por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 13 de junho de 2012


Por isso eu canto assim - por José do Vale Pinheiro Feitosa



Cafona, brega, caipira, matuto, beiradeiro! Eita, isso eu sou!

E ainda mais ouvindo Carlos Gonzaga, num radinho de pilha, na calçada da frente, olhando o canavial e sonhando com aquela musa que tudo podia sobre mim:

O Iraci,
Ai como eu amo a ti,
Sem ti não sei viver,
Mas que coisa louca,
É amar alguém...

Mas que Iraci mais danada meu deus! Podia me encharcar de amor, me deixar assim meio sem...sem prumo, sem saber o que mais sabia que era viver. E tinha mais. Era uma coisa louca, coisa louca deve ser o melhor que o mundo germina, derrubando estas xícaras arrumadas para o café, começando a manhã como se fosse outra coisa, uma coisa que é amar alguém. Ainda com aquele arranjo de balada, bem balançante, como eram aquelas músicas dos americanos que impregnaram o sangue da juventude por meio do cinema.

Eu sou feliz,
Por ti querer assim
Sem ti não sei viver
Eu ficar sem ti
É bom morrer!

E tinha o Gala Campina, o Canarinho, o Bigodinho, o Bico de Prata, e os altos galhos do Pé de Timbaúba, tão como Iraci, que dava a felicidade. Tem coisa mais alta, mais acima, no topo do que ser feliz. Ti querer assim, mas tanto que nem o ar se leva em conta, nem a água ou a rapadura, menos ainda a farinha, querer assim sem mais saber como viver. E nunca me faltes, o Iraci, pois se eu ficar sem ti, o mundo todo já sabe eu vou ao mais supremo do amor, ao mais radical da doação que sem você é bom morrer.

Desde que eu ti vi,
Nunca mais te esqueci
Tive a sensação que ia ser feliz,
E o pouco amor que eu pedi a ti
Foi negado a mim
Por isso eu canto assim.

Um simples olhar, aquele que imanta, que puxa, agarra, prende. Um olhar que substitui todos os olhares já havidos e por haver. E quando se falar em esquecimento, ainda é pouco, nada tem com lembranças, nem memórias, é um tudo contínuo, que sempre existiu, sem paralelas. E o mais sublime de todos os desafios que o mundo deu em escarpas e vendavais, eu te pedi um pouco que fosse e tu me negaste. E negar não é igual a um sim. Não é dual a este. Negar, para este pouco que ti pedi, Iraci, é igual a morrer, quando se diz vida, é como ir se a placa é de pare. Negar, um pouco de amor que seja é, em troca, oferecer ao negado, o legado da mágica espada do amor que nunca cessa, sempre existirá como possibilidade e jamais como cotidiano, feito o sabão a lavar pratos, a água sanitária no vaso. Negar é força do sol que sempre surge no horizonte quando se ausentou só para eternizar-se nas manhãs.


Poema contrito
Verdade descrita
Imagens que se formam
na mente enlouquecida ... Coração !

- Oração !
O poeta adormece
e amanhece esquecido

socorro moreira

Da janela do ônibus - por Everardo Norões


Apenas da janela do ônibus
enxergamos
as vértebras do vidro.
Unhas dilaceram veias.
E no semáforo,
quando tudo para
vomitamos sobre o mundo
a tensão de um segundo.

Somente de pé,
no ônibus,
é possível provar
a ração do descaso.
No horizonte raso,
o suor da distância
recompôe nosso medo.

As moedas se descobrem
no convexo da palma.
No barulho do aço
a cercar a cintura,
somos animais
do acaso.

Gado
inerte e mudo:
sem ferro ou pasto.

Silvero Pereira - A arte existe para tremer os conceitos



Professor, ator, diretor, pesquisador,  proletária da arte assim é o jovem que com apenas três décadas tem na sua bagagem muita história para contar.  Silvero vem desenvolvendo um trabalho significativo que une pesquisa, experimentação estética/artística e comprometimento político com as questões do movimento LGBTTT. O artista enfatiza “Acredito que a nossa sociedade ainda não está preparada para compreender as questões de sexualidade na nossa atualidade, por isso utilizo minha arte para provocar, tirar do conforto, confrontar e questionar os paradigmas”.

Alexandre Lucas – Quem é Silvero Pereira?

