por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012


"E por falar em saudades ..." - por Socorro Moreira


Sou das manhãs.
O tempo levou meus todos os anos
Estou cada vez mais parecida
com a minha mãe...
Minha avó ?
- Donana !

Que saudades
dos seus bolinhos de goma,
da sua pele macia, seu riso,
seu rosário,sua mantilha...

Saudade ...
É como diz o Sávio:
É verbo, substantivo conjugável!

Saudade
fica perto de mim,
entranha-me, alaga-me!

Saudades anestesiadas
já fazem parte de um cotidiano,
que arranja mais saudades !

Saudades...
É o produto da felicidade!

Antônio Calado



Antônio Carlos Calado[1] (Niterói, 26 de janeiro de 1917 — Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1997) foi um jornalista, romancista, biógrafo e dramaturgo brasileiro.
Prisão azul


Antonio Callado


Patas macias sobre folhas mortas. Ao atravessar num salto a janela aberta o tigre sabia muito bem que o lenhador tinha saído. O bebê de dois anos estava sentado no chão, brincando. Sozinho, sozinho. O tigre se aproximou cauteloso e quando a criança viu aquele cachorrão rajado abriu com espanto dois olhos azuis, dois lábios sorridentes, dois bracinhos. O tigre começou pelos braços. Depois devorou o resto da criança e tratou de voltar à floresta.

Suponha, agora, que esse tigre cresceu, deixou de comer criança e relembra um dia como havia devorado o filho do lenhador. Um sorriso estranho paira sobre sua cara, sorriso no qual seu orgulho tigrino só permite que se manifeste um tiquinho de remorso. O resto do sorriso é a pura lembrança da carne tenra da criança, é desprezo pelo lenhador estúpido que deixou a janela aberta — uma completa orgia de satisfação consigo mesmo.

Foi com um sorriso assim (e há sorrisos dificílimos de descrever) que o amigo do homem desaparecido se aproximou da janela do seu apartamento tendo na mão o livro que o desaparecido dedicara a ele: "Para você, meu grande amigo". O amigo olhou lá fora o mar que ia além da praia de Copacabana e que flambava ao sol do meio-dia como uma poncheira acesa. Era quase um milagre a capacidade que tinha o Rio de dar às pessoas uma sensação de bem-estar, de saúde. O desaparecido também amava o Rio. Curioso como ele tinha desaparecido de forma tão absoluta. Evaporou-se. Soube-se depois da sua morte que ele passara os últimos dez anos de vida nas brenhas de Goiás. Ninguém sabia ao certo de que modo morrera. O manuscrito do livro tinha sido encontrado no meio das coisas dele, o manuscrito em cuja primeira página aparecia a dedicatória a ele, o amigo. O sorriso de tigre regenerado voltou à cara do homem que lembrava o amigo: "Para você, meu grande amigo".

Antes de sumir, o desaparecido freqüentemente ria de si mesmo. Diferenças de grau, só de grau. Diferenças de espécie são um absurdo. Mesmo quando muda, a espécie muda gradualmente, portanto é válido o princípio. Veja-se, como exemplo, a sensação que às vezes tomava conta dele em plena rua e que ele chamava de pedra de contato com a realidade: isso acontecia com todo o mundo. Só que com ele a freqüência e a intensidade com que acontecia eram muito maiores. Parecia uma bolha a inchar, inchar e doer. Perguntara a uma porção de pessoas se acontecia com elas de repente, no meio da rua e em hora de movimento, começar subitamente a sentir a estupidez incompreensível de todo aquele ir e vir. Sim, acontecia. Mas ficavam todos surpreendidos e faziam cara de dúvida quando ele lhes perguntava se sentiam aquilo a ponto de parar no meio da multidão; de olhar um lado para o outro, tentando entender o que estava acontecendo; de seguir alguém, para descobrir onde estava indo e para resolver o mistério de tanta pressa; de logo depois fazer o mesmo em relação a outra pessoa; de olhar angustiado aqueles arroios humanos que não corriam para nenhum mar comum e sim para lagoas isoladas, piscinas, poças d'água; de segurar com ambas as mãos a cabeça que doía e correr para o meio da rua sem pensar nos carros que passavam rápidos. Não, isso era um exagero e aliás dava para sentir, em todos aqueles que interrogava, que nem acreditavam que ele vivesse momentos assim. Eram pessoas que não acreditavam sequer em diferenças de grau.

