por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 26 de novembro de 2013

O "piscinão" - José Nilton Mariano Saraiva

Esses políticos brasileiros não têm mesmo jeito. Rubens Ricupero, Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, durante o intervalo da gravação de uma entrevista, sem saber que o microfone se achava aberto, confidenciou ao repórter global Carlos Monfort (seu primo) não ter mesmo nenhum escrúpulo: se a notícia fosse boa, divulgava e, se não (se fosse má) jogava pra debaixo do tapete. Como as “parabólicas da vida” captaram a sua fala, de repente metade do mundo e mais a outra banda tomou conhecimento e, assim, o metido a esperto acabou por perder o emprego.

Agora temos aí o pseudo-valentão Ciro Gomes, que tomou de conta do Governo do irmão e literalmente se autonomeou Secretário de Saúde do Estado; e chegou fazendo uma zoada danada, ao anunciar que em 90 dias acabaria com o tal “piscinão” do Hospital Geral de Fortaleza (para os que não sabem, “piscinão” é como ficou conhecido o local, localizado no térreo daquele hospital, e onde, por falta de leitos, os doentes eram amontoados em macas, no chão, nos banheiros e por aí vai).

Pois bem, de repente o “piscinão” secou. Num instante, como num passe de mágica, os doentes e agregados sumiram do local e isso logo foi divulgado como se fora a marca da eficácia e eficiência do gestor Ciro Gomes que, recém-chegado, já resolvera o problema, que perdurara anos.  Tanto que a área do antigo “piscinão” agora era um imenso vazio.

Mas, como a mentira tem pernas curtas, algum repórter bisbilhoteiro descobriu que o “piscinão” ressurgiu no segundo andar do mesmo edifício; ou seja, dando uma de malandro, o referido senhor mostrou a área do “piscinão” desocupada, mas esqueceu de informar que seus ocupantes apenas tinham sido transferidos, acomodados ou realocados dois andares acima, longe dos holofotes.


E aí, para não melindrar o nobre Secretário de Saúde, apenas se trocou a palavra “piscinão” por “varandão”, já que localizado num andar superior.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Lilliput



J. FLÁVIO VIEIRA

                                               O mundo de Madalena era minúsculo. As fronteiras percorriam-se facilmente sem  atropelos. O centro do universo brotava no pequeno sítio onde vivia e estendia-se , quando muito, À pequenina vila onde, religiosamente, ia aos domingos fazer a feira. A cidade enchia-lhe o coração de um certo travo, como se alcançasse a mordida final da polpa do caju. Tudo ali lhe parecia desproporcional e barulhento:  o nanico arruado cintilava-lhe aos olhos como a metrópole , a capital do seu mundo prenhe  dos hipnotizantes avanços tecnológicos : a luz elétrica, o calçamento tosco ( para ela ladrilhado com pedrinhas de brilhante), a praça, a igrejinha. Todo domingo chocava-se o mundo minimalista de  Madalena com a aparente grandiosidade  da Vila, dir-se-ia Gulliver saindo de Liliput e adentrando os portais de Brobdingnag.
                                    Como não se emprenhar  da pequenez do planeta, visto através do translúcido filtro do sítio ? Para o pinto  os horizontes  não terminam na casca do ovo ? Ali, a lua cheia beijava-lhe o terreiro em reverência quase que religiosa. As estrelas refletidas na lâmina do açude podiam ser bebidas com a concha das mãos e o sol , onipresente, morava no quarto da frente, envolto no seu cobertor de fogo e de luz. Até o outro mundo percebia-se convidativo ,ali defronte,  num cemiteriozinho improvisado, perto da casa, com suas cruzes tronchas e suas flores murchas. Talvez, por isso mesmo, a vila saltava-lhe aos olhos como um estorvo, uma outra longínqua galáxia.
                                   Madalena ouvia, vez por outra, falar de terras estranhas e distantes. Recife, Rio, São Paulo...Na sua escala, no entanto, não deviam ser locais tão remotos. O Oiapoque terminava no pequizeiro defronte da casinha de taipa e o Chuí iniciava-se longo adiante , no fim do quintal.  Os feirantes , vorazes engolidores de estrada, falavam das terríveis e penosas viagens a muitas lonjuras. Madalena, no entanto, assegurava-os, alimentando o riso de muitos, que atrás de sua casa tinha uma veredazinha que era pertinho de todo canto deste mundão de meu Deus. Na feira, o povo mangava daquela pretensão, daquele portal particular da roceira e apelidaram a vereda de : “Caminho de  Madalena”. Queriam que algum fazedor de mandado se apressasse?  Sapecavam:
                                   --- Vá pelo Caminho de Madalena, viu  ?
                                   Se alguma pessoa chegava atrasado num trato, a pergunta fazia-se inevitável :
                                   --- Por que não veio pelo caminho de Madalena ?
                                   Diferentemente de Liliput, no entanto, aos olhos de Madalena era o mundo que se revelava microscópico e não as pessoas. Os homens e as mulheres desnudavam-se enormes  e coloridas talvez como um contraste natural ao opaco-cinza do restante da aquarela. Os sonhos, também, tantas e tantas vezes, trespassavam    as fronteiras daquele mundinho, a contragosto da sonhadora, e deslindavam-se para além  dos limites extremos do pequizeiro e do quintal  fazendo-se palco mais que suficiente para o enredo de uma vida.  E aos poucos se ia aprendendo que nas muitas viagens,  físicas e sentimentais,  empreendidas na existência, nesta contínua corrida de obstáculos ,  pode-se buscar, sempre,  um atalho menos penoso, uma via mais expressa: um Caminho de Madalena.