Silvero Pereira -  é um garoto que completa 30 anos agora em junho (20). Garoto porque aos 12 anos começou a  trabalhar para ajudar nas despesas da família, trabalhando de dia e estudando a noite e com isso nunca teve tempo de curtir sua infância, sua imaginação. Assim, aos 30 anos e tendo 14 anos dedicados ao teatro, descobriu nessa arte a possibilidade de viver sua infância perdida, de poder brincar, criar, imaginar e realizar. Entretanto, tudo isso é com muita responsabilidade e dedicação. O Silvero, como me enxergo, é um batalhador, um trabalhador que acredita naquilo que faz, que faz teatro por necessidade, seja essa necessidade de viver, de brincar, de questionar ou de expor inquietações.

Alexandre Lucas – Quando você teve seus primeiros contatos com a arte?

Silvero Pereira -  Desde pequeno eu já realizava algumas manifestações artísticas, sempre gostei de pintar, desenhar e nas brincadeiras de criança sempre fazia dramatizações, imitações de filmes, novelas, mas tudo de forma muito intuitiva. Meu real contato com o Teatro se deu aos 17 anos quando ingressei no ETFCE (atual IFCE) para fazer Ensino Médio e Técnico em Turismo. Assim, nas aulas de educação artística decidi por teatro e com o Paulo Ess (professor na época) pude enxergar o teatro compromissado com a arte, com a formação de artistas e de platéia. Desde modo, me envolvi, ingressei no grupo de Teatro da Instituição, fui fazer curso de Teatro após Ensino Médio e desde e então faço Teatro. 

Alexandre Lucas – Fale da sua trajetória:

Silvero Pereira -  Comecei em 1997, na Cia Dionisyos de Teatro com direção de Paulo Ess. Dentre meus espetáculos como ator estão "Filé Com Fritas ao Vinagrete“, "O Rei Que Não Sabia Ler", "O Suicida", "Ray Tex" e "Meu Admirador Secreto”, todos com direção de Paulo Ess; com exceção do último que teve como diretor o Autor e Pesquisador Fernando Lira. Em 2000 ingressei para a CIA LUA de Teatro, onde atuaria nos espetáculos "Rosa Escarlate, "Dominus Tecum" e " Não Confirmo Nem Duvido", todos com direção de Ueliton Rocon. No mesmo ano criei o Grupo Parque de Teatro, por meio da Fundação Parque de Formação Integral do Tapuio na cidade de Aquiraz, onde desenvolvo  um trabalho social e voluntário com crianças e jovens usando a arte como mecanismo educacional e social. Com o Grupo Parque de Teatro realizei a montagem dos seguintes espetáculos : “O Destino a Deus Pertence” (2002), “O Mistério da Cascata” (2004), “Muito Barulho Por Nada” (2005), “Conte Lá Que eu Conto Cá!” (2007) e " A Incrível Jornada de Vicente e a Estrela Cadente" (2012). Ainda em 2005, pelo mesmo grupo estreie  o solo “Uma Flor de Dama” , tendo minha direção, texto adaptado, interpretação, cenário, figurino, maquiagem e sonoplastia.Com este solo participei de mais de 16 festivais por todo o Brasil (CE, PE, PA, DF, RN, BA, MG, ES). Em 2006 atuei em “Dorotéia”, com direção de Herê Aquino, pelo Grupo Expressões Humanas. E no período de 2001 a 2004 atuei no Grupo Bagaceira de Teatro nos espetáculos: “Os Brinquedos No Reino da Gramática” (com direção de Renata Gomes), “Ano 4 D.C.” e “Engodo” (ambos com direção de Yuri Yamamoto). 
Atualmente sou integrante e encenador do Grupo 3x4 de Teatro, de Fortaleza-CE onde dirigi os esquetes:“As vivas cores da ilusão”, “Para Sempre Fiel” e “Confissões Entre Paredes”, “Para Uma Avenca Partindo”, “Os Sobreviventes”, "Red Roses", "Terça-Feira Gorda" e “Creme de Alface”, na mesma dirigi os espetáculos “As Rosas”, “Aniversário de Casamento”, “Curtas nº 1”, “Curtas nº 2”, "Para Papai Noel..." e "Silvestres". Em 2009 dirigi o espetáculo “Tudo o que eu queria te dizer” da Cia. Lai-tu de Teatro (Fortaleza) e , como professor do Curso Princípios Básicos de Teatro, realizei a montagem de “Alice – Nem tudo que parece é” (2009). Em 2010 estrei o terceiro trabalho de minha pesquisa sobre o universo das travestis cearenses com o título de “Engenharia Erótica – Fabrica de Travestis” com o Grupo Parque de Teatro. No mesmo ano estrei no espetáculo “S./A. Sociedade Anônimna” Produção do Grupo 3X4 de Teatro; o Solo “DEPOIS DO PONTO” e “Mixórdia – Encontro Desordenado de Fragmentos” no Curso Princípios Básicos de Teatro, do qual sou  professor e onde estreei em agosto de 2011 o espetáculo de conclusão “E SE...”. Já em janeiro de 2012 realizei a montagem de "Cabaret Show: Yes, Nós Temos Bananas!" e trabalho na montagem de 03 espetáculos com previsão de estreia ainda neste ano: "Metrópole" do Grupo 3X4 de Teatro; "Quanto vale o preço de quem paga o seu verdadeiro amor" do CPBT; "Quem Tem Medo de Travesti" com o Grupo As Travestidas.

