por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ainda a "Exposição" - José Nilton Mariano Saraiva

Conhecemos o sensato e equilibrado Emerson Monteiro (embora sem uma maior proximidade, naquela ocasião) desde os bancos escolares, quando cursávamos o antigo “primário” no saudoso Grupo Dom Quintino, ainda ali onde é hoje, esquinas das ruas São Francisco e Monsenhor Esmeraldo, no bairro Pinto Madeira; depois, levados pelo colega comum José Newton Agostinho (outro “pedra noventa”), também militamos juntos numa espécie de clube de serviço (composto de adolescentes), de nome Interact Club, que ficou conhecido em razão dos seus integrantes saírem pelas ruas do Crato (do comércio aos bairros de gente com poder aquisitivo capaz de), à busca de donativos para distribuição com os menos favorecidos (portanto, já ali, aos 13, 14 anos, o Emerson mostrava sua preocupação com o “social”).
Depois, o Emerson Monteiro conseguiu aprovação no concurso do Banco do Brasil (BB) e de nossa parte fomos aprovados no do Banco do Nordeste (BNB) e, assim, cada um seguiu caminhos outros, desconhecidos, diferentes. Ficou, no entanto, a lembrança da sua inteligência, da sua sensatez, da firmeza das suas ações, do caráter retilíneo já definido, da sua preocupação com as “questões sociais”, de par com certa timidez (ainda hoje uma de suas características).
Muito tempo depois, já morando em Fortaleza e o Emerson de volta ao Crato, tomamos conhecimento, através de familiares, de um “azedo” artigo publicado no Jornal do Cariri, de autoria de um determinado advogado da cidade (que não nos conhece e o qual não conhecemos), no qual fomos citados mais de uma vez, de maneira um tanto quanto desrespeitosa; de imediato, resolvemos que não ficaríamos calados e, quando soubemos que o Emerson Monteiro era um dos diretores da publicação, imediatamente entramos em contato, via e-mail, solicitando o mesmo espaço, à mesma página, a fim de exercer o competente “direito de resposta”; como esperado, ele nos escancarou as portas e assim o texto de nossa lavra “Ao mestre, com carinho”, foi publicado na íntegra (o tal advogado preferiu não treplicar, ao constatar que não estava lidando com algum irresponsável).
O preâmbulo acima é só pra que nos reportemos sobre um recente artigo do Emerson Monteiro (“O parque de exposições de Crato”, veiculado nos blogs do Cariri) tratando da delicada e discutível “relocalização” do Parque de Exposições da cidade; ali, ao nos segredar que “...coça por dentro uma vontade de falar qualquer palavra de cidadão no quadro que se estabeleceu”, o nosso educado Emerson mostra-se visivelmente desconfortável, já que “...a querela estabelecida virou domínio público”; aproveita pra discorrer sobre o crescimento do evento, do caos do trânsito no período da festa, da judiação provocada pela selvageria das alturas do som ensurdecedor (pra humanos e animais, conforme o seu depoimento) e, alfim, sobre a formação de “...uma espécie de cabo de guerra entre os gestores do Município cratense e o Executivo estadual quanto ao jeito certo de resolver, daqui para adiante, onde funcionará o Parque de Exposições Pedro Felício Cavalcanti”.
Como estivemos na cidade durante os últimos quatro dias do evento (e de conhecido, lamentavelmente, só encontramos o Pedro Esmeraldo), vamos abordar alguns “detalhes” que não constam do texto do Emerson: 1) há, sim, embora as partes não admitam, interesses “não tão republicanos” por trás de toda essa querela; 2) como o atual presidente do “grupo gestor”, responsável pela organização do evento, é “sogro” do atual Governador do Estado, não há a menor chance de alguém tomar-lhe o lugar (pelo menos enquanto o “genro” estiver dando as cartas; 3) como o Governador do Estado e o prefeito da cidade de há muito não falam o mesmo idioma, é notório o progressivo esvaziamento da nossa cidade (devidamente “escondido” por trás de uma farsa grotesca, a criação de uma tal Região Metropolitana do Cariri, maneira “legal” de direcionar os recursos e empreendimentos estaduais para uma única cidade da região); 4) embora haja espaço suficiente, sim, pra ampliar o atual “Parque de Exposição” (já que apenas 1/3 da sua área é usada/utilizada), bem como para a criação de largas vias de acesso em seu entorno, capazes de resolver de vez o problema da trafegabilidade, o desinteresse do governador do Estado em “bancar” tal idéia (ou projeto) parece ter a ver com a pretensão, externada publicamente pelo próprio querido “genro”, de adquirir – COINCIDENTEMENTE DE UM DOS COLEGAS INTEGRANTES DO TAL “GRUPO GESTOR”, uma enorme área, a preço exorbitante, distante da cidade e certamente de difícil acesso à população, para sediar o “novo” parque (mesmo que no “..Sítio Palmeiral, NAS BANDAS DOS BREJOS, entorno da Avenida do Contorno”, conforme assegura o Emerson).
No mais, seria bastante interessante e certamente esclarecedor se saber o “nome” (ou “nomes”) de quem patrocina e a quem se destina a polpuda “bilheteria” dos dois shows (“noite do brega” e “jovem guarda”) realizados no recinto do atual parque, antes do início oficial do evento, já que, não constando da programação oficial, só pode ter “particular” usufruindo da farra.
Um picolé de chocolate (recheado de morango), pra quem desvendar o "mistério".