Crato, 22/11/13

Namore um "barrigudinho" (transcrição)

Tenho um conselho valioso para dar aqui: se você acabou de conhecer um rapaz, ficou com ele algumas vezes e já estar começando a imaginar o dia do seu casamento e o nome dos seus filhos, pare agora e me escute. Na próxima vez que encontrá-lo, tente disfarçar, tente descobrir como é sua barriga. Se for musculosa, torneada, estilo `tanquinho´, fuja!  Comece a correr agora e só pare quando estiver a uma distância segura. É fria, vai por mim. Homem bom de verdade precisa, obrigatoriamente, ostentar uma barriguinha de chopp. Se não, não presta. Estou me referindo àqueles que, por não colocarem a beleza física acima de tudo (como fazem os malditos metrossexuais), acabaram cultivando uma pancinha adorável. Esses, sim, são pra manter por perto. E eu digo por quê. Você nunca verá um homem barrigudinho tirando a camisa dentro de uma boate e dançando como um idiota, em cima do balcão. Se fizer isso, é pra fazer graça pra turma e provavelmente será engraçado, mesmo. Já os `tanquinhos´ farão isso esperando que todas as mulheres do recinto caiam de amores - e eu tenho dó das que caem. Quando sentam em um boteco, numa tarde de calor, adivinha o que os pançudos pedem pra beber? Cerveja! Ou coca-cola. Tudo bem também. Mas você nunca os verá pedindo suco. Ou, pior ainda, um copo com gelo, pra beber a mistura patética de vodka com `clight´ que trouxe de casa. E você não será informada sobre quantas calorias tem no seu copo de cerveja, porque eles não sabem e nem se importam com essa informação. E no quesito comida, os homens com barriguinha também não deixam a desejar. Você nunca irá ouvir um ah, amor, `Quarteirão´ é gostoso, mas você podia provar uma `McSalad´ com água de coco. Nunca! Esses homens entendem que, se eles não estão em forma perfeita o tempo todo, você também não precisa estar. Mais uma vez, repito: não é pra chegar ao exagero total e mamar leite condensado na lata todo dia! Mas uma gordurinha aqui e ali não matará um relacionamento. Se ele souber cozinhar, então, bingo! Encontrou a sorte grande, amiga. Ele vai fazer pra você todas as delícias que sabe, e nunca torcerá o nariz quando você repetir o prato. Pelo contrário, ficará feliz. Outra coisa fundamental: homens barrigudinhos são confortáveis! Experimente pegar a tábua de passar roupas e deitar em cima dela. Pois essa é a sensação de se deitar no peito de um musculoso besta. Terrível! Gostoso mesmo é se encaixar no ombro de um fofinho, isso que é conforto. E na hora de dormir de conchinha, então? Parece que a barriga se encaixa perfeitamente na nossa lombar, e fica sensacional. Homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo. Eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar, a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz. CHEGA DE VIADAGEM!  O mundo inteiro sabe que quem gosta de homem bonito são os viados. Mulher quer homem inteligente, carinhoso e boa praça. Chega de ter a consciência pesada após beber aquela cervejinha, ou aquele vinho, e comer aqueles petiscos. Passe adiante para todos os barrigudos e simpatizantes.

De Rosa Maria Guerrera para o Azul Sonhado

São muitas as pessoas  que desfilam pelos corredores das nossas vidas. E acontecem  de maneira  curiosa ,ora  em forma de pequenos esbarros , ora em encontros que ficam para sempre em nossos corações.
 Muitas representam luzes que piscam iguais aqueles enfeites de Natal , e que só duram realmente por um período de festas e alegrias. Outras trazem no olhar  o brilho radiante do sol e que penetram de uma maneira rara os dias  cinzas do nosso viver  se infiltrando  de tal maneira no nosso eu , que deixam cicatrizes profundas nas nossas lembranças.
 Em cada coração ( penso eu ) existe um " você" que sentou ao lado dos nossos pensamentos e rabiscou frases  de ternura  que por muito tempo resistiu  a vendavais , borrascas ,lágrimas e até despedidas..
Aquele você que nos ensinou a sorrir,a desbravar montes nunca antes escalados , a mergulhar sem receios em mares desconhecidos ,e  a viver cada dia como fosse a primeira vez de um grande sentimento.
Aquele você que nos impulsionou a fugir do " eu sozinho", para conhecermos de perto a beleza do "nós ".
Essas pessoas não foram esbarros , foram encontros .
 Encontro com a alegria , encontro com a pureza , encontro com o amor , encontro com a verdade.
E elas ficam , mesmo que tenham partido , por um golpe do destino ou até pela necessidade de um adeus.
E não importa o tempo em que tenham vivido conosco ,  mas o tempo que desafiando as correntezas da vida , se tornou para nós , um tempo imortal .     

