por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 31 de agosto de 2014


Poema do desmantelo azul
"Então, pintei de azul os meus sapatos
Por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos...
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul."
(Carlos Pena Filho)
BAILARINAS EM AZUL - DE EDGAR DEGAS
Ver mais

sábado, 30 de agosto de 2014

INDO PARA A ESCOLA


     Acordava sem a ajuda de despertador. Ou melhor, tinha como despertador o mugir do gado no curral bem próximo ao quarto em que dormia. Naquele tempo, era costume dos fazendeiros terem o curral próximo a casa. E ainda na rede, eu ouvia a lida dos curraleiros tirando o leite das vacas, a bezerrada berrando e o chocalho das vacas a badalar naquela inquietação de mãe à procura do seu filho chiqueirado desde o dia anterior.
     Eram 05h30min da manhã quando eu despertava. Pulava da rede e, preparado para um novo dia de aula, ia em busca do café que a minha mãe, com muito zelo, já preparava na cozinha. Quando chegava à mesa, encontrava o meu pai sentado à cabeceira em conversa com alguns dos seus serviçais programando as tarefas do dia. Sentava junto a eles e, como eles, me enchia de pão de milho com café e tapioca com nata. Lembro bem de Seu Expedito, compadre Zé Nanô, Pedro Soares e ainda do seu vizinho e amigo compadre Neco. O meu pai sempre escalava esse time que compartilhava do café com todos nós, seus filhos. E assim também era no almoço ou no jantar. O certo é que na nossa mesa sempre teve a presença de um ou mais colaboradores do sítio. Isso nos fez crescer entendendo que somos todos iguais. Sem nenhuma descriminação, o mesmo que comíamos, eles também comiam.
     Uma lembrança também forte que tenho do nosso café da manhã, era a audição diária do programa “Coisas do Meu Sertão”, criação do saudoso radialista e folclorista Elói Teles de Morais, pela Rádio Araripe do Crato. Era um programa de apenas meia hora com clássicos da poesia nordestina narrados por seu Elóia, como era conhecido pelos matutos. Ele fazia o programa com um linguajar muito interessante, dirigido mesmo para o público do mato, embora tivesse enorme audiência entre os citadinos e pessoas aculturadas. Foi aí que aprendi a gostar de poesia e admirar os grandes poetas por ele citados e declamados, a exemplo de Patativa do Assaré, Zé da Luz, Catulo da Paixão, Zé Limeira, Zé Praxédes, Dedé França e tantos outros figurões da poesia popular. A trilha sonora deste programa, permeada pelo cantar de sabiás e de outros pássaros do sertão, até hoje está gravada em minha alma de menino nascido e criado no mato, pois nossa casa ficava e continua a 6 km da cidade. Hoje, tudo mudou e já estamos na zona urbana. Esse programa começava às 06h00min e terminava pontualmente às 06h30min, sempre com a mesma prosa e a mesma trilha sonora. Eram versos da autoria de Zé Praxédes, abaixo reproduzidos.

“Dotô inté outro dia
Basta mercê precisá
Um criado às suas orde
Na serra do Jatobá

Prus armoço tem galinha
Tem quaiada pra jantar
Água cherosa no tanque
Pra vasmicê se banhá

Leite quente au pé da vaca
Quando o dia amanhecê
Café torrado no caco
De quando in vez pra mercê

Aguardente Potiguá
Caso goste de bebê
Capim mimoso verdin
Pro seu cavalo cumê

Pra o dotô fazê lanche
Mé de abêia cum farinha
Tem da fonte milagrosa
Água fresca na quartinha

Pra vasmicê se deitá
Uma rêde bem arvinha
Leve também sua mulé
Proquê lá só tem a minha”

     Quando acabávamos de ouvir essa prosa, eu e meus irmãos sabíamos ser chegada a hora de correr para a pista (assim era denominada a rodovia asfaltada que ligava Crato a Juazeiro) e pegar o ônibus que nos levaria ao Crato, onde estudávamos. Percorríamos uma pequena e estreita estrada de terra até o ponto de ônibus. Ao final deste corredor havia uma pequena levada que nos fazia molhar os sapatos em dias de chuva. E quando tomávamos o ônibus, já tínhamos as calças meladas de barro e os sapatos Conga encharcados.
Muitas vezes o ônibus já vinha lotado e tínhamos dificuldade até para subir no lotação. E se fosse dia de feira no Crato, a coisa ficava ainda pior. Por isso nesse dia, meu pai mandava nos levar de carro. Não tivemos essa regalia de ter carro pra levar e buscar na escola. Íamos e voltávamos de ônibus, com chuva ou sem chuva.
Mas, às vezes, dávamos sorte de pegar carona com algum amigo ou conhecido do meu pai que passava no sentido Crato. Podia ser na boleia ou mesmo na carroceria de uma picape amiga. O que importava mesmo é que já estávamos economizando o dinheiro da passagem para o picolé do recreio. Tinha também a carona com seu Luiz da “casa do pintor”, quando íamos confortavelmente em seu Chevette novinho. Isto foi em 1974 e o Chevette era um
lançamento recente do mercado automobilístico. Ele sempre perguntava por meu pai e dizia ter sido seu instrutor quando este fizera o tiro de guerra, o que correspondia ao alistamento militar de hoje.
Havia também outras caronas não muito interessantes, quando nos deixava logo na entrada da cidade, onde o cidadão parava para resolver seus problemas, fazendo com que andássemos a pé muito mais que o habitual.
     Houve uma época em que a minha professora era também nossa prima e muito amiga dos meus pais. E, além disso, morava no sítio colado ao nosso. Essa sim, foi a minha melhor carona que, inclusive, me apanhava em casa. Com isso, sempre chegava no momento de começar a aula, mesmo que fora do horário estipulado. Afinal, entrava no colégio sempre junto com a minha professora Maria Zélia, que me despertou para o mundo mágico da matemática e a quem hoje dedico esta pequena crônica. São lembranças e ensinamentos ainda presentes em meu caminhar.

Marcos Barreto de Melo

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

QUANDO A MATÉRIA PRIMA DA ALMA É A LAMA. - José do Vale Pinheiro Feitosa

Ofereço este texto ao Dr. José Flávio Pinheiro Vieira pelo seu presente que nos deu apenas por existir. Também pelas nossas recentes conversas sobre tempo, espaço e personagens.


A inclinação matinal do sol, entre o galho três metros acima do solo e o próprio solo, ilumina o frágil e solitário fio da tecedura da aranha. Brilhante como uma prata polida. Tão fino e imperceptível como um único raio solar.

A casca grossa da mangueira na vizinhança onde o fio balança ainda não deu conta desta ponte iluminada. Não rompeu a fragilidade do liame. É que o endurecimento rijo do caule é um amontoado cicatricial de uma verdade há muito morta.

O fio prateado é o cruzamento entre a luz temporária, o momento do olhar e o percurso aéreo da aranha criando vias por onde andar acima do rés-do-chão. E nem os ventos animados do litoral rompem o fio deste ponto a ponto. O fio balança, quase laça, mas não quebra.

