por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A latrina no horário nobre



J. Flávio Vieira

                                               Uma polêmica divide a classe artística do país: deve-se exigir ou não autorização dos interessados,   em casos de biografias ?  O Código Civil, atualmente, reza que qualquer cidadão pode impedir a publicação de biografias a seu respeito, se se sentir atingido na honra, boa fama ou respeitabilidade ou se se destinarem as biografias a fins comerciais. Atualmente, existem impedidas de publicação biografias de : Raul Seixas, Roberto Carlos, Guimarães Rosa.  A Associação Nacional dos Editores de Livros, no entanto, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma ADIN ( Ação Direta de Inconstitucionalidade), justificando que a proibição das biografias não autorizadas fere frontalmente o preceito constitucional da Liberdade de Pensamento. Artistas se posicionaram, imediatamente,  em falanges diferentes. Um grupo importante chamado “Procure Saber” que inclui : Milton Nascimento, Erasmo e Roberto Carlos ,Chico Buarque, Caetano Velloso, Djavan, Gilberto Gil dentre outros, é frontalmente contrário à ação; já o GAP ( Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música) que engloba músicos como Frejat, Alceu Valença, Léo Jaime, Leoni e Dudu Falcão entendem que as biografias devem ser produzidas sem necessidade de prévia autorização.
                                               Não sendo advogado, percebo que o embate não diz respeito, apenas aos simples pontos levantados nas notícias : Direito à Privacidade X Liberdade de Pensamento. Há , certamente, junto a tudo isso a importante questão do Direito ao uso da imagem. Artistas célebres e famosos não se conformam, claro, que suas vidas sejam expostas sem sua autorização expressa e, mais, alguém (biógrafos e editores) lucre fartamente com isso , sem que nem um centavo cai na caixinha do artista.  Os defensores da liberdade biográfica dizem que  se o biografado se sentir atingido de alguma forma, poderá ir à justiça em busca de indenizações por danos morais ou por conta do uso indevido da imagem, sendo, no entanto, necessário lembrar a lerdeza da justiça brasileira. Muitos, por outro lado, já deverão ter falecido e já não terão voz para se defender e apresentar outras versões mais palatáveis que as apresentadas pelos jornalistas.  Além do mais, em caso de difamações ou calúnias,  a simples indenização não cobre o dano terrível muitas vezes causado pela veiculação de uma notícia escabrosa ( mesmo que verdadeira). Uma vez quebrado o colar de pérolas,  já não é  mais possível refazer e montar  todas as peças.
                                               Se a gente observar direitinho os dois grupos, são justamente os artistas mais  midiáticos e importantes do país que se posicionam contra o liberou-geral. Certamente, são eles que mais têm a perder nesta questão. Serão os mais biografados e suas vidas as mais especuladas e dissecadas. Quanto mais podres encontrados : mais mídia, mais polêmica e mais Best-Sellers.
                                               Vou meter minha colher nesse angu de caroço. Sinto-me a antítese do biografado. Minha vida não daria sequer um cordel e empacaria a venda em qualquer barraquinha de feira. Sem glamour, sem aventuras mais pitorescas, sem tramas rocambolescas, percebo minha clara isenção para falar do melindroso assunto. Não há vida que sejam livros abertos, amigos. Todos nós temos nossas páginas pregadas com goma arábica no meio do tomo. Se escarafunchar mesmo não existem heróis nesse mundo : nem santos, nem valentes, nem honestos sem máculas. Cada um de nós carrega o Dr. Jekyll e o Dr. Hyde bem pertinho. Às vezes, um simples e mínimo defeito físico nos tortura, uma deformidade de caráter, uma orientação sexual nos atravanca a vida. Mesmo a Liberdade de Pensamento, como bem maior, tem lá seus limites. É justo , por exemplo, em nome dela, estimular o preconceito? Defender o Nazismo ? Propalar o extermínio por fogo dos moradores de rua ? A privacidade de cada um de nós é um Direito Sagrado. O que se passa na alcova e no banheiro só a mim interessa. Ninguém tem o direito de invadir este espaço, sem meu franco consentimento e tornar públicos segredos que só a mim interessam. Isso não é Bulling ?
                               As histórias trágicas envolvendo até mesmo Memórias de Família são corriqueiras. Pedro Nava, o maior memorialista brasileiro, fala da quantidade de inimigos que arranjou na própria parentada, quando começou a traçar o perfil pouco abonador de alguns ascendentes. Recentemente, um escritor na região , num livro sobre a sua vida, mostrou uma visão própria e desabonadora do próprio pai: foi motivo suficiente para a intriga de irmãos e sobrinhos. Imaginem tudo isso escrito por terceiros e,  mais: além de chafurdar na latrina ainda ganhar dinheiro com isso?  Como vocês reagiriam lendo a biografia do pai ou avô com detalhes sórdidos de crimes cometidos, de trapaças realizadas às escondidas, de distorções sexuais impensáveis , mesmo que sabidamente verdadeiras ?
                               Há países de primeiro mundo como França, Estados Unidos, Reino Unido e Espanha  onde as biografias não autorizadas são permitidas, mas as indenizações são prontas e rápidas àqueles que sofreram algum tipo de difamação. Aqui, o destino dos caluniados e difamados seria  seguir uma procissão enorme de recursos a processos, enquanto o esterco espalhava-se ventilador afora. Leis de primeiro mundo pressupõe-se sejam aplicadas com justiça do mesmo jaez.
                               Posso parecer retrógrado, mas continuo defendendo que o diálogo entre mim e a latrina não precisa ser filmado e veiculado como atração no horário nobre.