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Nasce o Brasil talibã

Guilherme Fiuza, O Globo


O Brasil virou, definitivamente, um lugar esquisito. A última onda de manifestações reuniu professores em greve (e simpatizantes) por melhores salários para a categoria. Aí os professores cariocas receberam a adesão dos tais black blocs — nome pomposo para um bando de almas penadas em estado de recalque medieval contra tudo.
Os professores não só acolheram os depredadores desvairados nas suas passeatas, como declararam, por meio de seu sindicato, que aquele apoio era “bem-vindo”.
Deu-se assim o casamento do século: a educação com a falta de educação. Nem a profecia mais soturna, nem a projeção mais niilista, nem as teses do maior espírito de porco conceberiam esse enlace. O saber e a porrada, lado a lado, irmanados sob o idioma da boçalidade.
Mas o grande escândalo não está nessa união miserável. Está na cidade e no país que a cercam. Se o Rio de Janeiro e o Brasil ainda tivessem um mínimo de juízo, o romance entre profissionais do ensino e biscateiros da violência teria revoltado a opinião pública.
As instituições, as pessoas, enfim, a sociedade teria esmagado esses sindicalistas travestidos de educadores. O saber é o que salva o homem da barbárie. Um professor que compactua, ou pior, se associa ao vandalismo é a negação viva do saber — é a negação de si mesmo. Não pode entrar numa sala de aula nem para limpar o chão.
E o que diz o Brasil dessa obscenidade? Nada. O movimento grevista continuou tranquilamente — se é que há alguma forma tranquila de estupidez — bloqueando o trânsito a qualquer hora do dia, em qualquer lugar, diante de cidadãos crédulos que acreditam estar pagando pedágio pela “melhoria da educação”. Crédulos, nesse caso, talvez seja um eufemismo para otários.
Claro que uma sociedade saudável logo desconfiaria dos métodos desses professores. E os desautorizaria a lutar por melhores condições de ensino barbarizando as ruas. Os salários dos professores de verdade são uma tragédia brasileira, mas esses comparsas de delinquentes mascarados não merecem um centavo do contribuinte para ensinar nada a ninguém.
O problema é que a sociedade está revelando, ainda timidamente, a sua faceta de mulher de malandro. Apanha e gosta.
Na entrega do Prêmio Multishow, o músico Marcelo D2 apareceu no palco com sua banda toda mascarada, com uma coreografia simulando uma arruaça aos gritos de “black bloc!” Não se registrou nenhum mal-estar, reação ou mesmo crítica ao músico que fazia ali, ao vivo, um ato veemente de apoio ao grupo fascistoide que quebra tudo.
Está se formando uma opinião pública moderninha que não admite abertamente ser a favor da violência, mas que se encanta e sanciona essa rebeldia da pedrada. A vanguarda, quem diria, foi parar na Faixa de Gaza.
Caetano Veloso também posou com o figurino da máscara negra. Declarou ser a favor da paz, mas disse que a existência dos black blocs “faz parte”.
Quando um artista da magnitude de Caetano emite um sinal tão confuso como esse, não restam dúvidas de que os valores andam perigosamente embaralhados. Tem muita gente acreditando que a revolução moderna passa por esse flerte com o obscurantismo. O nome disso é ignorância.
A confusão de valores está espalhada por todo o debate público. Nas ruas, depredação é confundida com civismo; na internet, pirataria é confundida com liberdade.
A suposta “democratização da cultura” legitimou o assalto aos direitos autorais de grandes compositores brasileiros, com a praga do acesso gratuito às músicas. De impostura em impostura, chegou-se à inacreditável polêmica sobre a proibição de biografias não autorizadas — uma resposta obscurantista dos próprios artistas assaltados pela liberdade medieval da internet.
O dilema entre liberdade de expressão e direito à privacidade tornou-se o grande tema do momento. Um dilema absolutamente falso. Ambos são direitos sagrados e podem conviver tranquilamente, ao contrário da paz e da porrada.
É aterrador que gênios como Caetano Veloso e Chico Buarque estejam confundindo pesquisa séria e literatura biográfica com voyeurismo, fofoca e curiosidade mórbida. Guarnecer a fronteira entre esses dois campos é muito fácil — numa sociedade que não tenha desistido do bom senso, da justiça e da educação.
Mas numa sociedade que tolera educadores adeptos do quebra-quebra, não haverá mordaça legal que dê jeito. Não existe meio-obscurantismo. Entre os talibãs, por exemplo, a carta magna é o fuzil. E aí tanto faz a maneira de lidar com livros e músicas, porque eles não têm mais a menor importância.

Guilherme Fiuza é jornalista.

Definição de "avô" (transcrição)

Um avô é um homem que não tem filhos, POR ISSO GOSTA DOS FILHOS DOS OUTROS. Os avôs não têm nada para fazer, a não ser estarem ali. Quando nos levam para passear, andam devagar e não pisam nas flores bonitas nem nas lagartas. Nunca dizem: “some daqui, agora não, vai dormir”. Normalmente são gordos, mas mesmo assim conseguem abotoar os nossos sapatos. Advinham sempre o que a gente pensa. Só eles sabem como ninguém a comida que a gente quer comer. Os avôs usam óculos e, às vezes, ATÉ CONSEGUEM TIRAR OS DENTES. Os avôs não precisam ir ao cabeleireiro, pois são carecas ou estão sempre com os cabelos arrumadinhos. Quando nos contam histórias nunca pulam partes e não se importam de contar a mesma história várias vezes. Os avôs são as únicas pessoas grandes que sempre têm tempo para nós. Não são tão fracos como dizem, APESAR DE MORREREM MAIS VEZES QUE NÓS.  Todas as pessoas devem fazer o possível pra ter um avô, ainda mais se não tiverem televisão.

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(Tomamos conhecimento que o Carlos Eduardo Esmeraldo recentemente se tornou avô, daí a transcrição dessa autentica “pérola”, de autoria de Ana Paula, menina de 8 anos, de Florianópolis-SC).

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O "recomeço" - José Nilton Maiano Saraiva

Pintor famoso, sessentão, aposentado, família constituída, estabilizado na vida, eis que, de repente, se vê tomado por um profundo desejo de “sumir do mapa”, dar um basta naquele vazio imenso e doído que, sem mais nem menos, dele se apoderou. “Depressão” e depressão da braba, que o leva até a adquirir uma arma visando acabar logo com aquilo – para, quem sabe ? - encontrar um pouco de sossego, paz. Na hora de apertar o gatilho, no entanto, reflui, não tem coragem de fazê-lo; e aí, resolve sair pelo mundo no rumo que a “venta” (nariz) apontar. Logo se põe na estrada, sem qualquer compromisso com horário ou destino, dia ou noite.

