por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 9 de março de 2013

Vem !




                               "Eu não acredito em caridade.
 Eu acredito em solidariedade.
Caridade é tão vertical: vai de cima para baixo.
Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro.
 A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas."

Eduardo Galeano

                                   Há algo de novo  pairando por sobre o céu do Cariri, além dos urubus, das pipas  e do Aedes aegypti.  Paulo Freire, com a clarividência que carregava um dos maiores educadores da humanidade, afirmava que havia lutado toda vida para que a justiça social chegasse primeiro que a Caridade. É que a Caridade, amigos, é sempre meio vertical, como tão bem esclareceu nosso Eduardo Galeano; ela, em geral, não traz consigo aquele sentido libertador. De alguma maneira, os caridosos transparecem, claramente, que gostariam que continuassem a miséria e a pobreza para que eles nunca parassem de minorar seus muitos conflitos interiores ajudando aos famintos e pobrezinhos. Se eles não mais existirem, o que será de nós ? --Devem pensar consigo mesmos . As classes mais favorecidas sempre se indignam  quando a miséria lhes bate aos olhos. Reclamam daquela ignomínia, todos são perfeitamente a favor da distribuição de renda, desde que não se mexa, um pouquinho que seja,  com o nosso  quinhão. Qualquer iniciativa no sentido de reverter um pouco este quadro dantesco, a coisa pega fogo. Vejam o Bolsa Família! A revolta da elite é geral : estão viciando os pobres! Desde que inventaram isto, não se arranja mais empregada doméstica , nem trabalhador rural !  Revoltam-se por já não poder pagar uma diária de dez reais ao homem do campo e um terço de salário mínimo aos seus domésticos! O negócio é pagar uma miséria e depois compensar com uma caridadezinha e ficar-se imaginando, depois,  o maior benfeitor da humanidade, com poltrona garantida na corte celestial !
                                   O ouvinte, talvez, não tenha percebido, mas há algo de novo nos ares caririenses,  nos últimos três anos. Um grupo de adolescentes  ,quase duzentos,  todos de Classe Média, reuniu-se, há três anos,  nas férias escolares,  e montou um Projeto chamado : “Vem, vai ter Sorriso !”  O intuito é pedir doações junto à comunidade e depois distribuir cestas básicas com as famílias mais carentes  que são escolhidas, , cuidadosamente , em entrevistas nos bairros mais pobres. Os meninos visitam o comércio, fazem pedágio e promovem shows beneficentes para arrecadação de alimentos não perecíveis. A última edição do Projeto, acontecida em janeiro e fevereiro últimos, amealhou quase três toneladas de víveres. Os shows aconteceram no SESC/ Crato ,  por todo um final de semana, o SESC que ,como sempre,  tem sido o templo da cultura cratense. Inúmeras bandas caririenses compareceram, levando sua contribuição musical , estimando-se um público de mais de duas mil pessoas no evento. O “Vem , vai ter sorriso” não aceita qualquer ingerência nas suas ações seja de política partidária, de grupos religiosos, de entidades comerciais ou filantrópicas. O projeto não é centrado em figurinhas carimbadas, as decisões são tomadas sempre em reuniões amplas. Utilizam, ainda , os meios de comunicação onde circulam com mais desenvoltura : as Redes Sociais. O poder de arregimentação deles é impressionante ! Recentemente foi motivo de uma extensa reportagem televisiva veiculada no Noticiário do Cariri e em todo o Ceará.
                                   O ouvinte pode não entender o que há de novo no “Vem, vai ter sorriso!” Vemos, novamente, as novas gerações preocupadas com as questões sociais que lhes mancham os olhos. Podiam estar em bares, em festinhas, nos clubes, metidos com vícios de cardápio variado,  mas, ao invés disso, de repente, de forma espontânea, resolvem pingar um pouco das gotas que têm em mãos para tentar apagar o incêndio. Percebem que a solução para as nossas graves doenças sociais depende de política pública, mas não cruzam os braços e esperam as iniciativas de Brasília. Sabem que cada um de nós , por vontade própria, é também capaz de minorar a fome de alguns, de fazer brotar sorrisos , de aplacar o sofrimento, assumindo nossa parte, independentemente das ações de outros agentes sociais.E o mais importante de tudo é que, saindo do abrigo, da cômoda vida de todos, da estabilidade familiar, de chofre se vêm diante de outras realidades penosas e desumanas. Muitos , ao entregarem as cestas, saem das palhoças com olhos marejando e isto é engrandecedor. Aprendem valorizar as pequenas coisas desta vida e, mais, despertam para a necessidade de mudança, com a certeza de que o mundo é um sistema de vasos comunicantes e que não é possível ser feliz sozinho. A solidariedade é sempre um caminho de duas mãos : ofertamos por uma das vias e nos beneficiamos pela outra.
                                   O “Vem , vai ter Sorriso! “  traz um novo alento para o mundo, deixa-o mais respirável, mais róseo, mais oloroso. Os meninos talvez não tenham descoberto ainda,  mas, como já se disse:  restará sempre um pouco de perfume nas mãos daqueles que ofertam flores...

J. Flávio Vieira

TODO DIA É DIA DA MULHER

MULHERES
Janice Japiassu

Com um pano de seda encarnada
Costuramos as vestes do amor
Contra a negra descrença do amado
Acendemos uma vela sem cor

Replantamos no chão esse verde
Que a cultura do homem arrancou
Cultivamos sementes sozinhas
Com a certeza do céu e da flor

Não tememos a luz nem as trevas
Rastreamos a luz no escuro
Recolhemos a lágrima eterna
Não fechamos o céu com um muro

Não chamamos a dor de tolice
Nem o choro do amor de histeria
Não rimamos feliz com medíocre
Não fazemos do sexo, orgia

Do abandono fazemos os filhos
Retirando do corpo, alegria
Não compramos poemas vazios
Nem fazemos, do medo, teorias.

Onde, atados, os sonhos se partem
Fenecendo de pura asfixia
Impedidos da brisa da tarde

Habitamos o mar, o mistério
O profundo segredo da Terra
Conversamos com Deus, com o eterno
E jamais inventamos as guerras

Também nunca inventamos pecados
Nem serpentes, nem culpas, nem dor
Nem igrejas, governos, cadeias
Nós nascemos pras artes do amor

Somos antes, durante, depois
Dos infernos, dos céus, dos partidos
Nos encanta o corpo do mundo
Com sua alma de sangue e de viço

E rezamos pra Nossa Senhora
Jesus Cristo e pra Madalena
À Aristóteles, Comte ou Descartes
Preferimos a nossa Novena

É por isso que, em nós, o céu dança
E as estrelas também, se é preciso
Entendermos de tudo que é vida
De esfinges e de Paraísos.


Por V inícius de Moraes



A mulher que passa


Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida?
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Ontem foi o dia internacional da mulher.
Às mulheres simples, inflamadas de amor, minha reverência!