Alexandre Lucas –  A sexualidade é uma das temáticas abordadas no seu trabalho. Como você ver essa questão?

Silvero Pereira -  Eu estou no Teatro porque ele me dá a oportunidade de expor minhas angústias, minhas inquietações com questões sociais. Acredito que a nossa sociedade ainda não está preparada para compreender as questões de sexualidade na nossa atualidade, por isso utilizo minha arte para provocar, tirar do conforto, confrontar e questionar os paradigmas, os conceitos e os "pré". Nossa sociedade precisa de esclarecimento e o teatro permiti, pelo menos na forma como executo, que as pessoas vejam e reflitam, não aponto conclusões, aponto desconforto naquilo que pensam.

Alexandre Lucas – Como ocorre a sua  pesquisa para construção do seu trabalho teatral?

Silvero Pereira -  Minha pesquisa é longa e cautelosa, não consigo levar nada para a cena de imediato, gosto de analisar, estudar, pesquisar, re-avaliar. O meu processo criativo dura em média entre 8 meses a dois anos de elaboração até chegar há um resultado. Essa pesquisa parte de experimentações estéticas, laboratórios corporais, emocionais, pesquisa "in locus", anotações, discussões, ensaios abertos e pesquisa acadêmica.

Alexandre Lucas – Como você ver a relação entre arte e política?

Silvero Pereira -  Necessária. Nós, artistas, temos a política nas mãos. Nós também somos formadores de opinião, ou pelo menos capazes de provocar questões e isso por si só já é ser político. A arte existe para tremer os conceitos, uma obra que não causa, que não modifica, que não desestabiliza, não tem finalidade. Só entramos em cena ou só pintamos um quadro porque queremos expor nosso ponto de vista perante à sociedade. Isso é política.

Alexandre Lucas – Qual a contribuição social do seu trabalho?

Silvero Pereira -  Meu teatro caminha em duas mãos. A primeira tem haver com a transformação social realizada no comunidade do Taupio (Distrito de Aquiraz) onde há 12 anos existe o Grupo Parque de Teatro. Neste local eu cheguei em 2000 para mostrar as crianças o que o teatro tinha de significado pra mim. No início a Comunidade encarava o Teatro como distração, lugar para deixar os filhos durante um turno para os pais terem tempo livre. Hoje a mesma comunidade encara o teatro como profissão, desejam ver os filhos no teatro. Hoje alunos meus são professores e coordenadores de arte na comunidade, são estudantes de Artes Cênicas e constituíram famílias e estabilidade financeira por meio da educação que receberam na arte. Já em segundo plano está meu trabalho no movimento LGBTTT, pois há 10 anos atrás iniciei uma pesquisa sobre o teatro e o transformista e hoje, anos depois, olho para a  cidade de Fortaleza, ou mesmo o nosso estado do Ceará, e vejo a minha colaboração. Hoje é possível ver travestis em bares, transformistas sem medo de mostrar a sua arte em qualquer local, ou mesmo quando escuto de pais e mais que assistiram meus espetáculos dizerem " Eu hoje compreendo e respeito melhor o meu filho, porque você me fez ver o quanto fui cruel!" 

Alexandre Lucas – Além desta abordagem sobre sexualidade, quais outras questões são enfatizadas no seu trabalho?

Silvero Pereira -  Meu trabalho tem haver com aquilo que no momento me incomoda. Atualmente tenho falado muito sobre sonhos, amizade, resiliência, infância e mundo Trans. 

Alexandre Lucas – Quais os próximos trabalhos?