— Deve ser sua imaginação, diziam com um sorriso, mas que é interessante não tem dúvida. Aliás, hoje em dia está até na moda uma certa morbidez, acrescentavam, sem saber que estavam usando uma arma muito antiga e possivelmente necessária.

A verdade pura e simples é que ele só fazia essas perguntas com a honesta intenção de obter uma resposta, de descobrir alguma coisa a respeito da pessoa com quem falava, ou, talvez mais ainda, sobre ele mesmo. Já lhe bastava, e muito, o quebra-cabeça representado por todos aqueles desconhecidos que ele tinha ímpetos de parar e interrogar sem mais nem menos no meio da rua.

Uma coisa, porém, o preocupava mais que qualquer outra na véspera do dia em que desapareceu. Aquela sensação que nas ruas apinhadas de gente acabava quase em angústia, pois envolvia estranhos, na sua própria vida íntima, privada, acabava em puro contentamento. Quando lhe aparecia um problema especial a resolver, ele o encarava corajosamente, sem evasões ou truques, pois sabia de antemão qual seria o resultado. Com método, pesando prós e contras, considerando todas as conseqüências, chegava à própria e nua raiz do problema... e então tudo se evolava, se desfazia no ar, e ele entrava num estado de puro e neutro prazer, um prazer branco, luminoso, para lá do pensamento. Como se fosse entrando com cautela mas com passo firme numa floresta densa na qual, chegado ele ao ponto mais escuro, todas as árvores ainda em volta tombassem ao mesmo tempo, no maior silêncio; e só permanecesse no mundo a luz ofuscante do sol. O que o preocupava na véspera do dia em que desapareceu é que ele tentava, mas ainda não haviam conseguido, concentrar todas as suas faculdades num problema sério.

Por que tão sério? Porque envolvia o amigo. Não por causa de minha mulher, continuou o homem que desapareceu, determinado agora a pensar seu problema até o fim. Para mim minha mulher é feito um sapato velho, cambaio. E meu amigo sabe muito bem disso, o que apenas torna a coisa toda mais incompreensível. Um tolo desejo de aventura? Nunca, jamais. Meu amigo sabe que eu não abandono minha mulher porque ninguém propriamente abandona um par de sapatos velhos. A gente simplesmente os esquece em algum canto. Ele me diria, se fosse o caso, que havia, que há alguma coisa entre os dois — e pronto.

— Usei aquele seu sapato velho outro dia, ele diria. Tudo bem. São inúmeros os caminhos abertos neste mundo mesmo para quem caminhe descalço. Que sentido haveria em criar um caso sobretudo quando eram tão velhos os sapatos? Não, ele está cansado de conhecer meus sentimentos e já teria me falado a respeito. Ou... Caso fosse verdade (o chato é que tanta gente dizia que era que ele se obrigava a pensar tanto sobre tal bagatela), só uma explicação era possível: meu amigo de fato se apaixonou por minha mulher e simplesmente não tem coragem de me dizer. E quem sabe por minha exclusiva culpa? Ela para mim tem tão escasso valor, e isso eu disse ao amigo tantas vezes, que lhe falta coragem para dizer que passou a amar uma pessoa tão depreciada. Sim, talvez fosse isso. E o homem prestes a desaparecer sorriu, meio envergonhado de pensar que estava, ainda que sem intenção, fazendo uso do amigo: seria de todo o cúmulo da amizade se o amigo pensasse em ficar definitiva e legalmente com minha mulher. Aqui se apagou no seu rosto o vago sorriso de até agora. Quem sabe, Deus meu? O amigo sabe como é grande meu amor por Maria Auxiliadora. Será que lhe ocorreu a idéia de se sacrificar por mim? Não, nem eu permitiria nem ele... Eu só quero Maria Auxiliadora como a tenho agora, mesmo porque a gente não se casa com uma mulher assim, a gente simplesmente aceita a luz e o calor, banho de sol no coração do inverno... Ela é quase a Luz! Aquela claridade. A floresta que se deita no chão. Era precisamente quando chegava ao ponto em que a floresta se tragava a si mesma que Johann Sebastian começava a passar a música para o papel, aquela música que se encerrava de repente de forma inesperada, mas que podia ter continuado para sempre, eterna, já que não tinha fim e ele apenas aparentava ou fingia ter chegado ao fim porque chegara isto sim ao fim do papel pautado e porque sabia que ninguém podia suportar sem enlouquecer o luzir permanente daquela Luz em música.