E a verdade lassa que habita sob as vestes corrompidas, debulhada em negócios, sempre com os anéis, resguardados no último artelho da mão, em oferta do ósculo humilde. A reverendíssima promessa do sótão, onde todos um dia se encontrarão, enquanto os alicerces são vendidos pedra a pedra. Até que descarnada da pétrea construção, nada mais é. Apenas cinismo e negócios.      

Mas então por todas as ruas, de todos as cordas vocais se perguntam onde se encontra a matéria prima da alma? Mas se a espiritualidade pudesse descobrir o núcleo que carrega os estandartes, que do peito grane as loas ao salvador, na matéria prima apenas lama. Tão somente esta pasta que reduz o atrito das sucessivas trocas negociais.  

Na matéria prima de lama, dada a umidade, costumam crescer os germens. E da lama se faz pântano e do pântano evolam-se os ares pestilentos. Ares que roubam a luz do sol com a enlodar o futuro da comunidade. E nas sombras se eternizam na corrupção mais abjeta.

Os corruptos de dedo em riste bradando a corrupção alheia. Tão conscientes são, tão atraídos vão, que nas sombras constroem os arabescos que disfarçam a realidade. E com estes arabescos, como tábuas da salvação, acertam as cabeças da multidão para que todos se ajoelhem diante dos mantos luminosos da sua corrupção enfeitada como fantasia.   

Por isso suas palavras ferem com a casca grossa da mangueira. Arranham a pele e geram cicatrizes. Mas ali da mangueira apenas um destino lhes espera que é tornar-se pó de madeira por duas vias. Abandonada ao solo e às chuvas e úmidas se dissolverem.

Ou apenas a celulose que lhes resta alimentar os cupins naquele agir coletivo.

E o fio da aranha, mesmo partido, logo será nova trilha prateada.


A "fotografia" - José Nilton Mariano Saraiva

Não deve existir coisa pior no mundo para o ser humano do que ser pego no “flagra”, no exato momento do cometimento de algum deslize ou da materialização (prática) de um ato excrescente, não tão convencional, que vá de encontro aos bons costumes e à normalidade. E quando tal situação ou momento é “imortalizado pela fotografia” (a tal prova provada), e posteriormente veiculada em primeira página num veículo de penetração nacional, como um jornal de grande circulação, por exemplo, o “constrangimento” de quem a praticou deve ser algo transamazônico, capaz até de fazê-lo recolher-se durante um tempo, até que a poeira baixe e os ânimos serenem. Pelo menos pra quem tem um mínimo de “semancômetro” (ou vergonha na cara).

Pois bem, como é de conhecimento público, a última eleição para a Prefeitura de Fortaleza foi pau puro, briga feia, embate acirrado, jogo bruto e pra lá de pesado, com acusações de ambas as partes: de um lado, o candidato da prefeita sainte (Luizianne Lins) e de outro, o candidato do governador do Estado (Cid Gomes). No meio, como fiel da balança e alvo de todas as atenções, quem findou levando a melhor foi o eleitor dos bairros periféricos da capital, porquanto caminhões e mais caminhões, com carradas de “dinheiro vivo”, teriam sido distribuídos na noite anterior ao pleito. E aí, por uma apertada margem de votos (teoricamente comprados) o candidato apoiado pelo senhor Governador do Estado acabou por suplantar o indicado da prefeita.

Vida que segue, compreensivelmente, dia seguinte, as manchetes (garrafais) dos jornais matutinos da capital se referiam ao seu resultado, destacando a minguada vitória de um praticamente noviço na política cearense, o médico e deputado Roberto Cláudio, criação da “grana desenfreada” e da equipe de marqueteiros da máquina governamental (sim, porque se pessoalmente trata-se de uma figura afável, esteticamente é um autentico desastre, verdadeiro “aborto da natureza”: baixinho, careca, redondo de gordo, pesando quase 200 quilos).

Pois bem, muito mais que a manchete do jornal em si, o que chamou a atenção foi a “FOTOGRAFIA” colorida de meia página (na primeira página) publicada para ilustrá-la: nela, com um sorriso de orelha a orelha e claramente turbinado por alguma substância milagrosa (excesso de álcool ???), o então assessor do Governador, ex-prefeiturável, ex-governamentável, ex-tudo e, por fim, secretário de Governo, senhor Ferrúcio Feitoza, deixara de lado a formalidade do terno e gravata e, metido numa camisa pólo amarela, carregava nos ombros, sozinho e até com certa facilidade, o peso-pesado Roberto Cláudio e seus quase 200 quilos.

Foi o bastante para se compreender o repentino destaque conseguido pelo senhor Ferrúcio Feitoza que, de uma hora pra outra passara a ser “vendido” como um dinâmico e moderno gestor, modelo de executivo a ser cortejado e imitado, tanto que houvera sido mencionado como concorrente ao cargo do agora prefeito eleito; com tal “fotografia” foi que cristalizou-se na opinião pública a certeza de que tal figura não passava de um monumental puxa-saco, bajulador asqueroso e sem nenhum escrúpulo.

Meses após, pra seu azar, através das “redes sociais” (sempre elas) o senhor Ferrúcio Feitoza foi novamente “flagrado”, como sempre sorridente, só que dessa vez dentro do carro do amigo Governador do Estado (evidentemente que no banco de carona), num desses passeios em que o chefe do executivo cearense se permite realizar sem a companhia do motorista particular e todo o seu séquito de seguranças.

O “detalhe” curioso da bendita “fotografia”: como que para corroborar o pejorativo “juízo de valor” que houvera sido emitido lá atrás a seu respeito (na época da eleição), o senhor Ferrúcio Feitoza dessa vez levava, não nos ombros, mas no próprio colo, dedicando extremada atenção, carinho e zelo, o “cachorrinho” do chefe (ninguém sabe se chegou a levar alguma “mijada”). 


PUXA (vida, haja) SACO, como pode alguém se submeter a tamanhos vexames, pelo e em nome do poder ???

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"VELHA" e "NOVA" POLÍTICA -José Nilton Mariano Saraiva

Apesar de já ter decorrido um tempo razoável, a “bruma” que derrubou o avião do candidato Eduardo Campos (vitimando-o e à sua equipe), parece não ter ainda se dissipado, e de forma surpreendente mostra que poderá causar estragos, sim, na campanha da sucessora Marina da Silva (que houvera disparado nas pesquisas).

É que, nem bem iniciada as burocráticas investigações sobre quem era o proprietário do avião disponibilizado ao PSB e/ou ao candidato, a “coisa” tomou um rumo inesperado, porquanto restou comprovado ter havido o uso dos famigerados e abomináveis “laranjas” a fim de adquirir o próprio.