Numa parada momentânea, em meio a uma chuva torrencial, batidas no vidro do carro lhe revelam o rosto apreensivo de uma jovem, encharcada pela tempestade. Mesmo a contragosto, aceita dar-lhe carona, “pra qualquer lugar”, conforme lhe determina a nova companhia.

De pronto, à sisudez do sessentão deprimido, contrapõe-se o comportamento irrequieto e questionador daquela adolescente que poderia ser sua filha e que, aos poucos, paulatinamente, consegue fazê-lo “se abrir”. Contribui para tanto, o fato de também ela ter saído de casa, expulsa pela mãe e padrasto, e não saber (ou não ter) pra onde ir.

Ao contrário do que normalmente acontece em dramas análogos, aqui o “velho” não tenta aproveitar-se da “jovem” de 17 anos, belíssima e desamparada. Pelo contrário, aos poucos cria uma afeição paternal tão grande por ela, de tal forma que chega a enfrentar alguns marginais (de rifle em punho) que tentavam abusá-la.

No dia a dia, Marylou (esse o nome da jovem) inocentemente se sente à vontade para chamá-lo de “velho”, reclamar da “cafonice” das suas roupas e por aí vai. E ele, que ultimamente não suportava nem ouvir a voz da própria esposa, passivamente aceita tudo, no maior bom humor. Chega, até, a sorrir das trapalhadas em que ela se envolve (principalmente no quesito comida).

O divisor de água, no entanto, se dá quando ela (que pensava ser ele um “pintor de paredes”) vê alguns de seus trabalhos e, de tão impressionada, o estimula a “fazer mais”. Ela mesma, na praia, serve de modelo (bem comportada). E aí ele redescobre, na pintura, o prazer pela vida, sente que “está vivo”.

De repente, a notícia estampada no jornal, de que a mãe se encontra à beira da morte em razão das agressões do padrasto, leva a “jovem” a fazer o caminho de volta, na companhia, é claro, do “velho”. Que aproveita para reatar com a esposa.

Durante a longa permanência da mãe na UTI, pra não deixar Marylou desamparada, de comum acordo com a “revigorada” esposa, ele consegue na Justiça a “guarda” daquela menina que praticamente lhe trouxe de volta à vida.

No final, com a mãe restabelecida e o padrasto preso, os dois retornam às origens: numa despedida pra lá de dolorosa para os dois, tão grande a afeição nascida, Marylou volta pra casa da mãe; o “velho” (Taillandier é o seu nome) pra sua casa, sua família. Renascido, por uma menina que lhe trouxe de volta à vida e que, a partir de então, considerará sua filha.


Sem dúvida, “SEJAM MUITO BEM-VINDOS” é um cativante filme e digno de se ver.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"Desnecessidade" - José Nilton Mariano Saraiva

Como não somos nenhum “murista”, meses atrás já havíamos nos manifestado aqui neste espaço sobre a “desnecessidade” de criação de novos municípios, via emancipação dos respectivos distritos. Na oportunidade, aludimos à falta de receitas da pretensa nova comuna, porquanto incapaz de cobrir suas despesas, de par com a divisão das verbas atualmente existentes entre os novos contemplados, ocasionando uma espécie de “socialização da pobreza”.

Agora, como estudos do Ministério da Fazenda concluíram que a “pancada” mensal no orçamento do governo seria da ordem de portentosos nove bilhões de reais se a “porteira fosse escancarada”, a Presidenta Dilma Rousseff, numa prova de responsabilidade extrema, houve por bem vetar em sua totalidade a lei que lhe houvera sido encaminhada pelo Legislativo, sobre o assunto.

Evidente que tal decisão gerou certo mal-estar da parte de alguns aliados do governo e, dúvidas não tenham, quando a poeira assentar (talvez às vésperas da eleição presidencial, próximo ano) nova investida será feita, de vez que há muito político carreirista tentando montar seu “curralzinho particular’ objetivando manter-se em evidência e, mui principalmente, mamar nas tetas do governo.

Alguém duvida ???