O homem que ia desaparecer perdeu-se nas profundezas do seu problema... Ao voltar a si passou o lenço na testa úmida. A inexistência de todos os problemas. O compromisso que tinha assumido que cuidasse de si mesmo. Ele ia, isto sim, ver Maria Auxiliadora. Tomou o ônibus e no caminho deixou-se invadir pelo salgado travo de onda e de alga que subia das praias de alva areia, a infinita, angustiada fieira de areia que é a única coisa a impedir que as montanhas azuis e o mar azul se dissolvam num único e irreparável azul. O ônibus beirou primeiro a praia de Santa Luzia, depois Flamengo, Botafogo, as vastas areias brancas de Copacabana, Ipanema, Leblon. Quando parou no fim da linha o homem que ia desaparecer saltou e foi andando para a pequena casa em que morava Maria Auxiliadora. Aproximou-se das tábuas brancas do portão, espantadas de vê-lo àquela hora do dia. E lá estava a fascinante casa branca, feito um brinquedo esquecido na grama. Entrou, atravessou o jardim e espiou pela janela da sala de estar. Não viu Maria Auxiliadora, que ainda estaria dormindo. Abriu a porta da frente e ia atravessar a sala, em direção ao quarto de dormir, quando ouviu vozes e riso que vinham de lá. Ia chamar Maria Auxiliadora em voz alta, alegre, mas se conteve e andou até a porta. Ouviu as únicas duas vozes que realmente conhecia bem. Pela única e última vez em sua vida curvou-se até o buraco da fechadura. As venezianas estavam cerradas. Só havia no quarto aquela luz baça e enjoativa na qual se escondem aqueles que preferem não encarar nem o amor. O homem que naquele momento já quase havia desaparecido ouviu a voz do amigo, seguida do riso de Maria Auxiliadora.

— Pois é. Quanto mais ele acha que há alguma coisa entre a mulher dele e eu, menos consegue adivinhar que...

O homem que desapareceu saiu da sala de estar pé ante pé, fechou sem ruído a porta, passou em silêncio pelo portão de tábuas brancas e se foi. Como um ladrão. E qualquer policial que o pegasse naquele momento teria a certeza, sem lhe fazer qualquer pergunta, que o ladrão tinha encontrado jóias, jóias do mais alto preço, que ninguém imaginaria pudessem estar guardadas numa casa tão pequena e simples.

Festa no outro apartamento- Martha medeiros


Anos atrás a cantora Marina compôs com o irmão dela, o poeta Antônio Cícero, uma música que dizia: "eu espero/acontecimentos/só que quando anoitece/é festa no outro apartamento". Passei minha adolescência inteira com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar, porém eu não havia sido convidada.

Até aí, nada de novo. Não há um único ser humano que já não tenha se sentido deslocado e impedido de ser feliz como os outros são - ou aparentam ser. O problema está em como a gente reage a isso. A grande maioria que espera "acontecimentos" fica ligada demais na festa do vizinho, se perguntando: como fazer para ser percebido? A resposta deveria ser: percebendo-se a si mesmo. Mas é o contrário que acontece: a gente passa a se vestir como todo mundo, falar como todo mundo, pensar como todo mundo. Só então consegue passe livre: ok, agora você é um dos nossos, a casa é sua.

As festas em outros apartamentos são fruto da nossa imaginação tão infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias de jornal. As pessoas alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim.

É preciso amadurecer para descobrir que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente. Só que os motivos pra se refugiar no escuro não costumam ser revelados. Pra consumo externo, todos são belos, lúcidos, íntegros, perfeitos. "Nunca conheci quem tivesse levado porrada/todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Fernando Pessoa sacando que nada é o que parece ser.