Um adendo: em Recife, terra do candidato Eduardo Campos, descobriu-se que duas empresas, a “Câmara & Vasconcelos Ltda” e a “Vasconcelos & Câmara Ltda” (isso mesmo, só trocando a posição das denominações) teriam sido usadas na transação de compra da aeronave; e aí, no endereço onde funcionaria uma delas, numa favela periférica da cidade, o repórter da TV foi encontrar um “pobre coitado” que, atarantado ante a pergunta se teria contribuído financeiramente para a compra de um avião, simplesmente mostrou-se indignado. Fato é que, extratos de depósitos bancários mostraram uma intensa movimentação de dinheiro, com transferências milionárias entre contas, objetivando a compra do avião.

Pois bem, na entrevista de 15 minutos concedida nessa quarta-feira (27) ao Jornal Nacional (ao vivo), a candidata do PSB Marina da Silva, após confirmar saber de um “empréstimo” para adquirir a aeronave, demonstrou “extrema dificuldade” em responder sobre se achava “ético” utilizar-se de “laranjas” para tal fim: e mais, já que ela se refere com tanta veemência a uma “nova política”, da qual seria a precursora, foi-lhe indagado o que isso tinha de “diferente”, em relação à “velha política” (“modus operandi”) dos adversários, que ela tanto combate e recrimina. Marina gaguejou e não convenceu na resposta. Ao repórter e tampouco aos telespectadores.

Num outro momento, enrolou-se toda para responder o “porque” de, no pleito passado, em que concorreu à eleição para Presidente (quando obteve quase 20 milhões de votos), ter ficado apenas em terceiro lugar (com diferença de 30 pontos em relação ao primeiro colocado) em sua terra natal, o Acre.  Isso seria uma espécie de “desaprovação” por parte daqueles que o conhecem mais de perto ??? Marina tergiversou e, de novo, não convenceu.

Enfim, Marina Silva, que no “debate” televisivo da noite anterior teria se saído bem, conforme seus adeptos, dessa vez mostrou-se despreparada quando questionada sobre questões prosaicas, mas que não constam da sua cartilha doméstica.

No mínimo, “baixou a guarda” e forneceu a senha para a investida dos adversários em outros confrontos frente a frente.


domingo, 24 de agosto de 2014


domingo bílis.
ele estava sentado atrás de um balcão encardido de um bar encardido. o cara atrás do balcão, olhos chorosos, reclamava de uma dor de dente infernal e de uma noite que não terminaria nunca. ele sorriu. imaginou essa noite sem fim. o copo. uma dose de algo que nunca acabasse. o cara do balcão perguntou as horas pela vigésima vez. ele disse que não importava, visto que a noite não terminaria. ela apareceu com os olhos de quem já tinha tentado outras vezes. sorriu,... ou pensou que sorria. errou o nome dele, ele não se importou. abraçou-a como se ela fosse a última oportunidade de fugir dessa noite sem fim. ela perguntou coisas, ele respondeu outras. não importava a falta de nexo. o filme continuava. ela disse que não sabia mais o que fazer. ele sugeriu outra dose de qualquer coisa. ela aceitou. ela aceitaria qualquer coisa. ele pegou os dois capacetes e seguiu em direção a moto. ele sabia que ela iria. ela reclamou do frio. sempre faz frio quando se está só, ele disse. depois da trepada ela perguntou seu nome. ele acendeu um cigarro. ela perguntou que musica era aquela. ele inventou um nome. ela dormiu. ele ainda ficou um tempo fumando outro cigarro e olhando as tatuagens nas costas dela. pensou em um mapa. pensou no cara do balcão. a noite. sem fim. a madrugada entrou pela janela pequena e ele se sentiu aliviado. ela faria café. e depois iria embora. com seus mapas nas costas. ela estava tão perdida quanto ele. pelo menos até que chegasse outra noite sem fim.


 

GUERNICA - O CUBISMO DA MORAL CAPITALISTA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O vento aqui no litoral é o centro cinético do estar. Penteado por ele, banhado pela folhagem cascateante, o écran, no entanto, rouba-me a atenção. De salto em salto em certos endereços “internéticos”, chego a um filme da BBC (afixada pelo substantivo Londres) sobre o quadro Guernica de Pablo Picasso.

Nome reduzido de Pablo Diego José Francisco de Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano da Santíssima Trindade Ruiz y Picasso. Esse longo e severo caminho do reacionarismo, pervertido e decadente da Espanha Imperial, dominada pela mais perversa facção da Igreja Católica Apostólica Romana. A Igreja matriz da alma inquisitória.    

O gênio do nome reduzido, fragmentando toda a pintura neoclássica dos Cavalheiros do Absolutismo não coube nas malhas sangrentas de sua Espanha. Paris era outro universo. Outro tempo, mais do que outro espaço. O poder do gênio sobre sua arte era tal que o reconhecimento público o suspendeu acima do comezinho das malhas sangrentas.

A ação do pintor e escultor derrubou todo o universo plástico daquela Europa cuja arte já era menor do que a fotografia. Uma foto dizia sobre aquele retratismo mais do que os traços e cores da herança renascentista, clássica e romântica. As marcas da luz na solução de prata eram mais perfeitas que os pincéis.

Mas não é nesta confrontação técnica que o problema do mundo se encontrava. Embora Picasso e sua era pensassem que fosse. A questão do mundo era política: a pobreza devastava as famílias e, no entanto, nunca houvera época anterior com tanta capacidade produtiva quanto as máquinas.

Picasso estava no cerne da revolução. Estava e não sabia que ela fosse política. As marchas nazifascistas nada lhes despertavam de consciência. A sua Espanha sangrava entre a força progressista da República Democrática e o reacionarismo militante da igreja medieval aliada de latifundiários e forças armadas de longos nomes com o de Picasso.

Mas, segundo a BBC, havia um antecedente político a infernizar a revolução estética de Picasso. Era igualmente Espanhol. Chamava-se Francisco Goya denunciando em sua pintura a luz maligna da destruição e da perversidade destrutiva das elites ameaçadas. E Picasso visitou sua Espanha aflita.

O famigerado surrealista Salvador Dali aderira às hostes reacionárias. Picasso foi convocado, mas recusou-se. Quando já em Paris uma bomba atingiu o Museu do Prado e seu fabuloso acervo. Picasso aceitou ser diretor do mesmo e transferiu muitas obras para Valencia. Uma das províncias republicanas.

Numa tarde o território Basco espanhol foi palco de um teste Alemão e Italiano sobre convocação de Francisco Franco o grande ditador do século XX espanhol. Bombas lançadas por aviões, arrasaram a pequena, desarmada, inofensiva, sem qualquer importância estratégica ou tática povoação de Guernica.

Nada ficou em pé. Morreu tanta gente quanto os palestinos em Gaza atualmente. Um cronista inglês descreveu a cena e suas consequências. Fotografou os escombros. Picasso viu a matéria num jornal de Paris com a foto expondo o deletério poder de destruição e de desgraça humana.   