POEMAS DE NUNCA MAIS - por Ulisses Germano

E quando dei por mim
Era tarde demais
Tudo ficou pretérito
Policiado e acobertado
Pela necessidade lânguida
Da carne ardendo
Na privação do desejo
Turvando a água
Trazida da lama
Do fundo do poço

E quando dei por mim
Era mais tarde do que demais
Não dei conta de que sentia
A incompletude do silêncio
Obsequiador que ardia
Mostrando claramente
A borda de uma taça trincada

Fechado para o balanço:
Na vida nada se perde
Tudo se transforma
Em experiência

"Hair" e a vaidade feminina! –Socorro Moreira



Aos quatro anos resolvi pegar a tesoura, e por minha conta cortar o meu cabelo.. Cabelos negros, finos, sedosos, mas me deixavam com cara de Luluzinha. Acho que o desejo de ser moderna nasceu em mim muito cedo.
Quando minha mãe viu o estrago levou-me correndo para um salão de beleza. Disse pra Dona Estela: frise o cabelo dessa menina, pra ver se ajeita.
Passei por um processo químico agressivo, alem de ferros quentes. O friso deixava o cabelo, no miudinho, como cabelo pixaim. Mas era moda.... 
 Minha irmã Verônica era sangue azul. Imaginem: branca, loira, corada, que o sangue queria espirrar, como dizia minha avó Donana.
Meus cabelos foram cortados mensalmente para ir tirando os efeitos  da química. Depois fui entrando na adolescência e os hormônios em alta, impingiam a rebeldia da fibra do cabelo: crespos!
Nas revistas da época, existia a propaganda de um produto alisante: “para as mulheres que têm tudo, menos cabelos lisos”. Era uma mensagem direta pra mim. Usei bobs, fiz touca... Eles ficavam belos, mas bastava esfriar o tempo, para que voltassem á condição natural: preto anelado!
Nos passeios da escola, ônibus fretado, lanches nas sacolas, o banho de piscina ou açude era uma delícia e ao mesmo tempo uma praga; o cloro deixava os cabelos da gente , horríveis. E nem adiantava aquela cor maravilhosa de morena jambo, e o rosto de pele lisa, sem acnes.
Na fase adulta resolvi adotar a moda Gal. Deixei crescer o cabelo, e batia para que os cachos não se desmanchassem. Gostava do visual. Beneficiava-me.
Na menopausa, meu cabelo voltou ao normal. Nem tão liso, mas crescente como uma lua brilhante. Olho para o espelho, e digo um tanto triste: agora tenho cabelos lisos...!
Por que a cultura e a moda ditam os preconceitos?
Moça de família tem cabelos lisos...
E as expressões idiotas?
- loira à força; oxigenada; cabelos estirados á forca; cabelos frisados...
Uma eterna preocupação feminina: “o cabelo é a moldura do rosto”.
Nisso até concordo...É preciso perfumá-los!