Sua solidão, sua busca por paz interior, seus poucos e leais amigos, seus livros, suas músicas, fantasias, de desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na sua biografia, e pode ser mais divertido que uma balada em algum lugar distante. Pegar carona na alegria dos outros é preguiça, e quase sempre é furada. Quer festa? Promova-a dentro do seu apartamento.
Martha Medeiros

DÉO - O DITADOR DE SUCESSOS- por Norma Hauer


Foi esse o cognome que César Ladeira, que sempre dava um título aos artistas de seu tempo deu a Farjalla Rizcalla. E quem foi ele?
Foi como DÉO que ele ficou conhecido no meio musical, já que seu nome verdadeiro não era nada radiofônico: Farjalla Rizcalla, filho de libaneses.

Ele nasceu em 26 de janeiro de 1914, aqui no Rio de Janeiro, mas foi em São Paulo , na Rádio Record, que iniciou sua carreira, primeiro como discotecário, depois como cantor de tangos. Na música brasileira inspirou-se em Sílvio Caldas, cantando seu repertório.

Em 1936 gravou seu primeiro disco com o samba "Vendedora", que não "emplacou".
No ano seguinte gravou "Sinto Lágrimas", de Francisco Malfitano. Este compositor vive em Santos, completamente lúcido,aos 101 anos.
Mas foi no carnaval de 1939 que obteve seu primeiro sucesso :"Casta Susana", de Ary Barroso e Alcyr Pires Vermelho.

"Será você a tal Susana,
A casta Susana,
do Posto 6¨?"
Coitada, como está mudada
Teve apendicite e ficou sem "it"

A partir daí seu nome foi-se tornando conhecido e Ary Barroso o levou para a Rádio Tupi.
Ainda em 1939 gravou uma valsa (ou canção?) de Ataúlfo Alves:"Canção do Nosso Amor".

Nesse mesmo ano compôs, com Octavio Gabus Mendes e José Marcílio, uma valsa, que se tornou grande sucesso na voz de Orlando Silva:"SÚPLICA", uma bela valsa que não tem rimas, mas nem se percebe isso, pela beleza de seus versos.

Nos anos 40 alcançou vários sucessos, como "A Morena que eu Gosto";"Mulher de Luxo"; " Eu te Agradeço"; "Nervos de Aço"; Infidelidade"...

Em 1944 gravou um bonito samba sinfônico, da autoria de Humberto Teixeira, de nome "Sinfonia do Café". Lindo samba não fez o sucesso que merecia e nem mesmo é citado nos dados biográficos de Déo.
No mesmo estilo, ainda de Humberto, gravou "Terra da Luz", referente ao Estado do Ceará, em que diz:

" do herói jangadeiro,que não permitia que navio negreiro entrasse na Terra da Luz", lembrando que foi o Ceará o primeiro estado a não permitir a entrada de escravos no país.

Em 1950 gravou o samba "A Mulher deve Casar" de Nássara.

Esse samba, começa dizendo "a mulher deve casar, meu irmão, mas o homem não".
Com quem ela se casaria? Eis um mistério...

Déo não pertenceu ao famoso "cast" da Rádio Nacional. Trabalhou principalmente na Rádio Tupi, até 1962, e também pertenceu ao elenco da Mayrink Veiga, onde César Ladeira deu-lhe o título da "Ditador de Sucessos".

Dias antes de falecer, regravou um samba de Haroldo Lobo, que foi sucesso no carnaval. Seu nome "...E o 56 Não Veio": mais um samba no repertório nacional falando em bonde. O n° 56 era o da linha "Alegria".

"Será que ela não veio porque se zangou.I
Ou o bonde Alegria descarrilou?"

DÉO faleceu em 23 de setembro de 1971, aos 56 anos.

