por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A ameixa no pudim de leite


                                                                                                          J. FLÁVIO VIEIRA

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
 Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector

                                                               Não tem bom sem defeito,  já reza a doce filosofia popular. Como caju, qualquer vivente deste mundão sem fronteiras, tem sempre um certo travo. Fossem os homens todos puros e imaculados, tornar-se-iam, quem sabe, igualmente insípidos e insulsos. A impureza é que os faz diferentes e únicos, que põe algum tempero no caldo que, claro, dependendo da intensidade, pode torná-lo saboroso ou intragável. A grande arte da vida tem seus segredos nesta cuidadosa cocção das nossas qualidades e extravagâncias.  Carregar nossa jornada apenas com virtudes pode nos tornar santos, mas perfeitamente assépticos. Faz-se mister dependurar, pelas beiradas,  algumas imprecisões, algumas falhas e incorreções que terminarão funcionando como a ameixa no pudim de leite.
                                                               Emengardo Loyola sabia disso por mera intuição. Ao longo de toda vida buscou dosar , com balança de precisão, predicados e pecadilhos. Transparecia, com algum estardalhaço suas qualidades : trabalhador incansável, pai de família carinhoso, uma certa carolice de papa-hóstia. Já as imperfeições apareciam algumas maquiadas e outras guardadas em cofre forte e sem senha. Percebia-se que era um pouco pão-duro, meio rapa de sola. Comentavam, também, os amigos,  das suas escapadelas, passando por baixo das cercas de arame farpado do casamento. Havia, por outro lado, um mistério difícil de desvendar. Emengardo não era rico, mas levava uma vida bastante confortável. Tinha casa própria, carro do ano, os filhos estudavam em boas escolas, a mulher não trabalhava por opção e contavam-se inúmeros imóveis  de sua propriedade. Trabalhava no setor de contabilidade de uma fábrica de sapatos há muitos anos. Auferia salário razoável e ganhara a inteira confiança dos seus patrões pelos longos e profícuos serviços prestados à empresa. Nem férias conseguia gozar, pois sempre o arregimentavam para quebrar os galhos e fechar as contas. Sua boa situação financeira sempre se imputava ao seu afinco ao emprego e, também, à sua crônica sovinice. O dinheiro entrava em sua conta em cano de quatro polegadas e saía gota a gota como em alambique.
                                                               O que ninguém sabia é que havia mais razões para a situação financeira folgada do nosso Loyola. Manipulando as contas e as verbas da firma, ele , funcionário de plena confiança dos patrões, encontrou maneiras de fazer esvair-se  dinheiro por canos paralelos, para pagamentos de empresas de fachada e que terminavam  engordando sua própria poupança bancária. Tornara-se, assim, meio sócio fantasma do negócio, sem que ninguém soubesse da empreitada. Emengardo ia de vento em popa com seu barquinho. Mantinha suas virtudes bem à mostra e também seus vícios menores os expunha com algum velamento. Tornara-se uma figura querida na cidade e, antes de tudo, humana: dosara de forma harmônica santidade e  transgressão.
                                                O diabo é que , com o passar dos anos, começou a pesar, na cabeça judaico-cristã de Loyola, o seu maior e velado vício : o surrupiamento clandestino das verbas da fábrica de sapatos. E aquele peso se foi tornando insuportável, até mesmo porque ele não podia dividir com ninguém: nem amigos, nem familiares, nem mesmo com  seu conselheiro religioso( temia a cobrança retroativa do dízimo). Um dia, por fim, ele tomou a decisão drástica: Já basta! Vou viver do meu salário!
                                               Nunca ninguém compreendeu bem a derrocada de Emengardo a partir daquele dia. As coisas começaram a minguar, caiu o padrão de vida, os filhos acostumados com uma vida mais folgada tiveram dificuldade de se adaptar aos novos tempos de cabritos magros. A esposa torceu o nariz e terminou resolvendo se separar do marido, antes que todo o patrimônio adquirido por tantos anos, fosse todo pelo ralo. Com o rabo entre as pernas, como cachorro em noite de São João, Loyola começou a ficar recluso, a se afastar dos amigos e até da igreja. Sua tristeza invadiu inclusive o seu ambiente de trabalho e os patrões começaram a olhar para ele com ar meio atravessado. Resolveram, por fim, demiti-lo, temendo que sua derrocada financeira o levasse a solapar o patrimônio da fábrica, para cobrir o buraco nas próprias finanças.
                                               Um dia, por fim, a faxineira  encontrou um bilhetinho no criado mudo, junto ao copo de 1080  que pendia de uma mão inerte:
                                               “Eu , como qualquer  simples mortal, era  edifício construído com caibros e ripas de poucas  virtudes e linhas, colunas e pilastras de muitos defeitos. Um dia resolvi, inadvertidamente,  derrubar a viga mestra de imperfeições que sustentava toda estrutura do prédio .  Ruí!”

