por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 25 de agosto de 2018

Sabah





                                               A pracinha encarnava ,naquele domingo,  seu  destino sabático. Os meninos corriam em volta,  iluminando com sua alegria  a fonte que um dia já fora luminosa. Casais conversavam, despreocupadamente, nos bancos espalhados em meio aos jardins que um dia já haviam florido. Velhos, em rodinhas  esparsas,  tricotavam sua infinita colcha de fofocas. Mulheres de meia idade transitavam com ar circunspecto, em busca dos templos,  com seu rosário de pedidos de proteção às divindades de sua devoção. No parquinho,  outros meninos revezavam-se na gangorra, nos escorregadores, nos tubos, nas casinhas com uma felicidade cristalina, transbordando das retinas. Nas barracas pessoas empanturravam-se de filhós, de sucos, de sandubas , de salgadinhos. Uma senhora vendia pipoca , um outro ambulante, bombons. O moço , em uma das extremidades da fonte, alugava carrinhos e motinhas para as crianças nelas montarem seus sorrisos. Outros vendedores ofereciam balões e pequenos brinquedos com a orientação infalível para a gurizada : “Chora que mamãe compra!”
                                    Ao redor da pracinha,  as lanchonetes estavam prenhes de bocas famintas , em busca do maná infalível dos domingos, dia também sabático dos afazeres domésticos: as pizzas. Todos pareciam celebrar não a sagração do fim de semana, mas a perspectiva depressiva da segunda que prometia reencaixar  as engrenagens em moto-contínuo das suas vidas repetitivas e comezinhas, em copiar-colar. Nas ruas laterais, carros passavam céleres,  carregando caras fechadas que previam a continuação do trabalho de Sísifo.
                                    A igreja da sé , defronte,  já tinha empreendido seu repicar de sinos, um álacre alerta aos fiéis. Naquele dia, quebrando suas milenares tradições, saíra do templo para ver o mundo lá fora. O sacerdote, nas festividades da padroeira, celebrava o culto num grande palco, para uma  comitiva de beatos, que, com ar algo distante, regateava os loteamentos do paraíso, balbuciando, em mantra , orações e preces quase que maquinalmente. Ao redor do palco, religiosos acertavam os últimos preparativos para a quermesse que devia se iniciar logo ao final da missa.
                                    De repente, alguns estampidos secos. Sobre um dos bancos da pracinha o corpo ensanguentado e in extremis de uma mocinha. Alguns novos componentes acrescentam-se ao cenário: a polícia vasculhando casas vizinhas em busca do homicida, por fim preso. Uma criança chorando inconsolavelmente. Uma iluminação especial para a tragédia: incontáveis luzes de celulares filmando, com um indisfarçado ar mesclado de revolta e de satisfação, a prisão do assassino e  o corpo já sem vida da mocinha no banco, que esperaria horas pela vinda da cavalaria , para o gáudio das redes sociais.
                                    Ao redor, o mundo nada se modificou. Os meninos continuaram a brincar, as pizzas desciam calmamente de goela abaixo, as conversas, nas rodinhas, apenas ganharam um assunto a mais. A missa continuou seu rito impassível, com os fiéis pedindo bênçãos, desejando “a paz de Cristo”, prometendo cristãmente solidariedade, amor e confraternização entre os irmãos. Um corpo jazia exangue sobre o banco. Ao derredor, as almas afogaram-se num plácido e impassível oceano sem marolas ,  o pantanoso  Mar da  Normalidade.

Crato, 25/08/2018     

“PDT: BARRIGA DE ALUGUEL” – José Nilton Mariano Saraiva


Quem, algum dia, em sã consciência, imaginaria que o tradicional e glorioso PDT, de Getúlio Vargas e Leonel Brizola, se prestaria a servir como “barriga de aluguel” a fim de saciar a sede de poder de pessoas que vivem a usar a atividade política como um rentável meio-de-vida, daí não se importarem de trocar recorrentemente de partido, o fazendo por mera conveniência ???  
Como entender que uma agremiação de tantas batalhas e glórias, porquanto forjada na luta pelos direitos dos trabalhadores e dos mais necessitados, não mais que de repente se permita servir de hermético “bunker-protetor” de indivíduos sem identificação nenhuma com o ideário programático da sigla getulista ???  

Afinal, ao aceitar o ingresso dos Ferreira Gomes em seus quadros, o PDT nada mais fez do que relegar o belo legado de fidelidade e coerência dos seus dois encimados líderes, porquanto o histórico dos novos integrantes da agremiação não deixa dúvidas: para o atendimento de demandas pessoais, já se serviram de uma miscelânea de agremiações tão díspares quanto diametralmente heterogêneas ideológico-programaticamente, dentre as quais a antiga ARENA (Ditadura), PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS.

Além do que, ao aceitar sujeitar-se aos Ferreira Gomes, o PDT  traiu vergonhosamente um quadro histórico e da estirpe de um Heitor Ferrer, este, sim, um político digno, leal e merecedor do respeito de todos nós, mercê de uma atuação cuja característica maior é a coerência e o respeito à agremiação e aos seus eleitores,  daí o ”caminhão” de votos que consegue carrear em cada eleição (a propósito, Heitor Ferrer já deve ter sido expulso do PDT ou “convidado” a de lá se mandar).

Ou alguém tem alguma dúvida que a principal “imposição” (dentre muitas que se seguirão) dos neo-integrantes que o PDT  recepcionou, foi única e exclusivamente servir de “rampa” para que o senhor Ciro Gomes tente decolar como candidato à Presidência da República e, em termos locais, garantir que a vaga para concorrer ao Governo do Estado seja antecipadamente reservada para o atual detentor da prefeitura de Fortaleza (Roberto Cláudio), um mero “soldado” dos Ferreira Gomes ???

No mais, lembremos do “estrago” que os Ferreira Gomes causaram à família “Novaes” (irmãos Sérgio e Eliana), aqui de Fortaleza, que, de dirigentes estaduais do PSB, literalmente foram “obrigados” a de lá se mandar após a chegada dos sobralenses, só retornando e retomando o comando da sigla após o falecido presidente nacional da agremiação, Eduardo Campos, negar-se peremptoriamente a ceder a Ciro Gomes a vaga de representante do PSB na corrida presidencial, a ele (Eduardo) reservada ???

Como olvidar, ainda, o que o falastrão Ciro Gomes fez com o seu padrinho-político, Tasso Jereissati, responsável pela ascensão dele e da família Ferreira Gomes na política cearense ???)  

Enfim, a realidade é que, por falta de seriedade e respeito aos seus eleitores e simpatizantes, a esta altura o “atestado de óbito” do PDT já terá sido devidamente lavrado no cartório competente, e que na sua “laje-sepulcral” constará o vergonhoso epíteto de “barriga de aluguel”.