Era 1937. Espanhóis na resistência ao poder fascista convocaram Picasso a se fazer presente com alguma manifestação no Pavilhão da República na Exposição Internacional de Paris. Picasso começou com uma série de postais cubistas, como uma história em quadrinhos que destruíam a imagem do franquismo. Mas não deu consequência a esta história.

Começou, então, a pintar o grande Painel que é Guernica. Uma construção cubista arrasadora e sem esperanças. Nela todo otimismo que pudesse existir na pós-destruição é anulado com a decomposição figurativa da maldade humana. Guernica é um profundo soco na moral, na ética e nos resultados do capitalismo triunfante, embora em sua fase destrutiva.

O efeito da pintura é politicamente revolucionário. É uma denúncia da moral argentária individualista que se assenhorou de todo o arcabouço social e econômico. Por isso, conta uma lenda, que um oficial nazista pressionando Picasso com as famosas incursões de amedrontamento, trazendo nas mãos um postal da pintura perguntou a ele: “Você fez esta pintura?” Picasso teria respondido: “Não, foram vocês!”

O fecho contínuo e não fabulado do espírito imoral do sistema capitalista. Autoridades americanas, através de um conjunto de mentiras, foram até a ONU anunciar a guerra ao Iraque. General Colin Powell se antecipando à máquina de destruição em massa termina o anúncio e vai para uma entrevista apocalíptica para iraquianos e terceiro mundistas.


Na sala em que daria a entrevista havia um grande painel reproduzindo a pintura Guernica de Picasso. Os cínicos imundos cobriram a pintura com um doce pano azul. As imagens do General não poderiam ser reportadas diante daquela denúncia. 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A ameixa no pudim de leite


                                                                                                          J. FLÁVIO VIEIRA

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
 Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector

                                                               Não tem bom sem defeito,  já reza a doce filosofia popular. Como caju, qualquer vivente deste mundão sem fronteiras, tem sempre um certo travo. Fossem os homens todos puros e imaculados, tornar-se-iam, quem sabe, igualmente insípidos e insulsos. A impureza é que os faz diferentes e únicos, que põe algum tempero no caldo que, claro, dependendo da intensidade, pode torná-lo saboroso ou intragável. A grande arte da vida tem seus segredos nesta cuidadosa cocção das nossas qualidades e extravagâncias.  Carregar nossa jornada apenas com virtudes pode nos tornar santos, mas perfeitamente assépticos. Faz-se mister dependurar, pelas beiradas,  algumas imprecisões, algumas falhas e incorreções que terminarão funcionando como a ameixa no pudim de leite.
                                                               Emengardo Loyola sabia disso por mera intuição. Ao longo de toda vida buscou dosar , com balança de precisão, predicados e pecadilhos. Transparecia, com algum estardalhaço suas qualidades : trabalhador incansável, pai de família carinhoso, uma certa carolice de papa-hóstia. Já as imperfeições apareciam algumas maquiadas e outras guardadas em cofre forte e sem senha. Percebia-se que era um pouco pão-duro, meio rapa de sola. Comentavam, também, os amigos,  das suas escapadelas, passando por baixo das cercas de arame farpado do casamento. Havia, por outro lado, um mistério difícil de desvendar. Emengardo não era rico, mas levava uma vida bastante confortável. Tinha casa própria, carro do ano, os filhos estudavam em boas escolas, a mulher não trabalhava por opção e contavam-se inúmeros imóveis  de sua propriedade. Trabalhava no setor de contabilidade de uma fábrica de sapatos há muitos anos. Auferia salário razoável e ganhara a inteira confiança dos seus patrões pelos longos e profícuos serviços prestados à empresa. Nem férias conseguia gozar, pois sempre o arregimentavam para quebrar os galhos e fechar as contas. Sua boa situação financeira sempre se imputava ao seu afinco ao emprego e, também, à sua crônica sovinice. O dinheiro entrava em sua conta em cano de quatro polegadas e saía gota a gota como em alambique.
                                                               O que ninguém sabia é que havia mais razões para a situação financeira folgada do nosso Loyola. Manipulando as contas e as verbas da firma, ele , funcionário de plena confiança dos patrões, encontrou maneiras de fazer esvair-se  dinheiro por canos paralelos, para pagamentos de empresas de fachada e que terminavam  engordando sua própria poupança bancária. Tornara-se, assim, meio sócio fantasma do negócio, sem que ninguém soubesse da empreitada. Emengardo ia de vento em popa com seu barquinho. Mantinha suas virtudes bem à mostra e também seus vícios menores os expunha com algum velamento. Tornara-se uma figura querida na cidade e, antes de tudo, humana: dosara de forma harmônica santidade e  transgressão.
                                                O diabo é que , com o passar dos anos, começou a pesar, na cabeça judaico-cristã de Loyola, o seu maior e velado vício : o surrupiamento clandestino das verbas da fábrica de sapatos. E aquele peso se foi tornando insuportável, até mesmo porque ele não podia dividir com ninguém: nem amigos, nem familiares, nem mesmo com  seu conselheiro religioso( temia a cobrança retroativa do dízimo). Um dia, por fim, ele tomou a decisão drástica: Já basta! Vou viver do meu salário!
                                               Nunca ninguém compreendeu bem a derrocada de Emengardo a partir daquele dia. As coisas começaram a minguar, caiu o padrão de vida, os filhos acostumados com uma vida mais folgada tiveram dificuldade de se adaptar aos novos tempos de cabritos magros. A esposa torceu o nariz e terminou resolvendo se separar do marido, antes que todo o patrimônio adquirido por tantos anos, fosse todo pelo ralo. Com o rabo entre as pernas, como cachorro em noite de São João, Loyola começou a ficar recluso, a se afastar dos amigos e até da igreja. Sua tristeza invadiu inclusive o seu ambiente de trabalho e os patrões começaram a olhar para ele com ar meio atravessado. Resolveram, por fim, demiti-lo, temendo que sua derrocada financeira o levasse a solapar o patrimônio da fábrica, para cobrir o buraco nas próprias finanças.
                                               Um dia, por fim, a faxineira  encontrou um bilhetinho no criado mudo, junto ao copo de 1080  que pendia de uma mão inerte:
                                               “Eu , como qualquer  simples mortal, era  edifício construído com caibros e ripas de poucas  virtudes e linhas, colunas e pilastras de muitos defeitos. Um dia resolvi, inadvertidamente,  derrubar a viga mestra de imperfeições que sustentava toda estrutura do prédio .  Ruí!”