Figurante - por Rejane Gonçalves



Comecei a rejeitar Emanuel ao perceber que ele se dava bem com a solidão. Dividi a casa ao meio e cada um tomou um pedaço. A mim coube o menor, quis ser justa, erguer a parede fora uma idéia minha. Ele não reclamou, ficava parado, vendo a casa pouco a pouco transformar-se em duas.
Aos oito anos, para que eu me curasse do hábito de comer terra, obrigaram-me a mascar folhas de fumo. Desde sempre, fumo cachimbo e como barro; minha língua acostumou-se ao roçar dos grãos arenosos e, quando o barro é colhido depois de uma breve chuva, um sumo marrom me escorre pelos cantos da boca, igual me escapa dos lábios o sumo transparente da pêra aguacenta. Sou dessas pessoas de quem dificilmente se consegue tirar alguma coisa, antes acrescentam outras. Engordei muito, talvez devesse mesmo ter dividido a casa. Desse lado eu só, do outro, ela e Emanuel.
Sobre mim o vidro embaçado, o avesso da roupa, a camada de tinta, apenas a lembrança turva dessas coisas que acabo de contar, se bem que falei mais para dentro do que para fora, como se fosse um treinamento, um jogo de desesquecer. Desabituei-me das pessoas, só lhe atendi pela curiosidade de saber se, num corpo, continua tudo igual. Agora você pode ir, a casa de Emanuel é a outra, colada em mim. Não, é impossível que você tenha vindo à minha procura, queira me entrevistar, sim, você tem razão quando afirma que a escritora sou eu, era, faz tempo que houve uma inversão. O que posso lhe adiantar é que depois das muitas histórias, do fazer e refazer criaturas, das incontáveis camadas de tinta a encobrir o mundo real, a atenção tem que ser redobrada, um pequeno descuido e os papéis se invertem. Eu achei que estava no comando, até o dia em que me percebi capturada no início de uma história, presa num espaço exíguo, poucas linhas, todas retas, nenhuma possibilidade de curvas, de tropeções em uma pedra qualquer, parágrafos previamente estabelecidos, hora certa de acabar, justificativa frágil para o corte do argumento, a mesquinhez do ponto, ponto final; até que senti o pincel cobrir-me com uma tinta amarela, bem pálida; até que mal enxerguei Emanuel que se preparava para outra demão e desistiu, como se temesse me avivar as cores. Não teve o amor, a consideração que eu sempre dispensei a ele, nem passou dias e noites a escolher os tons certos, a morrer engasgado com a bolha de ar que, dependendo da posição do pincel, tende a formar-se na textura da tinta. Fez-me um personagem esmaecido, aqueles que nas histórias não têm importância alguma. Bata à porta de Emanuel, ele é quem me inventa, quem sabe tudo sobre mim, quem coloca as palavras na minha boca, quem tem medo de trocar a cor da tinta. Que eu me lembre, ele nunca chegou aos pés do que eu fui. Ele é cauteloso, ciente dos perigos, protetor feito um cão de guarda, não é que não nos deixe sair à rua, deixa, mas se debruça na janela e mantém a porta escancarada, para que possa sair rápido e alcançar num tempo bem curto a criatura que, em busca de um distanciamento, tome um gole maior de fôlego.
Se eu me arrependo? Não, não. Por quê? Ora, por quê? Escreva aí, Emanuel, embora seja capaz, não enxerga claridade na sombra, não teria, pois, a coragem de se permitir criar um Emanuel.


(obs. Enviei este conto para o 5º Prêmio Maximiano Campos de Literatura- em 28 de julho de 2009 – Postei no site às 2l.57. (pseudônimo: pão-ázimo)

Do baú de Stela Siebra Brito


MÃOS




Mãos crianças brincando de ciranda e de amarelinha,
desenhando a luz da manhã, inquietas, atuantes.
Mãos brincantes:
colhendo frutos,
aparando a chuva,
cortando a cana,
cortando o vento,
cortando a água.


Silêncio.
Música e silêncio.
Som de suave flauta invade a alma.
As mãos vão se abrindo dançantes,
contando muitas histórias,
histórias cicatrizadas em bordado de linhas coloridas.
Cores vibrantes,
cores marcantes.


Mãos de mulher:
amorosas,
suaves,
cálidas,
receptivas.
ao toque, ao encontro
de outras mãos,
de tuas mãos que invadem as minhas
e aí se completam, se entregam,
encantadas,
mergulhadas
no som da Nona Sinfonia que ecoa por todo Universo.


(10/05/06)

Por Stela Siebra Brito


Para o toque das mãos que se encantam e se entregam não há palavras;
talvez imagens; música há com certeza. E silêncio.

(stela siebra)

Como morrem os amores- enviado por Altina Siebra


COMO MORREM OS AMORES...(Jorge Linhaça)

Os amores morrem de inanição.Se não há alimento.Os amores morrem de decepção.Se não há sobriedade.