Ingrizias sebastianas



                     
J. Flávio Vieira

                        Mais de três anos sem cair um pinguinho sequer. Os poços do rio Paranaporã já tinham batido a piaba há mais de dez meses. Matozinho estava mais seca que língua de papagaio. De bicho de quatro pés só havia restado tamborete e de  avoador : pipa. Verde, na cidade, só se via em solenidade da prefeitura quando hasteavam o panteão nacional, mesmo assim era um verde velho desbotado mais puxado para cinza. Ah, havia, ainda, um outro raro remanescente  da antiga esperança : o  pano da sinuca do Bar do Godô. Quem chegasse de fora, ficaria encafifado como era possível sobreviver em meio àquela catástrofe. Não se lia, no entanto, nos olhos dos matozenses, nenhuma aflição descabida. Estavam acostumados ao ciclo natural das intempéries. Angustiavam-se quando viam os animais serem dizimamos, em série, pela fome e pela sede, mas lia-se ,no fundo das retinas,  um longínquo verde de esperança, cover daquele que um dia já havia engalonado as árvores e as vidas.
                                   Afonso Caititu morava no alto da Serra da Jurumenha nas cercanias de Matozinho, uns quatro a cinco quilômetros mais perto do céu. Nos últimos dias, havia procedido ao inventário final pós hecatombe. O que restava ainda para se desfazer e transformar em víveres ? Deu , então, com um velho Rádio SEMP, ainda alimentado a válvulas. Lembrou, então, que naqueles dias terríveis se celebrava, por ali, a festa do santo da capelinha : São Sebastião . Havia um vuco-vuco danado de gente indo e vindo para as novenas. Do alto de seus conhecimentos de Marketing de pé-de-serra, teve uma idéia genial. Aproveitaria a festa religiosa e promoveria um bingo do rádio, dava para arrecadar uns reais e transformá-los em farinha e rapadura por mais alguns dias, até que outro santo , Pedro, resolvesse colaborar.  
                                   A casa de Caititu ficava na saída do arruado. Ele , então, providenciou os preparativos. Varreu todo o terreiro, espalhou cadeiras disponíveis , posicionou o oratório, do lado de fora, com a clássica imagem de São Sebastião amarrado e trespassado de flechas ; contratou alguns meninos para fazerem a propaganda de  boca em boca e melhorou a iluminação com algumas lamparinas subsidiárias, movidas a querozene jacaré. De noitinha, postou-se defronte, com o rádio colocado numa mesinha, em local bem visível, as cartelas, a cumbuca e pedras em ponto de bala para o início do jogo.
                                   Afonso havia planejado tudo , detalhadamente. Escapou-lhe, no entanto, um fato importante. Um vizinho --  Francalino  Bemtevi – tivera uma idéia parecida e pertinho dali promoveu um Forró numa latada improvisada, com o grande Sanfoneiro da região : Cotozinho dos Oito Baixos. Eram eventos de sobra para um arruado tão pequenino, mesmo envenenado com o turismo religioso. Caititu postou-se em frente à casa, esperando, pacientemente, a clientela. Alguns meninos e curiosos ficaram pelas beiradas esperando o desenrolar das coisas. Aos poucos começou a chegar a freguesia, mas passava direto para o Forró. Entre as cartas e o rela-bucho preferiram o esfrega coxa. O tempo foi passando e, pouco a pouco, iam se dissolvendo as esperanças do nosso promoter. De início, Afonso ainda tentou se convencer que as coisas mudariam, mas , por volta de nove horas, caiu-lhe a ficha e o orelhão todo na cabeça. Afobado, desistiu e começou a colocar as coisas para dentro de casa, numa penosa desprodução. Enquanto ia e vinha, percebeu, entre os  curiosos  que por ali ainda permaneceiam curruchiado. Estavam, cuidadosamente, mangando dele. Numa das viagens , no leva-leva de coisas, trouxe, consigo, a velha espingarda soca-soca. Firmou-a no chão, observou a platéia meio desconfiada e ameaçou:
                        --- Tô botando as coisas tudo pra dentro. Mas tô avisando! O primeiro filho da puta que armar um risinho de canto de boca , zonando comigo, eu meto bala. Querem ver ?
                        Ninguém queria, ao menos ali, defronte ao cano da soca-soca. Foram saindo rápido. Caititu, no entanto, ficou ainda mais fulo da vida, quando ao longe, ouviu as gargalhadas que se soltavam já fora da alça da mira. Quando pegou por fim a imagem de São Sebastião, sobrou a raiva para  o santo guerreiro:
                        --- Vai timbora pra dentro de casa! Num fica olhando pra mim , não ! Devia ter vergonha : com esses olhos pidão, revirados pra riba, como quem procura rola voando!  Pezim levantado, munheca e rejeito moles, todo flechado... Tome jeito de homem! Tu é loiça, é ? Num zone , não ! Tu nem pode correr todo ingriziado  de imbiriba pra todo lado! Num venha não, seu fresco  !Te lasco chumbo no rabo!
15/11/13