Crato, 22/08/14 

A "hospedeira" - José Nilton Mariano Saraiva

Mais cedo do que se esperava, começou a célere e irreversível “debandada” no PSB, em razão do partido ter aceitado servir de “barriga de aluguel” para a candidata Marina Silva, de olho numa possível repetição da sua votação passada (o que acreditamos que não ocorrerá, quando ficar evidente que ela não tem “nada de diferente” dos políticos tradicionais).
O primeiro a “se mandar” foi um dos fundadores do partido e atual coordenador-geral da campanha do PSB, Carlos Siqueira, que houvera sido nomeado para a função pelo falecido Eduardo Campos. E saiu “tiririca da vida”, acionando sua metralhadora giratória em todas as direções, ao afirmar que Marina Silva “está longe de representar o legado de Campos”, já que ela quer mesmo é “mandar no partido”, mas que “como hospedeira da instituição, deveria respeitá-la”.
Também por discordar do novo caminho a ser trilhado pelo partido sob Marina Silva (ditado por mera conveniência eleitoral), o então coordenador de mobilização e articulação da campanha, Milton Coelho, igualmente indicado por Campos, pegou o bonezinho e... “fui”, presumivelmente por também corroborar da idéia de que Marina Silva está longe de representar o legado de Campos.
A verdade é que, se no primeiro momento da homologação de Marina Silva como candidata do PSB à Presidência da República a coisa já “fedeu’ tanto, é fácil imaginar que a “tempestade” braba que derrubou o avião de Campos parecerá um “chuviscozinho” qualquer, ante o que vem por aí, em termos de rebelião interna no PSB, se considerarmos o recado deixado por Siqueira: “Ela que vá mandar na Rede dela, porque no PSB mandamos nós”.
Só assim, quando o “pau começar a troar e torar” pra valer dentro das hostes pessebistas, pode ser que os eleitores em geral finalmente descubram (antes tarde que nunca) que o “animal político Marina Silva” não tem “nada de diferente” dos políticos tradicionais.
Afinal, ao “alugar” um partido político objetivando única e exclusivamente tentar a viabilização do seu desejo messiânico de galgar à Presidência da República, Marina Silva desdiz tudo o que houvera pregado até dias atrás: que os “partidos políticos” não passam de “ajuntamentos” de conveniências. Daí sua tentativa fracassada de fundar a sua “Rede Sustentabilidade”. Pois, por paradoxal que seja, Marina Silva é agora oficialmente a candidata do PSB. Por um "partido", sim senhor..
O fato irrecorrível e que não se pode escamotear é que, ao invés de “somar”, em sua chegada Marina Silva “divide”. E nem bem o embate começou, o PSB fragiliza-se, perde identidade e sai ferido gravemente. A prova é cristalina e “palpável”, para não deixar ninguém se enganar: são dois “graduados” quadros da instituição que se vão, dois “históricos” do partido que, em nome da coerência, abdicam da posição de realce que conquistaram dentro da instituição ao longo dos anos, mas que corajosamente optam pela orfandade partidária  (não há mais tempo de adesão a uma outra agremiação e eles certamente não aceitariam fazê-lo).



quinta-feira, 21 de agosto de 2014



Era pra ser apenas mais um carnaval...
E seria assim não fosse os descaminhos que a vida nos prepara.
Alfredo Ossian, um executivo perfeito, parado em frente à janela da sua sala, olhava para rua calado, inerte. Pensativo. Ora ria, ora sério, ora assoviava. Seu jeito sisudo de ser e o seu comportamento padrão, escondia naquele executivo, um homem carente de alegrias. Ávido de liberdade. Há tempos não sabia o que era um carnaval. Desde quando a adolescência se foi, ele assumiu a postura de homem sério.
Mas naquele ano a alegria lhe parecia chegar com toda a sua plenitude. Nada que mudasse o seu conceito sobre a festa. Afinal, o carnaval se reveste de dias de alegria. Liberdade e alegria em conluio se refazem nos quatro dias de festa. Mas a vida lhe exigira aquela postura.
Ninguém sabia, mas por trás daquela cara amarrada, estava um homem que amava. Também estava ali um homem que traía. Que se entregava às lides de Baco quando a liberdade o permitia.
Aos poucos o som do surdo se instalara na sua cabeça numa intermitente marcação de frevo, insistindo em não lhe deixar pensar em outra coisa que não fosse C A R N A – V A L... TUM-tum...TUM-tum...TUM-tum.... Nessa hora o sangue corre mais rápido nas veias daqueles que anseiam alegria. Corações em festa. São momentos em que a ansiedade de folião de repente se faz presente na cabeça e o pensamento lhe remete às velhas marchinhas tão presentes nos quatro dias de Momo....
♫ô abre alas que eu quero passar...eu sou da Lira não posso negar...Rosa de Ouro é quem vai Ganhar..
♫Êêêêuu fui uma tourada em Madriii...eeee quase não volto mais aquiii...prá ver Periii...beijar Ceciii....

Assim é que, em meio à multidão em festa, se vê passando um bloco do eu sozinho, outro bloco do nós juntos, e outro bloco, e outro, e outro... Avidez ambulante procurando alegrias coletivas regadas a largos brindes no banquete Dionisíaco. Uma parada aqui...outra ali... Nas esquinas, Nos bares e botequins o burburinho das palavras se misturavam. As pessoas trocavam ideias enquanto faziam planos para o reinado da folia.
Era sábado gordo. E era fim de tarde. Destaque para o Beco das Margaridas. Uma rua pequena onde ainda resistia o calçamento de pedra batida e de paredes largas denunciando a idade dos casarões que se transformaram em bares. Outrora lupanares, agora eram ambientes perfeitos para cervejas num fim de tarde. Entre os frequentadores do Beco das Margaridas, destacava-se Alfredo; aquela pessoa comum, séria, calada, muito querida na empresa em que trabalhava, onde era supervisor de vendas e coordenava uma equipe de seis pessoas que, formalmente, o tratavam por Dr. Alfredo Ossian.

Extremamente sério quando em serviço, Alfredo adorava uma mesa de bar e um happy hour regado à cervejotas e petiscos. Bastava a primeira dose para desabrochar o personagem que guardava a sete chaves. Eram momentos em que Alfredo se transformava numa pessoa alegre, descontraída, loroteiro, gostava de piadas e gargalhava alto sempre que algo lhe parecia engraçado.
Alfredo Ossian era casado com Rosa Aline, uma mulher loira, alta, bonita, dada às lides de casa. Cuidar de filhos era um passatempo. Carinhosa, porem, geniosa ao extremo. Há tempos, Rosa reclamava e desconfiava do marido. Inclusive, alguns rapapés já teriam sido gerados pela desconfiança e o ciúme de uma tal Leila. Bonita, morena, solteira e frequentadora do Beco das Margaridas.
Alfredo resolvera ir ao Beco e naquele dia encontraria amigos no boteco de sempre. Seria mais um encontro informal. Porém, o happy hour de hoje tinha uma cor e um ar diferente. O Boteco era o de sempre, os amigos eram os de sempre, mas o clima era outro. Era carnaval.
Alí, mulheres enfeitadas, espalhavam no ar o cheiro de perfumes afrodisíacos. Brilhos no pescoço em colares coloridos, pulseiras e pratarias lhes enfeitavam os pulsos e os dedos. O vermelho das bocas molduravam lábios carnudos e desejantes. Os olhos também brilhavam, assim como os olhos dos homens que, ao derredor, sonhavam orgias infindas.
Ao fundo, em meio às gargalhadas e ao tilintar de copos em brindes, as marchinhas começavam a encher o ar com uma eminente alegria, acompanhadas por um, ainda tímido, coral informal.
E assim...entre sussurros..., a noite começa. E o Carnaval chegou...
Hoje o dia passou rápido e a noite, sem rodeios, dava o ar da graça com um cenário colorido... teremos uma noite diferente. A alegria se instalara no Beco das Margaridas desde as ultimas horas da tarde deste sábado gordo.
A balada apenas começava. As calçadas agora já tomadas pelas mesas era o palco do carnaval. O ambiente momino se fez nascer de vez. Agora, pessoas iam e vinham. Umas voltavam para as suas casas, outras passavam, outras chegavam e ficavam. Siiiimmm...realmante já era carnaval.

