por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Capitão do Mato Virtual


                                                                                                                             J. Flávio Vieira

                                               Em meio ao denso nevoeiro dos trágicos acontecimentos destes últimos dias, fica sempre difícil se perceber bem os detalhes das múltiplas imagens e situações que se vão projetando , quase que estroboscopicamente, à nossa frente.  Em meio à maratona eleitoral, então, quando os ânimos naturalmente se acirram de lado a lado, a visibilidade se torna bem mais prejudicada. A perda repentina de Eduardo Campos, numa dessas catástrofes típicas dos nossos sangrentos agostos, abate-se sobre o país com estardalhaço. Desaparece uma das mais promissoras carreiras políticas do Brasil, em tempos de escassez de novas lideranças, de novos discursos. Eduardo encarnava o novo, percebia, claramente, que dificilmente este ano seria o seu, mas plantava sementes para  colher um pouco mais adiante. O Nordeste viu-se tolhido duplamente : Eduardo conhecia de perto nossas vicissitudes e agruras. O Cariri, então, viu-se ferido triplamente :  saiu de cena  um grande político brasileiro e nordestino, com profundas raízes fincadas no Sul Cearense.
                                   Como sempre, em meio à tragédia que se arrastou por toda semana, a comoção tomou de conta do país. O brasileiro tem  em si este estado de comiseração epidêmico. É do nosso feitio absorvermos , rapidamente , as tragédias nacionais, trazendo-as para dentro da nossa casa. Foi assim com Tancredo, com Getúlio, com Ayrton Senna. A Mídia, por sua vez, de olho na audiência, nem sequer consegue maquiar o prazer quase sádico em veicular, reiteradamente, as notícias mais tenebrosas. Sempre vesga, com um olho no gato e outro no peixe, faz ampla e interminável cobertura dos fatos, sem tirar o foco, porém, no outro lado da moeda : quem vai se beneficiar, politicamente, do inesperado acidente. Aí, claro, sempre puxa a brasa para sua tilápia: o poder econômico que lhe dá sustentação e, esse se associa, explicavelmente,  ao que há de pior e mais retrógrado na política brasileira ( a Direitona que há cinco séculos mama nas tetas públicas e esperneia quando alguma gotinha escapa por acaso e cai na boca do povão). A dor incomensurável da família ninguém respeita, fica sempre em segundo plano, vale o espetáculo midiático. A comoção do povo , às vezes multiplicada, esta é sempre verdadeira, mas serve-se como recheio de notícias, como pano de fundo ao que interessa, como catapulta a futuras  intenções  de votos.
                                   Há um outro lado, mais perverso e sádico que costuma acompanhar nossas grandes tragédias. Depois de alguns dias, quase que fincando um marco do fim do luto, começam a aparecer as famosas piadas de humor negro. Os psicanalistas talvez tenham uma resposta melhor para esta prática. Possivelmente, depois de um período de tristeza coletiva, o humor venha, por fim, fazer com que as coisas voltem ao normal, que o riso possa novamente aflorar nos lábios, que as catástrofes possam ser engolidas como um mero tropeço no trajeto  da humanidade.
                                    Este ano, no entanto, por conta do acirramento da campanha , no entanto, piadinhas de mal gosto, carregadas do mais negro  e despropositado humor, começaram a pulular, nas Redes Sociais quase que imediatamente.  Elas faziam um contraponto importante à consternação generalizada por que foi tomado o país. E, aí, surge uma pergunta inevitável ? Quais são os limites do Humor ? Tem-se o direito de brincar e fazer chacota com a dor alheia, sem respeitar o luto das famílias? Podemos fazer piadas sexistas, homofóbicas, racistas ? Não estaríamos, com isso,  desrespeitando pessoas ou alimentando chagas e preconceitos que a modernidade busca firmemente combater? Além de tudo, uma coisa é contar uma anedota numa mesa de bar e outra é divulga-la nas Redes Sociais, ao alcance de um número infindável de internautas.
Todos sabem que gosto de escrever textos de humor. Acredito, no entanto, que devem existir critérios éticos . Sei que nado contra a corrente e que os comediantes da atualidade têm a forte convicção que não há limites para a comédia. Pois bem, acredito que ninguém tem o direito de ser achincalhado, pessoalmente, por quem quer que seja. Sou contra, por exemplo, numa peça de teatro ou num show, se utilizar um espectador como bode expiatório, sem o seu expresso consentimento: parece-me sempre isso uma grande falta de criatividade.  O humor em cima de instituições, aí sim, tira-se a impessoalidade: fale-se do Governo, da Previdência, da Câmara de Deputados, do Senado. Corte-se, também, a rotulação, o grande motor de qualquer arraigado preconceito : todo judeu é avarento, toda bicha promíscua, toda loura burra. Isso apenas ajuda a solidificar segregações perniciosas e  seculares.     
   No caso específico do prematuro desaparecimento de Eduardo Campos, o humor negro demonstrou, claramente, que junto ao povo humilde e simples do Brasil, continua a existir uma elite perversa que persiste lutando pela manutenção da escravidão e solta seus capitães do mato, agora, nas selvas virtuais.

