por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 17 de março de 2013

Só Lembranças
 Ignez Olivieri

Não sei mais da cor de seus olhos
Só sei que eram profundos
Cheios de segredos, de esperanças e de mistérios
Brilhavam para mim como o sol.
Neles sonhei, amei, me entreguei inteira
E me perdi dentro deles e sem volta sofri.
Sofri tanto que me esqueci do seu brilho
Sua luz intensa que me iluminava para a vida
Esquentando meu coração cheio de amor e paixão.
Então sequei as lágrimas para ver as estrelas e a lua.
Hoje já não sofro, sou gente, sou viva, sou inteira
A força e o amor que lhe dei são meus agora
E me sinto tão grande e tão amada
Que sua lembrança vaga se desfaz.
Perdi o sol, ganhei as estrelas e a lua
Que fazem brilhar com a luz das poesias
As minhas noites, as madrugadas e a rua
Palcos dos meus sonhos e alegrias
Encenando a peça “Eternamente sua”

O novo sabor do baião


Tiago Araripe lança "Baião de Nós", seu primeiro álbum em 30 anos. A produção é de Zeca Baleiro

Tiago Araripe exibe orgulhoso seu segundo álbum solo, "Baião de Nós". Com produção de Zeca Baleiro, o disco reúne 11 canções inéditas, numa miscelânea de gêneros que inclui baião, reggae, indie rock e funk FOTO: MARCELO BARRETO/ DIVULGAÇÃO

O excesso de saudades já fez mais de uma vítima na música. A consequência mais danosa desta ligação com o passado não é a saturação - lembre de todas aquelas canções e discos que você não consegue mais ouvir de tanto que já foi obrigado a fazê-lo. Pior mesmo é a mania de querer que o passado ressurja no presente, que aquele artista morto ou aposentado, que aquela banda extinta reapareça e invista uma continuidade impossível (afinal, ninguém quer retomar de onde parou, mas tentar fazer uma sequência de seu momento mais inspirado). O resultado disso, todo mundo conhece, é uma população crescente de mortos vivos, de discos irrelevantes que se somam a boas discografias.

Afinal, quando falamos nos Mutantes, estamos pensando no power trio que tinha Rita Lee e Arnaldo Baptista ou da banda que existe atualmente, liderada pelo guitarrista original, Sérgio Dias? Alguém lembra que eles lançaram um álbum de inéditas, em que tentam soar como os originalíssimos e insubmissos Mutantes e, por isso mesmo, não chegam lá? Talvez o ideal fosse fazer como as bandas Blur e Pixies: turnês sim, mas sem novos discos.

Zeca Baleiro produziu as gravações de "Baião de Nós", no estúdio Muzak, em Recife: maranhense "redescobriu" Tiago Araripe FOTO: AUGUSTO PESSOA/ DIVULGAÇÃO

A longa introdução é necessária ao álbum "Baião de Dois", do cearense Tiago Araripe. O CD acaba de ser lançado, mas ficou pronto no fim do ano passado - quando o disco anterior do compositor, "Cabelos de Sansão", completava 30 anos de lançamento. Por si só, o hiato não traduz a questão: Tiago Araripe saiu do Ceará para, nos anos 70, integrar-se a cena artística de vanguarda de São Paulo. Gravou com o tropicalista Tom Zé, tornou-se parceiro do poeta concreto Décio Pignatari, integrou a banda de rock experimental - injustamente pouco lembrada - Papa Poluição e se misturou com a turma da Lira Paulistana, da qual fazia parte o compositor Itamar Assumpção.

Redescoberto
Foi pelo selo da Lira que Tiago lançou seu primeiro disco solo. Não foi um sucesso de público, mas conquistou parte da crítica. E conquistou uma nova geração de críticos - e, desta vez, de fãs, como quando foi reeditado há cinco anos, pela Saravá Discos, de Zeca Baleiro, um fá confesso do álbum. Esta reedição garantiu o status cult para um álbum excelente, mas pouco lembrado. Como a música se faz, também, da história dos músicos, "Cabelo de Sansão" havia se beneficiado do fato de Tiago Araripe ter se afastado da música. Era, desde o começo dos anos 80, um respeitado profissional do mercado publicitário, com passagens por agências de São Paulo, de Fortaleza e de Recife (onde vive).

Poderia ter ficado nisso, curtindo sua glória de "recluso", como uma espécie de Syd Barrett tropical. Ao decidir gravar um novo disco, Tiago Araripe assumiu um grande risco: o de manchar sua impecável e exígua discografia.

Se "Baião de Dois" fosse um disco ruim, teria o destino dos CDs independentes que soam mal: seria ignorado, pela "grande imprensa" e pelo circuito alternativo da crítica musical. Para piorar, seria, para o bem e para o mal, comparado ao "Cabelos de Sansão", um disco difícil de superar.

Nós
Tiago Araripe é a exceção para confirmar a regra. Ensina que quem vive no passado o faz por escolha própria. Em versos de "Gregório", o cearense parece explicar suas escolhas: "Mexa o corpo/ saia fora dessa zona de conforto/ é assim que vale a pena viver".

"Baião de Nós" é um disco de frescor contemporâneo. Bom mesmo que não tivesse uma história que o precedesse, que o tornasse mais interessante. Nele, Tiago Araripe reuniu canções novas e antigas, inéditas que estavam na gaveta, sem previsão de gravação e lançamento.

No álbum, o cearense reeditou a parceria com o fã maranhense: Zeca Baleiro produziu, ao lado de Tiago, o disco. A dupla ainda compôs duas das 11 canções do trabalho - a faixa-título (que conta com vocais de Baleiro) e "Esfinge".

Em três pontos, a comparação entre "Cabelos de Sansão" e "Baião de Nós" é inevitável: tanto um como outro, sem artificialidade, retratam bem seu tempo, em termos estéticos - se valem de gêneros tradicionais, sem apelar para o saudosismo ou para o pastiche; e ambos fazem música, digamos, estranha a partir de gêneros absolutamente convencionais (o reggae não é exatamente reggae; o baião não é exatamente baião; o rock idem). Por fim, o compositor tem uma forte ligação com a literatura e com a poesia - as letras têm qualidades inventivas para além de sua combinação com os arranjos.

Beleza
"Baião de Nós" é um disco bonito, sem gorduras, sem nada fora do canto. Os arranjos são delicados, como é difícil de se ouvir atualmente - às vezes, parece que a música que se ouve por aí ou é barulhenta ou enfadonha.

Tiago conduz, com sua voz frágil, as várias formações que gravaram o disco pelo caminho exato, de envolver as letras, de transformá-las em canções que surpreendem, mas acalentam, como se fossem velhas conhecidas de quem ouve. É o caso da melancólica "Nós", uma valsa minimalista, com algo de trip hop, de tango, de tristeza moderna; e "Dois lados", um baião desacelerado, igualmente belo.

Tiago transita bem por ritmos mais dançantes - caso da faixa de abertura, o reggae "A quantas anda você?"; o indie rock "Feito Beatles" (que faz valer o disco); o baião tradicional "Baião de Nós"; o funk atmosférico "Esfinge"; e "Click zap", que é avessa às definições, mesmo quando feita por aproximação.

Extensões
Tiago Araripe certamente tem a dimensão da importância de seu "Baião de Nós". A produção é caprichada para além das 11 músicas e da faixa-bônus. Vai do projeto gráfico de André Venancio até a movimentada página no Facebook (procure pelo nome do disco), com imagens, vídeos e amostras do faixas CD. Uma coleção de canções para ser ouvida à exaustão e, se necessário, redescoberta lá na frente.

DELLANO RIOSEDITOR