Na calçada em frente, alguém com colar havaiano e camisa florida, cantarolava alto enquanto desenrolava no ar as primeiras serpentinas. Outros mais comedidos,   ensaiavam bitocas e combinações para o “mais tarde” baquiano. Desenroladas e atreladas aos fios elétricos, as serpentinas coloridas davam ao Beco das Margaridas, a sua perfeita fantasia.

De repente, aos olhos de Alfredo, o cenário do Beco se enfeita de vermelho. Era Leila que chegava em passos lentos. Num salto alto exibindo toda a graça de que lhe presenteara a vida. Lábios carnudos, olhos pretos e bem abertos,cílios postiços lhes realçavam e os cabelos encaracolados lhe escorriam pelos ombros. Vestia um vermelho com um generoso decote que, bem colado deixava à mostra a perfeição de um belo par de pernas e o arredondado perfeito de suas nádegas. Uma Deusa.
Olhos nos olhos, Leila passa como quem não quer nada mas, no fundo, se faz presente a uma ínfima distancia de Alfredo. Provocante...adocicando o ar.
Olhos nos olhos, agora mais insistente, Alfredo provocava uma aproximação desinteressada, porém, caliente. Conversaram bastante. Alfredo sentindo o clima, pensou duas vezes. Melhor não tentar... Deu de ombros...pediu a conta e se foi pra sua casa. No caminho a insistente imagem de Leila quase não o deixa ver as ruas, o transito. A medida que chegava em casa se lhe recobrava o juizo.
Dificil para Rosa Aline não perceber...não imaginar o que ocorrera. Já era praxe uma briguinha por causa do Beco das Margaridas. Porém, naquela noite, Alfredo não segurava o seu desejo de voltar e estar com Leila. Rosa notou a sua indiferença e sem hiato de tempo disparou:
• Conheço a sua cara de desconfiado. Com certeza estava acompanhado e eu já imagino com quem você estava...dizia Rosa.
Claro que eu estav com os amigos de sempre...Alfredo respondia à meia boca, asiim...meio calado.
A certa altura a discussão tomou outro rumo, cobranças de parte à parte e as agressões verbais também. Os ânimos se acirraram e Alfredo, de súbito, toma uma decisão: voltaria ao Beco das Margaridas. Não adiantou os pedidos de “fique” e nem as ameaças de Rosa Aline. A decisão se concretizou.
No trajeto de volta os pensamentos se misturavam entre a ira provocada pela discussão e a certeza de que reencontraria Leila. A paixão alimentada e tantas vezes recolhida viera como um relâmpago. Seu coração disparara. Por que não? Perguntava a si mesmo como que fosse uma justificativa ao que pensava em fazer naquela noite.
Ao chegar ao Beco das Margaridas uma ultima decisão. Na primeira oportunidade se declararia a Leila. Imaginava não ter outra oportunidade. A briga em casa, o carnaval, os drinks, o vestido de Leila, a boca, o perfume, tudo era pretexto.
Os amigos ainda estavam no bar. Mesmo desconfiados festejaram a volta de Alfredo que, atento, fazia passear os olhos procurando por Ela em meio aos foliões. A caminho do banheiro encontra a sua Deusa. Atrapalharam-se na passagem, bateram-se de frente e....buuuuummmm. “ é agora ou nunca mais – pensou...”
Investiu sem medo. Um beijo na boca carnuda selou de vez a realização de desejos há tempos guardados. E foi um beijo quente, molhado, em câmera lenta. A mão na nuca ajudava no passeio de sua língua na boca de Leila. Boca na boca, Tentando roçar pernas Leila correspondia aos carinhos enquanto Alfredo se deleitava por aquela que lhe despertou tanto desejo.
A noite seguiu, a partir daí, em clima de romance à la shakespeare. Mão na mão. Cadeiras coladas, promessas, palavras doces, carinhos no rosto, por vezes mão no ombro, por vezes mão na perna. Bitocas, línguas. Era enfim o sonho.
O surdo continuava a sua intermitente marcha. O vai e vém de pessoas não deixou que ninguém desse conta da chegada de Rosa Aline. Parada, estática em frente à mesa, assistia ruborizada a mais um beijo do casal recém-formado. Ela não podia acreditar no que via. Mas a surpresa veio acompanhada de uma incendiada revolta. Aí a ira e a geniosidade falou mais alto dando lugar à parcialidade.
Frente a um casal literalmente parado e de olhos esbugalhados ela parece calada enquanto o coração ainda lhe repete a cena que presenciara a instantes. Num trágico rompante, Rosa puxou da bolsa uma pequena pistola.
Naquele momento, entre os rufos da caixa de guerra e a marcação do surdo, ecoa um som estridente, quebrando o ritmo da musica. Rosa Aline dispara quatro tiros certeiros e fatais.
Dalí a não mais que alguns minutos o som que se ouve não é mais o som dos clarins de momo. Ecoa no Beco das Margaridas o som estridente das sirenes dos carros de policias e de ambulâncias.


Agora o Beco está quase deserto. No chão dois corpos. Dois filetes vermelhos se deslocam para o canto do meio fio. O casal está desfeito. Uma vela para dois. O vermelho da paixão, está desfeito em sangue que percorre o meio fio.
Rosa seguiu com os policiais, deixando para traz as cores carnavalescas, agora tristes, enlameadas pelo vermelho sangue que restou daquela tragédia.
O Beco das Margaridas está em silencio sepulcral. Está de luto. Ao longe, em outras plagas, ainda se ouvia, trazidos pelo vento, o som de um fim de noite de carnaval...