Os amores morrem de ciúmes.Se lhes falta alento.Os amores morrem de quietude.Se não há cumplicidade.Os amores morrem de tédio.Se lhes faltam motivação.Os amores morrem de egoísmo.Quando se ama em solidão.Os amores morrem cedo.Quando falta compreensão.Os amores morrem queimados.No calor de uma discussão.Os amores morrem sufocados pela mágoa acumulada.Os amores morrem afogados.No mar das mentiras criadas.Os amores morrem doentes quando somos intransigentes.Os amores morrem dormindo se a paixão vai se diluindo.Os amores morrem! Porque nós o matamos.Os amores morrem se os sentimentos ocultamos.Os amores morrem. Porque não os vivemos.Os amores morrem. E, morrendo o amor.Nós é que morremos.

Ler também é arte - por Marcos Leonel


Ler também é arte

Em 1990 Umberto Eco foi convidado pela Cambrige University Press a participar do Seminário Tanner. Ele escolheu como tema: interpretação e superinterpretação. E esse é o título do livro, relançado pela Martins Fontes, que contém o registro de todas as conferências feitas naquele evento. Para antagonizar o discurso do convidado também participaram Richard Rorty, Jonathan Culler, Crhistine Brook Rose e Stepthan Collini. Esse é um livro instigante, embora as aparências possam criar uma imagem de futilidade teórica à primeira vista.

O tema central do livro é o que verdadeiramente é válido na interpretação crítica de um texto. Diante das inúmeras teorias existentes a respeito do tema, Umberto Eco defende a idéia de que existem limitações para o ato da interpretação, se posicionando contrariamente a muitos seguidores e diluidores do desconstrucionismo e do neopragmatismo, correntes filosóficas que viraram moda, mas que poucos sabem verdadeiramente do que se trata e entende adequadamente suas funções. Da mesma forma que virou moda encontrar navios negreiros navegando em postes da Avenida Paulista, também virou moda malhar Derrida como se ele fosse o Judas da vez. Será que ele realmente balança moedas sorrateiras em seu bolso fantasmagórico?

Umberto defende a tese de que o próprio texto contém todas as linhas de interpretações possíveis através de marcadores textuais próprios, internos, sendo ele mesmo o indicador das posturas impossíveis. A partir da idéia da linguagem escrita ser um sistema prévio de escolhas e articulações, formando por si camadas estruturais, Eco entende que o texto pode abrigar inúmeros significados, tornando a obra opaca, suscetível a várias possibilidades de leitura. Essa mesma tese ele defendeu em outro livro, “A obra aberta”, em que ele alude também ao poder de leitura do indivíduo, a partir do seu conhecimento prévio sobre um determinado universo de significações.

Os outros autores que participaram das conferências fizeram várias considerações, algumas concordando com a posição de Umberto Eco e outras discordando completamente. Entre essas conferências uma chama a atenção pelo radicalismo inerente, a do neopragmatista Rorty, que defende a idéia de que qualquer um faz o que quer com qualquer texto, uma vez que não existe necessariamente uma realidade a se desvendar, ou uma essência significativa em texto nenhum. Para Rorty o que existe são usos que o leitor faz do texto e que cada um tem a capacidade de fazer interpretações mais ou menos pertinentes daquilo que está escrito, uma vez que o texto é autônomo, independente, livre, sem ligações com o autor ou o tempo histórico em que está inserido.

Independente de qualquer corrente que você siga sobre o tema, ou se não tem nenhuma, tanto faz, vale ressaltar aqui, o quanto que Umberto Eco é ágil em seu arcabouço de conhecimentos. Sem parecer pedante ou radical; sem dar carteiradas científicas canhestras; sem buscar na ciência um poder duvidoso de determinar o que é verdadeiro ou não; o leitor tem aqui um autor em plena forma intelectual, transbordando erudição e perspicácia, exalando inteligência plena em cada formulação, em cada sentença proferida. Esse mesmo é um livro capaz de provar que aquilo que se escreve acumula camadas estruturais que fornecem os elementos interpretativos para o leitor e que essas interpretações são orbitais, de acordo com a capacidade de aprofundamento de cada um.

Também vale ressaltar que na estrutura profunda dessas conferências reside a certeza de que ainda falta muito para se debater sobre a desconstrução e que os imediatistas conservadores podem ter que engolir suas palavras transformadas em críticas vaporosas sobre as teses de Derrida e Lyotard, só que agora providos de próteses, uma vez que seus dentes vampirescos foram quebrados pelas pulsões da pós-modernidade. Seria, pois, mais do que oportuno, após a leitura hiper recomendável de “Interpretação e Superinterpretação”, o leitor mergulhar nos ensaios de Jacques Derrida contidos no livro “A Escritura e Diferença”, caro, porém fundamental.
por Marcos Vinícius Leonel

Por Domingos Barroso


BANHO DE CHUVA


Você nem imagina
o friozinho agora
a música

o cafezinho
meus olhos
lacrimosos.