Silvero Pereira -  Meus próximos trabalhos em vista são os seguintes:

Setembro : "Quanto vale o preço de quem paga o seu verdadeiro amor" do Curso Princípios Básicos de Teatro do Theatro José de Alencar
                        " Metrópile" Grupo 3X4 de Teatro

Outubro: " Quem Tem medo de Travesti" Grupo As Travestidas. Esse deve estrear no Cariri

Dezembro: Um infantil de natal ainda sem título pelo Grupo 3X4 de Teatro

Já em 2013: o musical "Yes, Nós Temos Bananas!" e um infantil sobre travestis e transformistas, ambos pelo Grupo As Travestidas
                      "Translendário 2013"         

A esquerda que não ousa dizer o seu nome - livro de Vladimir Safatle


A questão da igualdade e das diferenças no atual estágio da história da humanidade. Isso é importante uma vez que caracterizou o mundo desde o século XIX a idéia de uma igualdade entre os homens a que se chamou socialismo/comunismo com um número razoável de vertentes de como fazer a igualdade.

Antes uma ressalva: as principais perversões do capitalismo (acumulação) e do comunismo (concentração de poder) terminaram de alguma forma no mesmo denominador comum. Quer dizer: o poder de opressão de poucos sobre todos. A diferença básica entre os dois é que o capitalismo é um modelo econômico enquanto o comunismo um modelo essencialmente político.

Em ambos a igualdade se desfaz em contradições e por incrível que pareça a individualidade se encastela numa casamata defensiva ao mundo que lhe cerca. O capitalismo como modelo econômico é visitado pela política constantemente, com freios e contrapesos que evitem o excesso de acumulação que destrói a liberdade e a democracia. As ideias neoliberais do final do século XX e início deste século foram políticas e, portanto, com repercussões na forma de organização e vida dos indivíduos.

Os neoliberais como pensamento ideológico e político ainda estão com algum prazo de validade embora nos leve a crer que já vencido em alguns casos bastante evidentes neste momento. Especialmente por ser incapaz de uma autocrítica que extraia respostas à acumulação em poucos e a pobreza de todos.

Já o pensamento socialista como ideologia e política se debate na própria crise do fim da guerra fria e agora quando as ideias neoliberais entram em crise real, favorece a autocrítica do pensamento de esquerda, tornando-o mais aberto e consoante com a história. O Vladimir Safatle publicou o livro “A esquerda que não teme dizer o seu nome” levando Caetano Velloso a fazer uma crítica na sua coluna dominical no jornal O Globo ao que o Vladimir o respondeu com o seguinte e inovador pensamento sobre o modo de tratar as diferenças num pensamento de esquerda. Leia abaixo: 
   
Caetano critica minha maneira de defender o igualitarismo, vendo nisso um arcaísmo. Para ele, tal igualitarismo não seria muito diferente do tom opressivo da esquerda “indiferente” e “universalista” de sua juventude. Esquerda para quem questões de raça, sexo, nacionalidade e estética eram diversionismo que nos desviariam da revolução.

Longe de mim querer diminuir a importância dos apelos de modernização social embutidos em demandas de reconhecimento da diversidade de hábitos e culturas. Estas são questões maiores, por tocarem diretamente a vida dos indivíduos em sua singularidade. Não se trata de voltar aquém das políticas das diferenças e de defesa das minorias. Trata-se de tentar ir além.

Quando afirmo que devemos ser indiferentes à diferença é por defender que a vida social deve alcançar um estágio no qual a diferença do outro me é indiferente. Ou seja, a diversidade social, com sua plasticidade mutante, deve ser acolhida em uma calma indiferença. Que para alcançar tal estágio devamos passar por processos de abertura da vida social à multiplicidade, como as leis de discriminação positiva. Isso não muda o fato de não querermos uma sociedade onde os sujeitos se atomizem em identidades estanques e defensivas. Queremos uma política pós-identitária, radicalmente aberta à alteridade.

Um exemplo: discute-se hoje o direito (a meu ver, indiscutível) de homossexuais se casarem. Mas por que não ir além e afirmar que o ordenamento jurídico deve ser indiferente ao problema do casamento?

“Indiferença” significa, aqui, não querer legislar sobre as diferenças. Ou seja, por que não simplesmente abolir as leis que procuram legislar sobre a forma do casamento e das famílias, permitindo que os arranjos afetivos singulares entre sujeitos autônomos sejam reconhecidos? Não creio que isso seja arcaísmo, mas o verdadeiro universalismo.”