quinta-feira, 14 de novembro de 2013


História de Juazeiro


PAULO  MAIA DE MENEZES
                                                 Nunca mais você mata um irmão de um homem
                                               (Pedro Maia).
Por Fernando Maia da Nóbrega
1 - SÚMULA
Nome:                  Paulo  Maia de Menezes
Filiação:               Aristides Ferreira de Menezes
         Ana Leopoldina Maia
Nascimento:         1879 - Crato-Ce (01)
Morte:                  09 de junho de 1914 – Juazeiro do Norte-Ce
Causa Mortis:      Assassinato
Motivo:               Vingança
Acusados:          Nazário Landim (mandante), Mané Chiquinha                                        (executor).
2- ANTECEDENTES
 A morte trágica de Paulo Maia, também alcunhado de Paulo Aires, ocorrida em Juazeiro do Norte no ano de 1914, teve como fonte motivadora um acontecimento havido muitos anos antes do seu nascimento, na cidade do Crato em 1856 , e que se desdobrou ao longo de 72 anos. Essa é a história de um tempo em que muitas vezes a herança deixada era um rastro de sangue...
O século XIX caracterizou-se no Cariri por profundas crises sociais e políticas, imprimindo uma marca de violência que se alastrou, além dele, por três décadas da centúria seguinte. De início, a “Revolução de 1817” frutificou sérias inimizades entre os políticos e líderes cratenses, tendo alguns sido presos enviados para calabouços na Bahia. Em seguida veio a “Revolução do Equador” em 1824 onde muitos morreram entre eles Tristão de Alencar Araripe, membro de importante família da região. A “Guerra do Pinto” em 1832 fez florescer antigas desavenças cujo desfecho foi, anos depois, a execução do chefe Joaquim Pinto Madeira. Culminando com essas conturbações sociais, surgiu a “Revolução de Juazeiro” em 1914.
E foi justamente em um desses acontecimentos sociais tão em voga, que se gestou a futura morte de Paulo Maia. No dia 08 de setembro de 1856, às três horas da tarde, se processava, dentro da igreja Matriz de Nossa Senhora da  Penha, na cidade do Crato, as eleições para as câmaras municipais e juiz de paz. O clima emocional estava quente e pesado, posto que em Barbalha dias antes ocorreram cenas de violência durante a apuração dos votos. No Crato, duas facções do Partido  Conservador disputavam com o Partido Liberal os cargos disponíveis. Determinado momento, surgiu uma discórdia entre os grupos rivais gerando uma briga generalizada entre os participantes. Dr. Jaguaribe, presidente da eleição, pede a interferência do corpo policial do município com o intuito de apaziguar os querelantes. Com a chegada dos militares, sob o comando de José Ferreira de Menezes os ânimos se exaltaram mais ainda havendo uma troca de tiros de ambas as partes, vindo a falecer o coronel José Gonçalves Landim. (02). O crime emocionou todo o Cariri a ponto do Vigário Geral Forâneo Tomaz Pompeu de Sousa Brasil excomungar o Padre Manuel Joaquim Aires do Nascimento, Pároco da Freguesia, bem como o delegado e dois soldados. (03)
Com o passar dos anos, um dos filhos do delegado José Ferreira de Menezes, de nome Aristides, tornou-se um dos mais influentes políticos cratenses no final do século XIX, exercendo vários cargos públicos de destaques, chegando a ocupar as funções de promotor, deputado provincial pela região e candidato a senador da república. (03) Ressalte-se que Aristides Ferreira de Menezes casara-se com Ana Leopoldina Maia, filha do renomado Coronel Mainha, um dos maiores políticos cratenses do século XIX. Partidário do prefeito local , Coronel Belém de Figueiredo, Aristides sofreu grande revés quando em 1904, Antonio Luiz Alves Pequeno tomou a prefeitura a “manu militari” e passou a perseguir ferozmente seus adversários por meio da montagem de uma violenta guarda municipal.
Investido na função de delegado e comandante da Guarda Municipal do Crato, Nazário Landim cometeu toda espécie de arbitrariedade possível. E em sendo neto do Coronel José Gonçalves Landim, morto na igreja em 1856, ressuscitou a velha discórdia entre as famílias. Certa feita, em meados de 1904, encontra-se numa esquina com o velho e respeitável Coronel Aristides e o agride a socos, pontapés, empurrões e lhe bate com a vareta da espingarda por várias vezes. Segundo sua lógica, vingava assim a morte de seu avô numa pessoa que à época tinha somente quatro anos.
Essa atitude inconseqüente viria a gerar outra de igual teor. Paulo Maia, filho de Aristides, inconformado com a agressão sofrida pelo seu genitor agiu rapidamente em represália: ao se encontrar com o delegado aplicou-lhe violenta surra, prostrando-o desfalecido por terra. Os cronistas narram que ao ser preso e interrogado pelo juiz, houve o seguinte diálogo:
-"Moço, que parentesco tem com o delegado Nazário”? Perguntou o juiz.
- “Ele é meu avô!” Respondeu com firmeza Paulo Maia.
“Mas... seu avô?” Contesta o Juiz.
- “Se ele é de sua idade mais ou menos, talvez seja mais moço, como explicar isso”?
-"Se ele bateu em meu pai, se deu em meu pai, certamente que é pai dele; e sendo pai dele, é meu avô.” Foi a resposta (04).
 3- A MORTE
 É certo que após o desentendimento com Nazário e cumprir prisão por mais de um ano, Paulo Maia foi residir em Juazeiro. Além deste motivo outros contribuíram sua para ida: era primo do Padre Cícero e sua mulher, Aurora Adélia, era parenta de José André de Figueiredo, um dos líderes políticos da vila. Além do mais, cuidaria das terras do sítio Muquém, naquele município, pertencentes a seu pai. Pouco a pouco Paulo Maia foi-se inserindo na vida político-social de sua nova terra.