Crato, 19/08/14


Rir ainda é o melhor remédio! - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Nestes últimos dias, em que nossas emoções foram postas à prova de resistência e bem exploradas a quem interesse nelas tinham, nada melhor do que seguir o que recomendava nos anos pós-guerra a revista norte-americana Seleções do Reader's Digest. Então vamos lá...
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Um bêbado que vagava sem destino pelas ruas da cidade, entrou numa casa na qual verificou um "entre e sai" de pessoas. Aproveitou-se disso e também entrou indo até a sala de visita, no centro da qual repousava um defunto em requintada urna funerária. O bêbado acomodou-se numa cadeira e ficou observando aquela triste cena. Chegava um e exclamava: "Meus Deus, ele morreu feito um passarinho"! A outro visitante alguém que assistira aos últimos suspiros daquele morto repetia o refrão: "morreu como um passarinho". Numa determinada hora em que a sala se encontrava vazia, somente o bêbado a velar o morto, entrou uma senhora e perguntou a ele:
- "De que foi que ele morreu?" - E o "bebum" na maior naturalidade respondeu:
-"Não sei se foi por falta de alpiste, tiro de espingarda ou de uma pedrada certeira da baladeira de algum menino..."(1)
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 Um desses coronéis do sertão, semianalfabeto e ex-prefeito de uma cidade do interior do Piauí, foi conduzido a Chefe de Polícia do Estado. Todas as segundas-feiras os repórteres dos jornais vinham lhe perguntar: "Quantas pessoas foram assassinadas nesse final de semana?"
-"Que diabo é que vocês querem saber para darem notícias incompletas? Passem antes nas maternidades e procurem saber quantos meninos nasceram! Então vocês vão ver que é muito mais meninos nascendo do que gente morrendo!" (2)
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Em outro governo, esse "coronelzão" foi nomeado diretor de uma espécie de "Codagro" de lá. Um dos programas do órgão era a venda de arame farpado a preços subsidiados. Certo dia o coronel escutou pelo rádio um inflamado discurso de um deputado, a dizer que seria assassinado dentro de poucos dias  na sua cidade, onde tinha seu colégio eleitoral. "Estou certo que serei assassinado pelo ódio dos pessedistas da minha terra!"  Ao se retirar da Assembléia, procurou o coronel para solicitar arame farpado para sua fazenda. Munido da autorização, estranhou ter recebido apenas um rolo de arame. Então voltou ao "coronel" para se queixar:
- "Como é que você autorizou somente um rolo de arame?"
- "Ora você acabou de dizer que vai morrer. Um rolo dá para cercar o seu túmulo e ainda sobra!"(2)

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Na época da ditadura, aí pela metade da década de setenta, havia um senador cearense tão "voador",  que bem poderia integrar a lista da família do "Stanislaw Ponte Preta," personagem do jornalista e humorista Sérgio Porto, como  "Rosamundo, o distraído".  Ao visitar uma cidade do interior do Ceará, encontrou um ex-auxiliar, pessoa que gozou de toda sua confiança. Sem lembrar de onde o conhecia, emendou:
- "Mestre, como vai"? - Ao perceber que não fora reconhecido, o rapaz respondeu:
- "Senador, parece que o senhor não está me reconhecendo! É que estive na capital, passei uns quinze dias na praia e agora tou mais queimado"  - Ao que o senador emendou:
- "Ora Tomaz Queimado, como vai o teu velho pai, o meu grande amigo Júlio Queimado?" (2)
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De outra feita, nosso ilustre senador viajou de carro para Crateús em pleno mês de outubro. Foi acolhido na residência de um correligionário. Em dado momento, querendo puxar conversa, perguntou a uma rapaz que sentara-se ao seu lado:
- "E as chuvas? Tem chovido por aqui? - A essa pergunta o rapaz respondeu:
- Não posso responder Senador, porque fui eu que trouxe o carro que o senhor veio de Fortaleza até aqui. Sou o seu motorista. (2)

Por Carlos Eduardo Esmeraldo
(1) Conto de origem popular
(2) Extraídas e adaptadas de crônicas do jornalista Lustosa da Costa no jornal Diário do Nordeste