Crato, 22/08/14 

A "hospedeira" - José Nilton Mariano Saraiva

Mais cedo do que se esperava, começou a célere e irreversível “debandada” no PSB, em razão do partido ter aceitado servir de “barriga de aluguel” para a candidata Marina Silva, de olho numa possível repetição da sua votação passada (o que acreditamos que não ocorrerá, quando ficar evidente que ela não tem “nada de diferente” dos políticos tradicionais).
O primeiro a “se mandar” foi um dos fundadores do partido e atual coordenador-geral da campanha do PSB, Carlos Siqueira, que houvera sido nomeado para a função pelo falecido Eduardo Campos. E saiu “tiririca da vida”, acionando sua metralhadora giratória em todas as direções, ao afirmar que Marina Silva “está longe de representar o legado de Campos”, já que ela quer mesmo é “mandar no partido”, mas que “como hospedeira da instituição, deveria respeitá-la”.
Também por discordar do novo caminho a ser trilhado pelo partido sob Marina Silva (ditado por mera conveniência eleitoral), o então coordenador de mobilização e articulação da campanha, Milton Coelho, igualmente indicado por Campos, pegou o bonezinho e... “fui”, presumivelmente por também corroborar da idéia de que Marina Silva está longe de representar o legado de Campos.
A verdade é que, se no primeiro momento da homologação de Marina Silva como candidata do PSB à Presidência da República a coisa já “fedeu’ tanto, é fácil imaginar que a “tempestade” braba que derrubou o avião de Campos parecerá um “chuviscozinho” qualquer, ante o que vem por aí, em termos de rebelião interna no PSB, se considerarmos o recado deixado por Siqueira: “Ela que vá mandar na Rede dela, porque no PSB mandamos nós”.
Só assim, quando o “pau começar a troar e torar” pra valer dentro das hostes pessebistas, pode ser que os eleitores em geral finalmente descubram (antes tarde que nunca) que o “animal político Marina Silva” não tem “nada de diferente” dos políticos tradicionais.
Afinal, ao “alugar” um partido político objetivando única e exclusivamente tentar a viabilização do seu desejo messiânico de galgar à Presidência da República, Marina Silva desdiz tudo o que houvera pregado até dias atrás: que os “partidos políticos” não passam de “ajuntamentos” de conveniências. Daí sua tentativa fracassada de fundar a sua “Rede Sustentabilidade”. Pois, por paradoxal que seja, Marina Silva é agora oficialmente a candidata do PSB. Por um "partido", sim senhor..
O fato irrecorrível e que não se pode escamotear é que, ao invés de “somar”, em sua chegada Marina Silva “divide”. E nem bem o embate começou, o PSB fragiliza-se, perde identidade e sai ferido gravemente. A prova é cristalina e “palpável”, para não deixar ninguém se enganar: são dois “graduados” quadros da instituição que se vão, dois “históricos” do partido que, em nome da coerência, abdicam da posição de realce que conquistaram dentro da instituição ao longo dos anos, mas que corajosamente optam pela orfandade partidária  (não há mais tempo de adesão a uma outra agremiação e eles certamente não aceitariam fazê-lo).