Não falta nada
nem mesmo sua alma

(já lhe disse
que é uma coisa só
a chuva e a calçada?)

Hoje eu vi um passarinho
andando despreocupado

entre um carro
e uma banca de revista

as asas, feito mochila,
coladas nas costas

e andava o passarinho
dando pulinhos

(já lhe disse
que em dias frios
os passarinhos
pensam na vida?)

Sim, baby
pensam como penso
em você agora ouvindo
meu coração infantil
apressado e louco.

Você nem imagina
o tremor dos meus lábios
minha respiração de peixe

Nessas horas é bom embrulhar as asas,
feito mochila, no dorso de uma nuvem
e dar um tapinha
nas ancas dessa nuvem

(já lhe disse
como voa ligeiro
uma nuvem em forma
de puro sangue árabe?)

Você nem sonha
que ontem estive
na sua cabeceira

e lhe fiz cachos
e sorri pros seus cílios
enquanto você dormia.

Do livro "No Azul Sonhado"

O TRATADO DA FALSIDEZ EM QUADRA - por Ulisses Germano

As pessoas previsíveis
São enjoentas demais
Além de serem insensíveis
Têm o coração mendaz

Crônicas cangaceiras - Emerson Monteiro


Em dias recentes, com satisfação recebi o livro Cariri: cangaço, coiteiros e adjacências, de Napoleão Tavares Neves, publicado pela Thesaurus Editora, de Brasília DF, em 2010. Sob o ordenamento das memórias recolhidas de suas observações e escutas, Dr. Napoleão descreve as presenças do cangaço na região do Cariri cearense e entorno através de crônicas bem narradas, fotografias primorosas de um passado que ainda perdura no seio desta humanidade, inclusive nos interiores sertanejos.

Capítulo a capítulo, vemos desfilar episódios marcantes que nutriram as histórias repassadas dos ancestrais da primeira metade do século XX, nas salas, varadas e bagaceiras de sítios e engenhos, dotes imorredores daquilo que praticaram coronéis, polícias e cangaceiros, desfilar de casos que apavoraram o imaginário social antes de chegar o tão propalado desenvolvimento da indústria moderna.

Enquanto escorrem das letras filmes desse acervo de rifles e punhais dos tempos em sobressalto, nas maldades dos Marcelinos, de Sabino, Antônio Silvino, Lampião, cenas horripilantes de crimes impunes dos dois lados do feudalismo em decadência, transcorria também a história do mesmo homem e das dimensões trágicas que carrega consigo na busca da perfeição.

Quando criança, ouvia, na escola, apenas o lado romântico das vitórias, nos acontecimentos históricos. Esse aspecto escabroso de cores amargas pouco aparecia na movimentação das tropas e dos confrontos. Achava até que o pior restava só na memória. No entanto ainda se anda longe dos dias de paz plena.

As versões escutadas pelo autor barbalhense, ora transmitidas através dessa obra literária que leio, atende às necessidades do conhecimento de assuntos ocorridos aqui por perto, lugares conhecido no desfilar dos calendários. As marcas cruéis da violência campeavam nas quebradas das serras, no meio dos marmeleiros das campinas esturricadas, nos brejos. Tiros, incêndios, cavalgadas, talhes de facões, medo, destruição, em época de ninguém obedecer aos ditames da Lei nas ações, fosse qual banda fosse que a executasse, casos típico dos fuzilados do Leitão, nos arredores de Barbalha, e do fogo das Guaribas, em Brejo Santo, para executar Chico Chicote.

Esse tropel de cenas guardadas pelo escritor transmite com maestria o panorama daquela fase rude que parece não ter fim diante das injustiças que pouco mudaram nos dias de hoje. A diferença mais forte, porém, é que as histórias tristes deixaram de ocupar as conversas noturnas das varandas brejeiras de sítios e fazendas, e repontam frescas na guerra aberta de extermínio a plena luz do dia nos programas televisivos dos horários de almoço da atualidade cangaceira.

O Raul (Texto de Max Gehringer - CBN)- Colaboração de Eirípedes reis



Durante minha vida profissional, eu topei com algumas figuras cujo sucesso surpreende muita gente.

Figuras sem um vistoso currículo acadêmico, sem um grande diferencial técnico, sem muito networking ou marketing pessoal. Figuras como o Raul.

Eu conheço o Raul desde os tempos da faculdade. Na época, nós tínhamos um colega de classe, o Pena, que era um gênio.