• ♫ ...é de fazer chorar, 
quando o dia amanhece 
e o ultimo frevo acabar

• ♫ ...Hó! quarta feira ingrata, 
chegou tão depressa , 
só pra contrariar...
(WILTON DEDÊ)
Fotos:Internet

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Capitão do Mato Virtual


                                                                                                                             J. Flávio Vieira

                                               Em meio ao denso nevoeiro dos trágicos acontecimentos destes últimos dias, fica sempre difícil se perceber bem os detalhes das múltiplas imagens e situações que se vão projetando , quase que estroboscopicamente, à nossa frente.  Em meio à maratona eleitoral, então, quando os ânimos naturalmente se acirram de lado a lado, a visibilidade se torna bem mais prejudicada. A perda repentina de Eduardo Campos, numa dessas catástrofes típicas dos nossos sangrentos agostos, abate-se sobre o país com estardalhaço. Desaparece uma das mais promissoras carreiras políticas do Brasil, em tempos de escassez de novas lideranças, de novos discursos. Eduardo encarnava o novo, percebia, claramente, que dificilmente este ano seria o seu, mas plantava sementes para  colher um pouco mais adiante. O Nordeste viu-se tolhido duplamente : Eduardo conhecia de perto nossas vicissitudes e agruras. O Cariri, então, viu-se ferido triplamente :  saiu de cena  um grande político brasileiro e nordestino, com profundas raízes fincadas no Sul Cearense.
                                   Como sempre, em meio à tragédia que se arrastou por toda semana, a comoção tomou de conta do país. O brasileiro tem  em si este estado de comiseração epidêmico. É do nosso feitio absorvermos , rapidamente , as tragédias nacionais, trazendo-as para dentro da nossa casa. Foi assim com Tancredo, com Getúlio, com Ayrton Senna. A Mídia, por sua vez, de olho na audiência, nem sequer consegue maquiar o prazer quase sádico em veicular, reiteradamente, as notícias mais tenebrosas. Sempre vesga, com um olho no gato e outro no peixe, faz ampla e interminável cobertura dos fatos, sem tirar o foco, porém, no outro lado da moeda : quem vai se beneficiar, politicamente, do inesperado acidente. Aí, claro, sempre puxa a brasa para sua tilápia: o poder econômico que lhe dá sustentação e, esse se associa, explicavelmente,  ao que há de pior e mais retrógrado na política brasileira ( a Direitona que há cinco séculos mama nas tetas públicas e esperneia quando alguma gotinha escapa por acaso e cai na boca do povão). A dor incomensurável da família ninguém respeita, fica sempre em segundo plano, vale o espetáculo midiático. A comoção do povo , às vezes multiplicada, esta é sempre verdadeira, mas serve-se como recheio de notícias, como pano de fundo ao que interessa, como catapulta a futuras  intenções  de votos.
                                   Há um outro lado, mais perverso e sádico que costuma acompanhar nossas grandes tragédias. Depois de alguns dias, quase que fincando um marco do fim do luto, começam a aparecer as famosas piadas de humor negro. Os psicanalistas talvez tenham uma resposta melhor para esta prática. Possivelmente, depois de um período de tristeza coletiva, o humor venha, por fim, fazer com que as coisas voltem ao normal, que o riso possa novamente aflorar nos lábios, que as catástrofes possam ser engolidas como um mero tropeço no trajeto  da humanidade.
                                    Este ano, no entanto, por conta do acirramento da campanha , no entanto, piadinhas de mal gosto, carregadas do mais negro  e despropositado humor, começaram a pulular, nas Redes Sociais quase que imediatamente.  Elas faziam um contraponto importante à consternação generalizada por que foi tomado o país. E, aí, surge uma pergunta inevitável ? Quais são os limites do Humor ? Tem-se o direito de brincar e fazer chacota com a dor alheia, sem respeitar o luto das famílias? Podemos fazer piadas sexistas, homofóbicas, racistas ? Não estaríamos, com isso,  desrespeitando pessoas ou alimentando chagas e preconceitos que a modernidade busca firmemente combater? Além de tudo, uma coisa é contar uma anedota numa mesa de bar e outra é divulga-la nas Redes Sociais, ao alcance de um número infindável de internautas.
Todos sabem que gosto de escrever textos de humor. Acredito, no entanto, que devem existir critérios éticos . Sei que nado contra a corrente e que os comediantes da atualidade têm a forte convicção que não há limites para a comédia. Pois bem, acredito que ninguém tem o direito de ser achincalhado, pessoalmente, por quem quer que seja. Sou contra, por exemplo, numa peça de teatro ou num show, se utilizar um espectador como bode expiatório, sem o seu expresso consentimento: parece-me sempre isso uma grande falta de criatividade.  O humor em cima de instituições, aí sim, tira-se a impessoalidade: fale-se do Governo, da Previdência, da Câmara de Deputados, do Senado. Corte-se, também, a rotulação, o grande motor de qualquer arraigado preconceito : todo judeu é avarento, toda bicha promíscua, toda loura burra. Isso apenas ajuda a solidificar segregações perniciosas e  seculares.     
   No caso específico do prematuro desaparecimento de Eduardo Campos, o humor negro demonstrou, claramente, que junto ao povo humilde e simples do Brasil, continua a existir uma elite perversa que persiste lutando pela manutenção da escravidão e solta seus capitães do mato, agora, nas selvas virtuais.

Crato, 19/08/14


Rir ainda é o melhor remédio! - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Nestes últimos dias, em que nossas emoções foram postas à prova de resistência e bem exploradas a quem interesse nelas tinham, nada melhor do que seguir o que recomendava nos anos pós-guerra a revista norte-americana Seleções do Reader's Digest. Então vamos lá...
**
Um bêbado que vagava sem destino pelas ruas da cidade, entrou numa casa na qual verificou um "entre e sai" de pessoas. Aproveitou-se disso e também entrou indo até a sala de visita, no centro da qual repousava um defunto em requintada urna funerária. O bêbado acomodou-se numa cadeira e ficou observando aquela triste cena. Chegava um e exclamava: "Meus Deus, ele morreu feito um passarinho"! A outro visitante alguém que assistira aos últimos suspiros daquele morto repetia o refrão: "morreu como um passarinho". Numa determinada hora em que a sala se encontrava vazia, somente o bêbado a velar o morto, entrou uma senhora e perguntou a ele:
- "De que foi que ele morreu?" - E o "bebum" na maior naturalidade respondeu:
-"Não sei se foi por falta de alpiste, tiro de espingarda ou de uma pedrada certeira da baladeira de algum menino..."(1)
***
 Um desses coronéis do sertão, semianalfabeto e ex-prefeito de uma cidade do interior do Piauí, foi conduzido a Chefe de Polícia do Estado. Todas as segundas-feiras os repórteres dos jornais vinham lhe perguntar: "Quantas pessoas foram assassinadas nesse final de semana?"
-"Que diabo é que vocês querem saber para darem notícias incompletas? Passem antes nas maternidades e procurem saber quantos meninos nasceram! Então vocês vão ver que é muito mais meninos nascendo do que gente morrendo!" (2)
****
Em outro governo, esse "coronelzão" foi nomeado diretor de uma espécie de "Codagro" de lá. Um dos programas do órgão era a venda de arame farpado a preços subsidiados. Certo dia o coronel escutou pelo rádio um inflamado discurso de um deputado, a dizer que seria assassinado dentro de poucos dias  na sua cidade, onde tinha seu colégio eleitoral. "Estou certo que serei assassinado pelo ódio dos pessedistas da minha terra!"  Ao se retirar da Assembléia, procurou o coronel para solicitar arame farpado para sua fazenda. Munido da autorização, estranhou ter recebido apenas um rolo de arame. Então voltou ao "coronel" para se queixar:
- "Como é que você autorizou somente um rolo de arame?"
- "Ora você acabou de dizer que vai morrer. Um rolo dá para cercar o seu túmulo e ainda sobra!"(2)