A "fotografia" - José Nilton Mariano Saraiva

Não deve existir coisa pior no mundo para o ser humano do que ser pego no “flagra”, no exato momento do cometimento de algum deslize ou da materialização (prática) de um ato excrescente, não tão convencional, que vá de encontro aos bons costumes e à normalidade. E quando tal situação ou momento é “imortalizada pela fotografia” (a tal prova provada) e posteriormente veiculada em primeira página num veículo de penetração nacional, como um jornal de grande circulação, por exemplo, o constrangimento de quem a praticou deve ser algo amazônico, capaz até de fazê-lo recolher-se durante um tempo, até que a poeira baixe e os ânimos serenem. Pelo menos pra quem tem um mínimo de “simancol”.

Pois bem, como é de conhecimento público, a última eleição para a Prefeitura de Fortaleza foi pau puro, briga feia, embate acirrado, jogo bruto e pra lá de pesado, com acusações de ambas as partes: de um lado, o candidato da prefeita sainte (Luizianne Lins) e de outro, o candidato do governador do Estado (Cid Gomes). No meio, como fiel da balança e alvo de todas as atenções, quem findou levando a melhor foi o eleitor dos bairros periféricos da capital, porquanto caminhões e mais caminhões, com carradas de “dinheiro vivo”, teriam sido distribuídos na noite anterior ao pleito. E aí, por uma apertada margem de votos (teoricamente comprados) o candidato apoiado pelo senhor Governador do Estado acabou por suplantar o indicado da prefeita.

Vida que segue, compreensivelmente, dia seguinte, as manchetes (garrafais) dos jornais matutinos da capital se referiam ao seu resultado, destacando a minguada vitória de um praticamente noviço na política cearense, o médico e deputado Roberto Cláudio, criação da “grana desenfreada” e da equipe de marqueteiros da máquina governamental (sim, porque se pessoalmente trata-se de uma figura afável, esteticamente é um autentico desastre: baixinho, careca, redondo de gordo e pesando quase 200 quilos).

Pois bem, muito mais que a manchete do jornal em si, o que chamou a atenção foi a “fotografia” colorida de meia página (na primeira página), publicada para ilustrá-la: nela, com um sorriso de orelha a orelha e claramente turbinado por alguma substância milagrosa (excesso de álcool ???), o assessor do Governador, ex-prefeiturável, ex-governamentável, ex-tudo e, por fim, secretário de Governo, senhor Ferrúcio Feitoza, deixara de lado a formalidade do terno e gravata e carregava nos ombros, sozinho e até com certa facilidade, o peso-pesado Roberto Cláudio e seus quase 200 quilos.

Foi o bastante para se compreender o repentino destaque conseguido pelo senhor Ferrúcio Feitoza que, de uma hora pra outra passara a ser “vendido” como um dinâmico e moderno gestor, modelo de executivo a ser cortejado e imitado, tanto que houvera sido mencionado como concorrente ao cargo do agora prefeito eleito; na realidade, cristalizou-se na opinião pública a certeza de que tal figura não passava de um monumental puxa-saco, bajulador asqueroso e sem nenhum escrúpulo.

Meses após, pra seu azar, através das “redes sociais” (sempre elas) o senhor Ferrúcio Feitoza foi novamente “flagrado”, como sempre sorridente, só que dessa vez dentro do carro do amigo Governador do Estado (evidentemente que no banco de carona), num desses passeios em que o chefe do executivo cearense se permite realizar sem a companhia do motorista particular e todo o seu séquito de seguranças.

O “detalhe” curioso da bendita “fotografia”: como que para corroborar o pejorativo “juízo de valor” que houvera sido emitido lá atrás a seu respeito (na época da eleição), o senhor Ferrúcio Feitoza dessa vez levava, não nos ombros, mas no próprio colo, dedicando extremada atenção, carinho e zelo, o “cachorrinho” do chefe (ninguém sabe se chegou a levar alguma “mijada”).  

PUXA (vida, haja) SACO, como pode alguém se submeter a tamanhos vexames, pelo e em nome do poder ???