Na hora de fazer um trabalho em grupo, todos nós queríamos cair no grupo do Pena, porque o Pena fazia tudo sozinho. Ele escolhia o tema, pesquisava os livros, redigia muito bem e ainda desenhava a capa do trabalho - com tinta nanquim.

Já o Raul nem dava palpite. Ficava ali num canto, dizendo que seu papel no grupo era um só, apoiar o Pena. Qualquer coisa que o Pena precisasse, o Raul já estava providenciando, antes que o Pena concluísse a frase.

Deu no que deu.

O Pena se formou em primeiro lugar na nossa turma. E o resto de nós passou meio na carona do Pena - que, além de nos dar uma colher de chá nos trabalhos, ainda permitia que a gente colasse dele nas provas.

No dia da formatura, o diretor da escola chamou o Pena de 'paradigma do estudante que enobrece esta instituição de ensino'. E o Raul ali, na terceira fila, só aplaudindo.

Dez anos depois, o Pena era a estrela da área de planejamento de uma multinacional.

Brilhante como sempre, ele fazia admiráveis projeções estratégicas de cinco e dez anos. E quem era o chefe do Pena? O Raul.

E como é que o Raul tinha conseguido chegar àquela posição? Ninguém na empresa sabia explicar direito.

O Raul vivia repetindo que tinha subordinados melhores do que ele, e ninguém ali parecia discordar de tal afirmação. Além disso, o Raul continuava a fazer o que fazia na escola, ele apoiava.

Alguém tinha um problema? Era só falar com o Raul que o Raul dava um jeito.

Meu último contato com o Raul foi há um ano. Ele havia sido transferido para Miami , onde fica a sede da empresa. Quando conversou comigo, o Raul disse que havia ficado surpreso com o convite. Porque, ali na matriz, o mais burrinho já tinha sido astronauta.

E eu perguntei ao Raul qual era a função dele. Pergunta inócua, porque eu já sabia a resposta. O Raul apoiava. Direcionava daqui, facilitava dali, essas coisas que, na teoria, ninguém precisaria mandar um brasileiro até Miami para fazer.

Foi quando, num evento em São Paulo , eu conheci o Vice-Presidente de recursos humanos da empresa do Raul. E ele me contou que o Raul tinha uma habilidade de valor inestimável: ELE ENTENDIA DE GENTE!

Entendia tanto que não se preocupava em ficar à sombra dos próprios subordinados para fazer com que eles se sentissem melhor, e fossem mais produtivos.

E, para me explicar o Raul, o vice-presidente citou Samuel Butler, que eu não sei ao certo quem foi, mas que tem uma frase ótima: “Qualquer tolo pode pintar um quadro, mas só um gênio consegue vendê-lo”.

Essa era a habilidade aparentemente simples que o Raul tinha, de facilitar as relações entre as pessoas. Perto do Raul, todo comprador normal se sentia um expert e todo pintor comum, um gênio. Essa era a principal competência dele.

Há grandes Homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas, o verdadeiro Grande Homem é aquele que faz com que todos se sintam Grandes.

Ronaldo Correia de Brito



Escritos de vida e morte



[in Jornal OPOVO, 06.04.2005]


Ronaldo Correia de Brito lança O Livro dos Homens, buquê de contos talhados a faca, no cenário mítico de um sertão atemporal

Eleuda de Carvalho


''Todos os meus livros, mais que livros, são projetos literários, são construções de um ideário, são propostas de vida e morte. Sim, eu sempre tive este ideário, essa vontade de realizar um feito heróico, mas sou, fisicamente, um anti-herói. Com o tempo, fui descobrindo que a literatura, o teatro, a música, a dança seriam os meios de realizar esse projeto, de fazer a minha política, dentro da acepção aristotélica de que todo homem é um animal político''. Bem que poderiam estas linhas ser o princípio de um conto do Ronaldo Correia de Brito, mas é ele mesmo quem assim fala. E pensei, ao ouvir estas palavras ao mesmo tempo em que lia O Livro dos Homens, que o autor há muito passou dos fundamentos e ergue, a cada livro, mais um andar ao seu construto fabuloso - a epopéia, ainda não contada de todo, desse arquétipo primordial da brasilidade. E ele está cravado no Sertão.

Não pense o leitor que, ao afirmar isto, quero dizer que Ronaldo se circunscreva ao passado, ao arcaico ou ao regional. Muito ao contrário, o vigor de suas histórias - as outras e estas, enfeixadas em O Livro dos Homens - é precisamente a universalidade da mensagem, aliada ao sincero domínio do seu mister. Os contos de Ronaldo Correia de Brito vieram ao mundo para durar. São feitos de matéria viva, pulsante, volátil mas também dotados da rijeza irmã do chão cristalino dos Inhamuns, aonde ele nasceu.

