. Foi nessa Ouro Fino que eu perdi a minha virgindade. Quem me guiou nessa vereda foi um amigo, primo torto, chamado Robertinho Barbosa. Apesar de ter a mesma idade que eu, Robertinho já era escolado na área sexual e, mais importante, sabia o caminho das pedras para se ter uma noite de amor em Ouro Fino. O caminho das pedras era, na verdade, o caminho da casa da Rolinha, na zona rural de Ouro Fino. Lembro-me que saímos logo após o anoitecer e caminhamos pelo menos uma hora na zona rural, passando por pastagens, atravessando cafezais e cercas de arame farpado. No breu da noite, eu literalmente morri de medo. Medo de cobras, de onças que – diziam – existiam por ali, medo de bois bravos que imaginava correndo atrás de mim. Mas meu medo não era maior que minha excitação, que a perspectiva de tocar uma mulher de verdade e não apenas a mulher imaginária de meus momentos de masturbação.
Vimos de longe uma luz no meio do breu. Robertinho esfregou as mãos de contentamento. Se havia luz, era sinal de que a Rolinha estava em casa. E a nossa festa sexual garantida. Quando chegamos me assustei com o “Palácio do Amor” como dizia uma placa pregada na porta que, à nossa aproximação, foi aberta pela por uma mulher que deduzi ser a Rolinha. Era na verdade, uma casa de pau-a-pique, quatro paredes de bambu e barro, divididas internamente por panos grandes presos em cordas de nylon, dessas que usamos para pendurar varais de roupa em apartamentos. No aposento principal, onde ficava a porta de entrada, chão de terra batida, havia uma mesa tosca de madeira com três cadeiras, uma cristaleira onde se podia ver um pirex, duas ou três panelas, pratos, copos e talheres, tudo em pequena quantidade e no limite do uso, tal o desgaste. Encostado numa das paredes, um fogão de lenha a pleno vapor e, sobre ele, um grande caldeirão.
Rolinha não perdeu um segundo: cadê o dinheiro? O pagamento é adiantado, disse rispidamente. Robertinho, que era o financiador da aventura, meteu a mão no bolso e tirou as notas que já estavam preparadas e entregou-as a Rolinha. Senti, então, que a tensão sumiu dela e ela nos mandou entrar.
Prestei, então, atenção na Rolinha. Era uma mulher vistosa, grande, feições bonitas, mas tal qual seus apetrechos domésticos, estava acabada, no limite do uso. Já devia ter entrado na casa dos quarenta. A maquiagem pesada não escondia o desgaste do rosto e nem as sandálias havaianas escondiam os calcanhares rachados. Ela explicou ainda que num dos outros dois “quartos” estavam seus filhos dormindo, o maior de cinco anos. O segundo quarto era o ninho de amor onde ela atendia seus clientes, nós dois e outros que viriam mais tarde. Explicou ainda que no caldeirão estava cozinhando uma cabeça de porco, a refeição da família no dia seguinte.
Mas a explicação que ela deu e que era visível é que ela estava grávida de seis meses, maior barrigão! Meu deus! O que fazer? Como ia perder a virgindade com uma camponesa sem glamour nenhum e, ainda mais grávida?
Rolinha não deu tempo para pensar: - Vamos, quem vai ser o primeiro? Não tenho tempo a perder. Eu era o primeiro, tínhamos tirado no par ou impar. E, de repente passaram todos meus receios, minhas dúvidas, meus constrangimentos e mergulhei de cabeça no corpo disforme mas nu de Rolinha. Nunca mais me vi tão fora de mim, tão entregue como naqueles momentos. Vou poupar o leitor dos detalhes.
Alguns minutos estava de volta à sala, meio levitando sem saber direito o que tinha acontecido. Agora era a vez do Robertinho e eu ia ficar esperando da sala. Sentei à mesa ainda assustado e então me ocorreu comer um pedaço da cabeça de porco que ainda estava no fogo. Peguei uma orelha e um belo pedaço de bochecha. Salpiquei com uma farinha que encontrei e comi tudo com voracidade.
Daí a pouco saiu o Robertinho, leve e saltitante como eu. A Rolinha nos despediu, convidou para voltar outro e nos pôs porta afora. Saímos contanto o que tínhamos feito ou não no “ninho do amor” sem nos incomodar se era verdade ou não. Foi então que contei ao Robertinho que tinha comido um bom pedaço da cabeça do porco.  Ele ficou sério, parou e me disse: - olha, quando você estava no quarto e eu na sala, eu subi no fogão e, só de sacanagem, dei uma longa mijada no caldeirão do porco!
Como o Robertinho podia ter um coração maldoso assim!
Post Scriptum:
Qual de nós, adolescentes no Crato (à época), não passamos por situação pelo menos parecida, lá no "Gêsso" (antiga "zona", da cidade) ???