***
Na época da ditadura, aí pela metade da década de setenta, havia um senador cearense tão "voador",  que bem poderia integrar a lista da família do "Stanislaw Ponte Preta," personagem do jornalista e humorista Sérgio Porto, como  "Rosamundo, o distraído".  Ao visitar uma cidade do interior do Ceará, encontrou um ex-auxiliar, pessoa que gozou de toda sua confiança. Sem lembrar de onde o conhecia, emendou:
- "Mestre, como vai"? - Ao perceber que não fora reconhecido, o rapaz respondeu:
- "Senador, parece que o senhor não está me reconhecendo! É que estive na capital, passei uns quinze dias na praia e agora tou mais queimado"  - Ao que o senador emendou:
- "Ora Tomaz Queimado, como vai o teu velho pai, o meu grande amigo Júlio Queimado?" (2)
*****
De outra feita, nosso ilustre senador viajou de carro para Crateús em pleno mês de outubro. Foi acolhido na residência de um correligionário. Em dado momento, querendo puxar conversa, perguntou a uma rapaz que sentara-se ao seu lado:
- "E as chuvas? Tem chovido por aqui? - A essa pergunta o rapaz respondeu:
- Não posso responder Senador, porque fui eu que trouxe o carro que o senhor veio de Fortaleza até aqui. Sou o seu motorista. (2)

Por Carlos Eduardo Esmeraldo
(1) Conto de origem popular
(2) Extraídas e adaptadas de crônicas do jornalista Lustosa da Costa no jornal Diário do Nordeste 


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Premonição ??? - José Nilton Mariano Saraiva

Dentre os significados e/ou definições para a palavra “premonição”, o Dicionário Houaiss (página 2288) nos ensina tratar-se de... “acontecimento que deve ser tomado como aviso, presságio, advertência” ou ainda... “sensação, pensamento, sonho, visão, etc. do que está para ocorrer” (ipsis litteris).

A transcrição acima, nos remete à divulgação pela televisão de um vídeo colhido menos de dois meses atrás, e só divulgado agora, após o acidente fatídico onde o presidenciável Eduardo Campos acabou por perder a vida, em razão de um desastre aéreo até agora não explicado.

Pois bem, ali vemos o presidenciável chegando apressado a uma reunião politica na Associação Comercial de Maringá-PR, quando, ainda de pé, se desculpa pelo atraso de cerca de duas horas. Ao tomar assento à mesa, de viva voz expõe e esmiúça aos presentes a razão da demora: é que o avião que usaria no trajeto Londrina-Maringá simplesmente havia apresentado uma pane elétrica na hora da decolagem, daí ter que fazer o percurso entre as duas cidades, via terrestre.

Bem humorado, brinca com a ocorrência e conclui, sorrindo: “ainda bem que foi em solo; imaginem se já tivesse decolado”

Pois é, o avião contratado para servi-lo durante toda a campanha por esse Brasilzão afora continuou sendo usado diuturnamente (talvez sem uma revisão mais rigorosa) e... deu no que deu.


O aviso fora ignorado.  

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

"Nada de diferente" - José Nilton Mariano Saraiva

Em 13.08.14, o jovem candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, teve seu sonho interrompido de forma abrupta e violenta, ao ser vitimado na queda do avião que o transportava para um ato político, em Santos-SP.  

Quatro dias depois (em 17.08.14), foi velado e enterrado na sua querida Recife. Nesse interregno (14 a 16.08.14), o jornal Folha de São Paulo houve por bem mandar seu pesquisadores às ruas a fim de auscultar a população sobre em quem pretendiam votar na eleição que se realizará daqui a menos de dois meses. Só que com um detalhe: já estampando o nome de Marina Silva como substituta de Campos, embora nem homologada pelo partido sua candidatura, ou seja, no auge da comoção fúnebre pela morte do candidato. Tabulados os dados, o resultado não poderia ser outro: Marina Silva suplanta Aécio Neves (despachando-o da corrida presidencial ???), e ameaça a então líder, Dilma Rousseff.

Ora, quem acompanha o noticiário político tomou conhecimento que meses atrás Marina Silva literalmente “detonou” todos os partidos políticos, por considerá-los um ajuntamento de pessoas com interesses não tão republicanos, daí sonhar em fundar a sua “Rede Sustentabilidade”, que seria algo diferente, conforme adiantou. Nunca, jamais parecida com um partido. A partir da própria denominação; "rede" ao invés de "partido".

No entanto, por não atender às exigências da legislação eleitoral, viu sua pretensão obstada e, então, esquecendo tudo o que dissera e declarara publicamente sobre os “partidos políticos”, Marina Silva  escolheu e filiou-se ao minúsculo PV, concorrendo à Presidência da República, obtendo surpreendentemente quase 20 milhões de votos.

Agora, de olho na possibilidade de “herdar” tão estupenda votação, o PSB se dispôs a funcionar como “barriga de aluguel” para Marina Silva, oferecendo-lhe o lugar de “vice” na chapa encabeçada por Eduardo Campos. E aí, picada pela mosca azul, Marina Silva mostrou que não tem “nada de diferente” dos políticos tradicionais e se prostituiu de vez (por mera conveniência pessoal), já que, por paradoxal, individualmente tinha o dobro das intenções de voto do próprio Eduardo Campos, candidato cabeça-de-chapa.  

E, como até hoje, tirante a questão ambiental ninguém sabe o que pensa Marina Silva a respeito das questões “macros” do país (metas inflacionárias, economia internacional, política energética, parceiros preferenciais, pré-sal e por aí vai) o melhor mesmo é não se deixar levar pelo “voto-comoção” e esperar que Marina Silva, se realmente for a candidata-herdeira, se desnude nos debates que virão mais à frente. Aí, veremos quem é quem.

Além do que e por enquanto, será interessante observar se os “falcões” do PSB aceitarão de bom grado que ela se eleja pelo partido e abandone-o mais à frente para fundar a sua “Rede Sustentabilidade”, como já o declarou em mais de uma oportunidade. Sem dúvida, uma desmoralização pública para o PSB, ou o atestado inconteste de “sigla de aluguel”.

No tocante à pesquisa do DataFolha, não há como não considerá-la “tendenciosa”, face ao inapropriado período em que se realizou: quando ainda se processavam as buscas pelos restos mortais do candidato e mesmo durante o seu velório. Claro que isso foi determinante para se chegar ao resultado hoje divulgado.


Assim, independentemente dos atores políticos envolvidos, resta-nos esperar pra ver se o “voto-fúnebre” prevalecerá nesse interstício de dois meses até a eleição. Uma coisa é certa: muita água ainda vai rolar por baixo dessa ponte.