O primeiro conto, ''O que veio de longe'', vai à longínqua fonte dos contos populares árabes, que veio desaguar na beira do rio das Onças. Foi assim que um dia apareceu o morto. ''Desceu a primeira enchente do rio Jaguaribe'', anônimo em seus atavios. Por ter aparecido no dia do santo, largado junto ao pé da oiticica velha ferida dos ferros quentes de marcar o gado, o povo do lugar champou-o de São Sebastião dos Ferros, por obra também de umas tantas graças alcançadas por sua intercessão. E mais vale a lenda que a verdade.

Cada nome, uma referência, uma alusão ao misturado de tantas culturas revolvidas pelo tempo. Lê-se de primeira, tomado pelo encanto deste narrador de mil e uma noites. Outras leituras possibilitam mergulhos transversais, cortes, presságios. O autor abandona-se aos seus personagens, deixa-se tomar por eles, penetrar-se. Porque em ''Eufrásia Meneses'', as palavras dispostas sobre a página do livro têm a voz aguda de uma mulher. ''Minhas veias guardam um resto de vida, alimento do meu marido. Ele deita sobre mim, funga, rosna, machuca-me sem me olhar no rosto''. Serpente subjugada não perde o veneno.

Em ''Qohélet'', a voz que agora fala é a de Bibino, que saiu do mato pra cidade grande, analfabeto e sonhador. O conto, que traz trechos da transcriação de Haroldo de Campos para o Eclesiastes, é também a possível história de todos os mestres do maracatu. ''Mexicanos'' é a narrativa de um menino diante da morte. Este intransponível mistério humano ganha outras nuanças quando sob a ótica de um garoto afetado, vestido com seu novo paletó de tropical azul marinho, à beira do caixão de um tio suicida, e sua preocupação de não poder brincar o carnaval. ''Obedeci a minha mãe e atirei as flores sobre o caixão. Elas sofreram o baque e algumas pétalas caíram. Perderam o rosa perfeito, sujo pelos respingos de lama. Por último, foram tragadas, como tudo na vida''. O menino, de repente, havia envelhecido demais.

''Brincar com veneno'' trata de desejos eróticos, insatisfações, crueldades: os três ingredientes encorpam a maioria das mulheres criadas por Ronaldo, sempre entre a submissão e a revolta. ''Eu só posso resignar-me, partir ou morrer'', diz a mulher que criava cobras. O próximo conto, uma bela referência aos mitos dos índios cariris e aos Irmãos Aniceto, ''A Peleja de Sebastião Candeia''. E como um homem velho ainda pode sustentar os pilares que seguram este mundo, entre o lombo da serpente e os pés da Virgem Maria.

''Milagre em Juazeiro'' é um filme. Os rostos enrugados das beatas sobre o pau-de-arara, em primeiro plano, ao som de um coro de benditos. A promessa de Maria Antônia ao pai, na hora de sua morte. A busca por um rosto na multidão. Em ''Rabo-de-burro'', outra vez a questão da mulher, entre a vontade própria e os costumes arraigados. Num jogo de opostos, ''O amor das sombras'' é o poder sexual de Djanira sobre o jovem cunhado Laerte. ''Cravinho'' é outro dos contos que extrapola o cenário sertanejo cearense para exaltar a Zona da Mata e os subúrbios de Olinda e Recife, com a bela história de José Gonzaga dos Passos, o Mateus Cravo Branco. E de como ele quase foi uma donzela.

Os dois próximos contos, ''Da morte de Francisco Vieira'' e ''Maria Caboré'', trazem outra vez a mulher ao procênio. No primeiro, Clara Duarte, aos 90 anos, narra sua história, seus presságios, seu rancor. Em oposição a esta, temos a sina de Maria Caboré, que ''vivia de pilar arroz, a um vintém cada cinco litros''. O último conto, que dá título ao livro, ''O Livro dos Homens'', reafirma em linhas atuais o perdido código de honra do sertão. Pontuando cada conto, uma marca de ferro das comarcas cearenses, do escritor Virgílio Maia. O Livro dos Homens é para ser lido uma e outra vez, em lambidas leves e num resfolego. Que o livro é guloseima, fruta e pimenta. E ainda um veneno.


