por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 10 de novembro de 2012

Porque hoje é sábado - José do Vale Pinheiro Feitosa


Nas cidades praianas os dias ensolarados azougam a preguiça das manhãs. Mas aos sábados quando o sol começa a curvar-se no horizonte surge um desejo de sair. De acontecer algo fora da rotina. De sair de casa ao encontro de grandes acontecimentos. Grandes acontecimentos lúdicos.

Vinícius de Moraes em seu Dia da Criação dá ao sábado o sentido de ordenação do trabalho e de modo distinto dos judeus e cristãos sabatistas, ele é o sexto dia e o domingo o último. O seu famoso refrão “porque hoje é sábado” neste poema extrai todas as consequências do sábado ao sexto dia da criação quando Deus cria a humanidade. A humanidade é o redemoinho que gira o trabalho e por isso o sábado.

Todos os dias da semana são dias de encontro pelo estudo, pelo trabalho ou por necessidades culturais. Mas no dia de sábado é como se fosse a celebração de um encontro diferente das obrigações, das rotinas e rituais. Os sábados não apenas são um novo redivivo como é o cessar do mesmo cotidiano.

Atrair ou ser atraído para encontros. Para ouvir música. Ir ao Shopping. Dançar forró. Tomar umas e comer outras. Sair pelas estradas em busca do vizinho. Aos restaurantes de Juazeiro, reviver a tradição imperceptível de encontrar algo diferente nas moças de Barbalha.

Mesmo quando tudo que resta é um filme solitário no DVD ou um livro envolto em silêncio, mas saliente em mundos incrivelmente ruidosos. O sábado continua, mesmo que marginal, sendo o pano de fundo em que a cena da vida desenvolve o seu entrecho.

E o sábado é mais raiz quando a vida já repetiu mais de três mil destas criaturas do enredo da gênese. Os sábados da nossa cidade. O brilho das roupas de sábado, os penteados de sábado e aquele olhar indiferente só para demonstrar a diferença dele em relação aos outros.

Os sábados estrelados no firmamento e as luzes de ânimo das doses de Cuba Libre ou do fermento inebriante destas louras geladas. E nosso corpo, por efeito paradoxal toma-se de calor de tal modo abrasador que derrete todas as conveniências sociais. E como um ferreiro molda-se uma espada suplicante por uma bainha.

Ao som de um bolero. Um samba canção. Uma dor de cotovelo, no lado oculto da lua, aonde os olhares moralista nunca chegam, uma fusão quase total, uma vez suspensa neste quase por estes implacáveis tecidos de roupas. Mas os odores de ambos se misturam num silêncio anterior ao dia da criação.

A noite já passou da estação das 22 horas aí neste horário normal e das 23 horas aqui no horário de verão e tudo isso porque hoje é sábado. E amanhã é domingo.    

Dia da Criação - Vinícius de Moraes. 



Leilões

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Na novela “Gabriela”, recém reapresentada na TV brasileira, numa adaptação do Romance do nosso centenário Jorge Amado, há uma cena típica da época retratada : a Ilhéus dos anos 20.   Ina, uma quenga novinha, cheirando a cueiro, tem sua estréia de gala no Bataclã, quando sua virgindade é posta em leilão pela cafetina Maria Machadão, expondo-a aos esfaimados coronéis baianos do ciclo do cacau. Pareciam imagens típicas de um período pretérito, aqueles tempos em que o casamento era uma mera instituição burocrática, uma fábrica de fazer herdeiros e manter o patrimônio das famílias mais abastadas; sem nenhuma ligação com os prazeres de alcova, geralmente procurados pelos homens, nos cabarés,  junto às profissionais do ramo. Hímen, então, era apêndice de luxo, guardado e velado a sete chaves; passível de, roto, impelir pessoas aos crimes mais hediondos. A preservação quase que doentia desta película, inclusive, precede ao cristianismo e à pretensa virgindade de Maria. Gregos, Fenícios e Romanos  vigiavam as fronteiras sexuais das suas moças, mais que os muros dos seus castelos.
                                               Nas últimas décadas, no entanto, aparentemente, a virgindade viu esvair-se   sua importância. A iniciação sexual dos jovens tem começado cada dia mais precocemente e ninguém mais se preocupa com essa história de selo. Os meninos se queixam , inclusive, que é um saco, que dá trabalho, que atrapalha. E , mais, deixou de ser condição sine qua non no casamento, ninguém se encuca mais com a inauguração, com o invicto, com quem primeiro passou pela porta da loja, mas sim com o conteúdo do estabelecimento. Virgindade,  de virtude,  passou a ser démodé, brega, a cheirar a mofo e a cafonice.
                                               A  notícia que invadiu a imprensa, nos últimos meses, pois, parece , no mínimo, estranha.  Catarina Magliorine , uma linda catarinense de vinte anos, resolveu leiloar sua virgindade, na internet. Existe, inclusive, um site especializado neste leilão eletrônico e se chama “Virgins Wanted”. Na última quarta –feira , um japonês ( o Coronel Jesuíno do momento ) viu o martelo bater e arrematou a prenda por , nada mais-nada menos ,que um e meio milhões de reais. O Bataclã do Século XXI será instalado em um avião e a lua de mel acontecerá num vôo entre a Austrália e os Estados Unidos.
                                               Nesta semana, ainda, noticiou-se, Brasil a fora,  uma outra calamidade. No município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia, a virgindade de meninas índias é comprada por um Celular, uma peça de roupa, uma caixa de chocolate ou por R$ 20,00. Existe todo um esquema criminoso envolvendo comerciantes locais, militares, motoristas  e até políticos no aliciamento de menores.
                                               Reflitamos um pouco sobre estas questões. Os casos do Amazonas não são tão diferentes do Bataclã do nosso Jorge Amado. Crianças são levadas à prostituição por mero instinto de sobrevivência . Já a nossa Catarina expõe-se, publicamente,  num leilão,  na busca desvairada pelo sangri-lá do consumo, inseto que já ferroou, inclusive, as nossas indiazinhas que se entregam , às vezes, por roupas de marca. A virgindade, talvez, pela raridade nos dias de hoje, volta a encantar . Se ontem mantinha seu infinito valor por conta da dificuldade em ser defenestrada, hoje reassume os valores de outrora, pouco a pouco, por vir se tornando um objeto em franco processo de extinção. O japonês e os meliantes do Amazonas compram-na , a preço de mercado, com a mesma sanha de um colecionador que adquire um Renoir para exibi-lo como parte da sua coleção. Nenhum dos dois tem qualquer amor à arte, fazem-no com a simples intenção de se mostrar para outros membros da sociedade, de pousar de bacana. Só. 
                               Como se vê, a história dos nossos costumes parece  andar em círculos. De repente, a virgindade volta a entrar em foco, a prostituição que se pensava seriamente ameaçada pela liberalidade sexual, reacende seu vigor; claro que com nuances e tonalidades diferentes. O imutável é apenas a Lei Internacional da Supremacia dos Poderosos sobre os Desafortunados. Continuamos numa mesma sociedade de castas, onde tudo está posto num balcão de negociação, tudo !  Dinheiro e poder compram tudo : amor verdadeiro, como dizia Nélson Rodrigues; beleza; santidade; reputação; saúde. Por enquanto,  apenas a morte ainda não entrou no processo de licitação, mas seu adiamento, sim.  A honra , neste mercado, vale alguma coisa entre o meio milhão de Catarina à caixa de chocolate das indiazinhas do Amazonas. 

J. Flávio Vieira

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