por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Por Tiago Araripe

Crato internalizado
November 12, 2014
Por Tiago Araripe
Assim como eu, meu mundo interior nasceu no Crato. Não foi um parto rápido. Veio sem pressa e determinou o ritmo em que eu caminharia. Nasceu nos textos que meu avô José de Figueiredo Filho pedia que eu datilografasse, a troco de picolés da sorveteria Bantim. Catando milho numa velha máquina, eu via as palavras marteladas no papel ganharem forma e sentido. E era como se marteladas dentro de mim fossem. Esse mundo nasceu também de uma tarefa demandada algumas vezes pelo meu avô: gravar, num gravador de fita, manifestações de reisados, banda de pífanos e maneiro-pau, sons de uma cultura ancestral e muito rica. Nasceu de uma primeira longa conversa com o amigo Emerson Monteiro na Praça da Sé, onde pude trocar ideias a respeito dos livros que pegava para ler, aleatoriamente, na estante dos meus pais Jósio e Eneida. Surgiu no relacionamento com as primeiras namoradas, naquela mesma praça. Nasceu do entusiasmo de lançar, com Assis Lima e outros amigos, o jornal Vanguarda, impresso na gráfica onde era confeccionado o tradicional periódico da cidade, Ação. Nasceu de uma admiração que nunca arrefeceu por aquela geografia de serra e vale, de nascentes e verdes, de palmeiras e água corrente nas levadas, de rostos que contavam, sem palavras, histórias de vida e de luta de um povo. Nasceu nas cenas que saltavam aos olhos nas telas do Cine Cassino ou dos cinemas Moderno e Educadora, eu driblando porteiros para ver filmes que a censura não permitia. Nasceu de tudo que a imaginação me permitiu viver num centenário sobrado da Praça da Sé, cheio de morcegos e traquinagens compartilhadas com meu irmão Flamínio. (Sobrado que, aliás, já não existe, assim como a casa dos meus avós José e Zuleika, onde nasci, e quase todas as outras onde morei.) Nasceu quando, já estudando no Recife ou morando em São Paulo, pude perceber melhor o universo que era minha cidade, com suas contradições e contrastes que começavam no meu próprio ambiente familiar, na religiosidade da família da minha mãe e na austeridade da família do meu pai. Quando pude dar mais valor a uma diversidade cultural onde cabiam desde os Irmãos Aniceto, remanescentes indígenas dos pés de serra, ao conjunto Ases do Ritmo, dos bailes no Crato Tênis Clube. A vida me conduziu por paisagens urbanas mais densas, onde tudo pede urgência e velocidade. E onde, em curioso contraste, cavalos de força, a despeito de sua potência, pouco se movem, congestionando as pistas. Onde os meios de comunicação dão cada vez mais espaço ao que é de consumo rápido e onde há pouco lugar para exotismos como originalidade. Entretanto, cá dentro de mim, está o Crato. Não é apenas uma memória, saudosismo a que se permite o sexagenário que sou. É uma vivência que colocou em mim respiradouros e horizontes. Isso certamente não é tão amplo quanto os dois séculos e meio desse aniversário tão marcante, mas vale uma vida inteira.    
 
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