Em 1910 Juazeiro já se consolidava como um lugarejo em constante desenvolvimento graças à presença do Padre Cícero Romão Batista e a repercussão dos milagres ocorridos em 1889. Com uma população expressiva, sendo alvo de romarias freqüentes e de um comercio se expandindo constantemente, a vila clamava pela sua emancipação política. Objetivando chamar a atenção das autoridades, Padre Cícero, Floro Bartolomeu, Padre Alencar Peixoto, Joaquim André e tantos outros, pregaram a desobediência civil ao povo ao propor que “(...) não se pagaria mais impostos ao Crato” (05) Tal movimento culminou com uma passeata realizada no dia 07 de setembro de 1910, pelas ruas de Juazeiro, em prol da independência da vila. À frente de todos, Paulo Maia conduzia uma bandeira verde-amarela com os dizeres “Viva a Independência!” (06).
Eis que em 1913 irrompe a chamada “Sedição de Juazeiro” com o objetivo de depor o governador do estado, Major Franco Rabelo. Para concretizar esse intento, Dr.Floro armou um expressivo contingente de bandidos e cangaceiros, recrutando os mais afamados pistoleiros de Pajeú das Flores, Paraíba, entre eles, Zé Pinheiro, Senhorzinho, Antonio Godê, Mané Chiquinha, Côco Seco e Quintino Feitosa. Para as funções de subdelegado foi nomeado o Major Nazário Landim (07), “indivíduo de péssima conduta” (08).
Nos idos de 1913/14 imperou no nosso Estado completa selvageria. No Cariri, principalmente, um número incalculável de crimes foram praticados, com a conivência das autoridades, sem nunca ter sido tomadas as providências legais cabíveis. Após o término do movimento sedicioso de Juazeiro em março de 1914, a cidade ficou totalmente lotada de facínoras remanescentes da guerra. Bandidos de alta periculosidade, sem trabalho,  perambulavam pelas ruas bebendo, fazendo confusões, provocando brigas e matando pessoas.
Como a ociosidade é a mãe de todos os vícios, Mané Chiquinha lembrou a Nazário Landim que seu desafeto, Paulo Maia, andava impune na cidade. Não obstante as ponderações iniciais, o subdelegado contrata o pistoleiro por 100 contos de réis e uma mula. (09) Xavier de Oliveira insinua, nas entrelinhas, que um crime envolvendo uma pessoa de prestígio como Paulo Maia tinha que haver o consentimento do chefe, no caso, presumo eu, Dr.Floro Bartolomeu. (09). Há alguma razão para se aceitar a tese, posto que tanto o Coronel Aristides, pai de Paulo, quanto o cunhado Joaquim Inácio Figueiredo faziam oposição ao Médico e ao Padre Cícero. (10)
Paulo Maia residia numa casa, hoje demolida, localizada à Rua do Brejo, em frente à Matriz de Juazeiro. Na noite de 09 de junho de 1914, enquanto conversava com o vizinho Doroteu Sobreira, foi avisado por este que parecia haver alguém escondido no matagal à frente da casa. Paulo Maia não levou à sério a observação do amigo e continuou conversando alegremente. Mané Chiquinha, aproveitando a escuridão da noite, escondido entre o pasto de bamburral, mirou a carabina modelo 1908, dormiu na pontaria e disparou um certeiro tiro que varou o peito da vítima indefesa.
 4-            VINGANÇA
 Após o assassinato de Paulo Maia, Mané Chiquinha enfronhou-se pela Serra do Araripe e vivia em lugar incerto e não sabido. Porém, em decorrência da determinação do Governador do Estado, Benjamim Barroso, em eliminar de vez o banditismo no Ceará, convocou ao palácio o Coronel Medeiros e deu-lhe uma ordem seca: ”Você vai ao Cariri e outras cidades do sertão. Não poupe bandidos. Execute-os sumariamente.” (11). A mesma incumbência foi dada pelo Governador ao Tenente Peregrino Montenegro quando o nomeou delegado de Campos Sales: “Soube que é homem disposto. Liquide todo criminoso nato.” (12). Seguindo as determinações recebidas, perseguindo a bandidos na Serra do Araripe, o Tenente Peregrino executa sumariamente os cangaceiros Bimbão, Caxeado, Pedro Paulo e Mané Chiquinha. (13).
Quanto ao autor intelectual, Nazário Landim, este achou mais prudente se afastar da região e por muito tempo não se soube de seu paradeiro. Há certa probabilidade que tenha se refugiado na cidade de São João do Rio do Peixe, hoje Antenor Navarro, na Paraíba, local onde seu primo e conselheiro Quinco Vasques fugindo de uma briga em Lavras da Mangabeira, viveu sob a proteção do Padre Joaquim Cirilo Sá. (14)
Após 72 anos dos fatos ocorridos na Matriz de Nossa Senhora da Penha e 14 da morte de Paulo Maia, Nazário Landim apareceu às caladas da noite, no Crato, com o intuito de pegar o trem em rumo a Missão Velha onde viviam seus parentes. Enquanto aguardava o passar das horas para o embarque, entrou em um quiosque, ao lado da estação ferroviária, onde os passageiros tomavam café,fumavam,conversavam, à espera da partida do trem. Nesse ínterim, foi reconhecido por um padeiro que incontinentemente correu até a casa de Pedro Maia, irmão de Paulo, bateu à porta e falou:
- “Seu Pedro, quanto o senhor paga pelas alvíssaras?”.
- “O que você quiser. O que foi?” Retorquiu Pedro (015).
-“ Nazário Landim está aqui no Crato. Na estação de trem.” Respondeu o padeiro.
Era início da madrugada do dia 28 de julho de 1928. Pedro Maia, também conhecido por Pedro Aires dirigiu-se à cidade de Juazeiro do Norte e foi ao encontro dos dois filhos homens de Paulo Maia, Zezé e Odilon, e lhes falou:
“- O homem que matou seu pai está no Crato. Se querem vingar a morte dele a hora é essa.”
 Em companhia dos jovens, Pedro se dirigiu à estação ferroviária do Crato. Entregando um revólver à Zezé, o mais velho, apontou o Nazário e disse:
-“É aquele o homem. Vá lá e mate-o!”.
Consta que Zezé titubeou. É verdade que teve medo de executar a tarefa. Vendo a indecisão do sobrinho, Pedro Maia falou ríspido:
- “Vejam como é que se mata um homem!”.
Secamente se dirigiu ao encontro de Nazário e para certificar-se que era ele mesmo, embora o conhecesse, indagou:
- “Com quem tenho o prazer de falar?”.
Pressentido o desfecho macabro daquele encontro, pálido e afásico respondeu:
