por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 9 de junho de 2012

Entre as raízes e o olho do pé de macaúba - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Foi uma tarde destas dos tempos sem medição quando nos encaramos. Pedro Belém e este que vos narra. Entre nossos olhares corria um vão maior que muitos séculos. Na aparência nossas idades não tinham mais de 50 anos de diferença, mas nossas almas se distanciavam de modo descomunal: entre as raízes e o olho de um pé de macaúba. Pode não parecer muito, mas tente vencer esta distância subindo pelo tronco da fera espinhosa.

Pedro Belém não tinha imagens para recordar-lhe o que a mente resguardara. Nem fotos ou desenhos. Os mortos do seu tempo passado apenas estavam vivos na sua memória. E ele tinha somente os significados e significantes do seu discurso para dizer-nos como eram e o que eram para ele.

Não havia uma música de fundo a determinar-lhe a saudade e nem uma nota lânguida que acendesse alguma centelha de um momento qualquer de sua vida acontecida. A música era recordada como festa, como evento, seja nos terreiros ou embaixo das latadas nas danças de volteio.

Por certo que nos olhos de Pedro Belém ressurgiam as imagens das paisagens que se reconheciam como algo de então, mas para isso havia uma distância para as pernas já ocupadas pelo trabalho diário. Quando coincidia, Pedro parava com seu olhar amoroso, cuidadoso daqueles momentos ali vividos e a paisagem, ou pé de bogari, ou a ribeira do rio se tornavam o momento eterno daquele homem da distância secular.

O gosto de Pedro bem lhe dizia do conforto do sabor conhecido. Daquela papa de Carimã das noites de inverno, quando se encostava no ombro da mãe para se aquecer em tudo que a proteção tem de calor para embainhar o corte do frio. Nunca mais, na sua solidão de solteirão, bebera uma gemada quente justamente quando a fraqueza do resfriado mais aberta deixava as portas das terminações a partir de onde mais nada havia.

Pedro Belém contava com bem pouco das lembranças dos sentidos para ditar-lhes os acontecidos que lhe dão espírito de povo. Só e quando a natureza espontaneamente ou por uma coincidência de suas obrigações lhes punha à mostra destes eventos sensitivos que tão bem ligam o presente e o passado. Em compensação, Pedro só contava com ele mesmo para dizer quem era, quem foi e pretendia ser.

Muito diferente do que é lá no olho da macaúba. Com seus momentos marcantes, um filme para lembrar aquele instante, um perfume artificial para despertar amores e lembranças sensoriais, uma música para despertar as lembranças de alguém, uma imagem em movimento para capturar uma síntese de pensamento. Pedro Belém e eu nos encaramos com um vão de séculos, não dos séculos um a um, cada cem anos que passou, mas uma espécie de aberração secular, que em pouco menos da metade deu um salto como se virasse a página inteira para outra era.

E os espinhos não me deixam descer até as raízes da macaúba.