O raio de sol (Mário Lago)

Chico Risada vendia amendoim para ajudar os pais, que ganhavam pouco na fábrica, mas era o menino mais alegre da rua, talvez da cidade. Mesmo quando a venda do amendoim não ia bem ou era maltratado por um freguês nervoso, não parava de cantar, de estar sempre brincando. E se lhe perguntavam por que aquela tanta alegria, respondia com um sorriso que mostrava os dentes cariados de menino pobre.
- Porque tenho um raio de Sol.
Os outros meninos não entendiam muito bem essa resposta e o Salustiano, cheio de bossa pra inventar coisas, chegava a dizer que certa madrugada o Chico Risada estava na praia esperando o Sol nascer.
- Vai ver que foi nessa madrugada que ele apanhou o raio de Sol.
Um dia o bairro acordou triste. No terreno abandonado onde os garotos jogavam pelada iam levantar um prédio de oitenta andares. Pra espantar a tristeza, que deixava muito menino chorando, Salustiano teve uma grande idéia:
- Vamos pedir emprestado o raio de Sol ao Chico Risada. Assim ninguém morre de tristeza, e ninguém morrendo de tristeza a gente arranja outro lugar pra pelada.
Chico Risada não emprestou o que os meninos queriam, mas deu uma lição que adiantou muito.
- Eu não posso emprestar o raio de Sol a vocês porque ele não está guardado num armário, numa gaveta.
- Então onde é que ele está? Você diz sempre que é alegre porque tem um raio de Sol. Nós queremos só um pouquinho dele.
- Vocês não entenderam direito o que eu quis dizer. Eu canto, eu estou sempre alegre...
Mas não é porque tenho um raio de Sol me dando essa alegria. É ao contrário. Eu tenho um raio de Sol justamente porque vivo cantando, sempre alegre. Todos nós devemos ter esse raio de Sol dentro da gente.
Eles querem ver a gente triste. Mas nós não damos confiança e vamos arranjar um lugar pra pelada. Nós temos um raio de Sol.

J. Cascata



Álvaro Nunes (Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1912 — Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1961), mais conhecido como J. Cascata, foi um compositor e cantor brasileiro.

Mundo de sonhos - Emerson Monteiro

Nos mistérios da Natureza, os sonhos ocupam lugar privilegiado. Tal qual pensamentos independem da pura vontade dos que pensam, sonhos se apresentam na medida do sono e ninguém escapa dos encaminhamentos instigantes que formam noites a fora. Há estudos mil quanto aos sonhos. Na Ciência, busca persistente aprofunda respostas a isto, desde o passado remoto, e ainda permanece presa ao campo nebuloso das cogitações, circulando o tema de olhos atentos, porém precisando de maiores esclarecimentos que a todos convençam. Admirável esse universo sempre novo dos sonhos.

A propósito, lembro de história que, um dia, ouvi de certo antropólogo americano, não lhe recordo o nome, que viajava pelas tribos da Amazônia e entrevistara velho pajé a respeito dos sonhos. Na entrevista, perguntou ao indígena do poder que as pessoas possuem de entrarem nos sonhos das outras.

Sem titubear, o feiticeiro respondeu que sim, as pessoas podem entrar nos sonhos das outras pessoas, acrescentando em seguida que iria demonstrar, na prática, ao pesquisador, o que estava afirmando naquele momento. Que entraria em um dos seus sonhos para provar o que dissera.

Depois de o professor seguir a outros locais de estudos, retornou à região alguns meses transcorridos desde então. Ali, de novo, se avistou com o pajé da entrevista. Nessa hora, o próprio selvagem foi quem tomou a iniciativa de lembrar o mesmo assunto dos sonhos, e perguntou:

- O senhor recorda de um sonho que outro dia teve, e que nele apareceu uma onça pintada em movimento dentro da floresta?

Após concentrar o pensamento, confirmou o antropólogo aquele sonho que, com clareza, vivenciara no intervalo de tempo após haver encontrado o pajé pela primeira vez.

- Pois aquela onça era eu – assim e naturalmente retribuiu o índio antigo.

Observo, contudo, a margem infinita dos conhecimentos em adquirir, nas jornadas da experiência, o domínio de si sob os mistérios que, a todo o momento, surgem nas portas da transformação, espaço do crescimento individual comum e fértil.

E concluo indagando aquilo mesmo que quis saber do índio o estudioso americano:

- É possível a uma pessoa entrar nos sonhos das outras pessoas?