SERVIÇO
O Livro dos Homens - Contos de Ronaldo Correia de Brito. Edição Cosac Naify. Orelhas por Marco Lucchesi. Ilustrações do livro Rudes Brasões, de Virgílio Maia. 174 páginas, R$ 37,50.

Ronaldo Correia de Brito



LITERATURA
Crônicas revelam Ronaldo Correia de Brito
Seleção da Objetiva reúne alguns dos principais textos do autor
Publicado em 20/07/2011, às 06h00
Do JC Online

"Minha companhia sempre foram os livros", afirma o escritor Ronaldo Correia de Brito. Quem lê os textos de Crônicas para ler na escola, que a Editora Objetiva acaba de lançar, vai concordar com essa afirmação. As crônicas têm em comum tudo o que envolve o universo literário - livros, leitores, bibliotecas... E mais: servem como chave para o leitor compreender melhor a obra de Ronaldo.

É justamente no trecho de uma crônica que Ronaldo promove o mais certeiro resumo de sua literatura. Ao lembrar a inusitada entrevista que fez com o homem que sabia tudo sobre lobisomens e outros reais habitantes de nosso imaginário, o escritor destaca a perplexidade que a expressão “Desde o começo dos tempos” lhe causa – “Por meio dela o Egito ficava na outra rua, a Mesopotâmia a dois passos e a Índia depois da curva do rio. As distâncias geográficas encolhiam, tornavam-se insignificantes no passado comum do nosso mar de histórias”.

Ronaldo trabalha de forma explícita com o “passado comum do nosso mar de histórias”. Estejam seus personagens numa universidade americana, numa cidade sertaneja bem para lá do fim do mundo ou até perdidos em um não lugar, eles são vítimas de arquétipos e releituras.


Ney Matogrosso



Ney de Sousa Pereira (Bela Vista, 1º de agosto de 1941), mais conhecido como Ney Matogrosso, é um cantor, coreógrafo, bailarino, dramaturgo e ator brasileiro, ex-integrante do Secos & Molhados.

DEFICIÊNCIAS - Mario Quintana (escritor gaúcho 30/07/1906 - 05/05/1994 ) .-Colaboração de Geraldo Ananias




'Deficiente' é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.
'Louco' é quem não procura ser feliz com o que possui.
'Cego' é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
'Surdo' é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
'Mudo' é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
'Paralítico' é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
'Diabético' é quem não consegue ser doce.
'Anão' é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
'Miseráveis' são todos que não conseguem falar com Deus.

'A amizade é um amor que nunca morre. '

Pesquisadores e brincantes conversam sobre Cultura Popular na URCA



O que é cultura popular? É o tema da roda de conversa realizada pelo Projeto “No Terreiro dos Brincantes” desenvolvido pela Universidade Regional do Cariri – URCA, através do Instituto Ecológico e Cultural Martins Filho – IEC.

A roda de conversa acontecerá dia 03 de agosto (quarta-feira), às 19 horas, no Salão de Atos da URCA e contará com participação da Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e coordenadora do Núcleo de Estudos Regionais da URCA , atuando nas áreas de Religião, Cultura Popular e Patrimônio Imaterial, Renata Marinho Paz; do dramaturgo, folclorista e pesquisador de cultura popular, Cacá Araújo; do pesquisador, artista/educador e integrante da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, Jean Alex e da Mestra Mazé do Reisado Dedé de Luna.



A intenção do evento é propiciar uma aproximação entre os pesquisadores e os brincantes, além de possibilitar que o público tenha a oportunidade de escutar os próprios feitores da cultura popular.


O evento faz parte das ações de formação/vivencia dos monitores do Projeto “No Terreiro dos Brincantes”, além deste momento que é aberto aos interessados no assunto. Os monitores terão ainda oficinas sobre noções de fotografia, filmagem, roteiro e produção cultural.


Essas são etapas preparatórias para a segunda edição do Projeto que visa produzir documentários de curta duração sobre cultura popular, os quais são disponibilizados na Internet e as escolas, pesquisadores e brincantes.


De acordo com a monitora do Projeto No Terreiro dos Brincantes, Alyne Feitosa esse é momento para aprofundar o conhecimento sobre cultura popular e ressalta a importância de reunir no evento o erudito e o popular para compreensão estética, artística e cultural do povo do Cariri.


Para o professor doutor Roberto Siebra, atual diretor do Instituto Ecológico e Cultural Martins Filho – IEC, essa roda de conversa possibilita que a universidade se aproxime do conhecimento valoroso das manifestações populares. Ele enfatiza que esse conhecimento é na maioria das vezes desprezado por uma elite intelectual.