 -“Com Nazário, seu criado.”.
“- Eu sou irmão de Paulo Maia. Levante-se para morrer. Você nunca mais mata um irmão de um homem!”
Surpreso, Nazário não se levantou. Nisso, Pedro Maia desfechou alguns tiros quase à queima roupa. Nazário caiu emborcado na mesa do bar e exalou seu último suspiro.
Encerrava-se assim  drasticamente uma desavença costurada por tanto tempo. Durante 72 anos, vidas foram ceifadas em nome de um tempo e costumes que queira Deus não se repitam nunca mais.
 NOTAS
 01 - Os dados sobre a descendência, nascimento e morte de Paulo Maia  encontra-se no artigo de Bruno de Menezes “Uma Parcela da Família Menezes do Cariri”, revista       Itaytera nº. 5, página 177 -  Crato-Ce. 1959.
02 – Irineu Pinheiro, Efemérides do Cariri pág.142. Imprensa Oficial do Ceará.          Fortaleza 1963.
“1856, 8 de setembro – Eleições na matriz do Crato para juiz de paz e  membros   da câmara municipal. Morreu o eleitor José Gonçalves    Landim, pelo Partido    Liberal, baleado na igreja pela força pública comandada pelo delegado local que  era conservador (...)”.
Joaryvar Macedo in O Império do Bacamarte, pág.25. Edição UFC.        Fortaleza    1992 afirma: “Acontecimento sangrento, de bastante repercussão, se deu em 1856,   aos 8 de  setembro. Por ocasião de eleições de membros da   câmara   municipal e juízes de  paz, no recinto da Matriz de  Nossa Senhora  da Penha, no Crato, a força pública   promoveu violentíssimo  ataque aos  eleitores, visando o Partido Liberal. Da     agressão,    comandada  pelo próprio delegado substituto em exercício, José Ferreira de Menezes,  resultaram na morte do tenente-coronel José Gonçalves  Landim e  ferimentos em várias pessoas (...)”.
03 – Guilherme Chambly Studart (Barão de Stuart) & Newton Jacques Studart –    Dicionário Biobibliográfico Cearense 2ª edição,  pág.305/306. Tipografia          Progresso 1980. Aborda sobre a vida    do     deputado Aristides        Ferreira de Menezes.
  04 – Guilherme Chambly Studart. O.Cpág. 306.
 05-     Amália Xavier de Oliveira – O Padre Cícero que eu conheci.        Pág.133 Rio de          janeiro 1969
“(...) o padre Cícero incentivou o povo de não mais pagar imposto ao     Município   de Crato, desta vez, sem complacência.”
06 –  Idem, ibidem.
“Paulo Maia, ardoroso revolucionário, conduzia à frente a bandeira        verde-amarela, com os dizeres ‘VIVA A NOSSA    INDEPENDÊNCIA’”.
 07 – Joaryvar Macedo. Temas Históricos Regionais. Nota na pág.47.   Secretaria de          Cultura e Desporto. Fortaleza 1986.
 08 -   Joaryvar Macedo. Império do Bacamarte pág.72. Edição UFC.    Fortaleza-Ce          1992:
“Indivíduo de péssima conduta, o major Nazário Landim fruíra,  entretanto, da          confiança do coronel Antonio Luís, que o investiu  nas funções de subdelegado    de polícia do importante município  de Juazeiro.”
 09-           Antonio Xavier de Oliveira, Beatos e Cangaceiros pág.17 Rio de Janeiro. O autor deixa aberta a possibilidade do assassinato de Paulo Maia ter   sido do conhecimento de Dr.Floro ou do coronel Antonio Alves  Pequeno, este último,   inimigo político de Aristides Ferreira de       Menezes,    pai de Paulo. De pronto, o autor elimina a hipótese   do envolvimento do padre Cícero:
         “(...) Em geral, no Sertão, os cangaceiros só cometem um    crime, quando teem as   costas quentes,isto é quando teem patrão  forte e de cima na política. (...) (um  coronel, ou um doutor, nunca  um padre)” (sic).
 10 –  Ralph Della Cava. Milagre em Joaseiro pág. 151. Paz e Terra. Rio  de Janeiro          1977, apud inéditos de Aires de Menezes.
“(...) não se tornando inimigos do padre Cícero”... ficaram afastados...    Aristides          Ferreira de Menezes, o velho João da Rocha, Pedro    Jacintho da Rocha, Cel.Coimbra, Joaquim Inácio de Figueiredo.         (...) (sic)
 11 – Abelardo Montenegro. Fanáticos e Cangaceiros pág.pág.268.  Ed.Henrique ta          Galeno. Fortaleza 1973. Apud entrevista do Sr. Antonio Botelho Filho, presente          que estava na hora da   recomendação do governador.
12 – Abelardo Montenegro, o.c.pág.269. Informações prestadas ao autor    pelo próprio Peregrino Montenegro.
 13 –  Abelardo Montenegro. O.c.ibidem.
 14 –  Joaryvar Macedo, Império do Bacamarte pág.119, esclarece onde o coronel         Quinco Vasques se refugia da polícia:
(...) Quinco Vasques (...) se refugia sob a proteção Joaquim Cirilo de      Sá, o célebre padre Sá do antigo São João do Rio do Peixe, hoje     Antenor Navarro, Paraíba       (...)”.
         Por essa razão somos levados a crer que Nazário Landim após o assassinato de Paulo Maia tenha se refugiado em Antenor Navarro.
 15 -   Os detalhes da vingança perpetrada por Pedro Aires nos     foi     transmitida por          Odilon Figueiredo,filho de Paulo Maia,  presente na hora do assassinato. É fidedigno e tem exatidão   o diálogo,   posto que do conhecimento de todos e por   uma  testemunha do caso,  o português Ângelo de Almeida que narrou os   acontecimentos a    meu pai Antonio Adil da Nóbrega.

BIBLIOGRAFIA.
 Della Cava, Ralph. Milagre em joaseiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra,       1976.
 Macedo, Joaryvar. Temas históricos regionais. Fortaleza, Secretaria de Cultura e Desportos, 1986.
 Macedo, Joaryvar. Império do bacamarte. Fortaleza, Universidade  Federal do Ceará, 1990. 
 Montenegro, Abelardo. Fanáticos e cangaceiros. Fortaleza. Editora  Henriqueta Galeno, 1973.
 Revista Ytaytera, Crato. Instituto Cultural do Cariri, 1959.
Oliveira, Antonio X. Beatos e cangaceiros. Rio de Janeiro
 Oliveira, Amália X. O padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro,  1969.
Studart, Guilherme C. & Studart, Newton J. Fortaleza, Tipografia Progresso, 1980.