por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 5 de julho de 2013

O Arrastão das Redes Sociais - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um laboratório financiado pelo fundo de pesquisa da Microsoft, chamado FUSELABS que realiza pesquisa básica e aplicada sobre experiências sociais voltada para a inserção de usuários na criação, conexão e colaborações com informações e ideias, especialmente em busca social, envolvimento de comunidades on-line e mídia cívica. Enfim analisam o comportamento das redes sociais diante de movimentos cívicos e políticos e o modo como estas redes funcionam para inserir, conectar e colaborar com tais movimentos ou como instrumento de associação e colaboração.

O Fuse tem um blog que publicou uma análise do uso do Twitter nas manifestações recentes aqui no Brasil, lembrando que o Twitter foi o principal meio de conexão no ambiente das mídias sociais utilizados durante as manifestações (este dado eu apresentei num texto publicado aqui ali por volta do dia 21). Os pesquisadores coletaram todos os Tweets (1.579.824) postados entre primeiro de junho e 22 de junho contendo as principais hashtags (VemPraRua; MudaBrasil, ChangeBrazil, ChangeBrasil, passelivre; protestosrj; ogiganteacordou; copapraquem; pimentavsvinagre; sp17j; consolação; acordabrasil.)   

Antes uma questão essencial: ao pegar as principais hashtags o FUSE não mede exatamente a marcha espontânea das manifestações uma vez que hashtags mais evidentes e listados acima tinham uma organização por trás, muitas suspeitas de serem financiadas (como ogiganteacordou, changebrazil, changebrasil etc.). Isso demonstra claramente que pelo menos uma parte importante da força das mídias não acontece dentro dela mesmas mas fora dela pelos mesmos agentes da política e do jogo de poder no Brasil e fora do país.

De modo que os resultado que lerão abaixo refletem muito o modus operandi de tais organizações e claro a capacidade que têm de saber usar as mídias sociais e acelerar as mensagens de modo a criar um estado de emergência geral em quem se encontra conectado à redes sociais. Vamos observar alguns achados da pesquisa.

A dinâmica dos tweets ao longo dos dias mostrou que estas hastags vinham desde o dia primeiro de junho mantendo um padrão de publicações diárias abaixo de mil por dia, refletindo muito o movimento passe livre, mas a partir do dia 13 de junho elas ultrapassaram este número e no dia 14 já se aproximada perto de 50 mil publicações. Entre os dias 15 e 16, após a repressão dura em São Paulo e no Rio, as publicações atingiram próximo a cem mil. Nos dias 17 e 18 as publicações chegam ao máximo perto de cento e cinquenta mil e se mantiveram assim até o dia 21 quando a parti do dia 22 retornou aos números de publicações iguais àqueles do dia 15.

Segundo a própria análise do FUSE LABS o momento em que o twitter esteve mais ativo aconteceu na noite do dia 17 de junho, por volta de 20 horas, quando os manifestantes ocuparam a cúpula do Congresso Nacional. Neste momento o pico de publicações atingiu a 96.531 tweets por hora. Uma das fontes mais ativas de publicações esteve com o AnonymousBrasil, estrutura muito bem organizada nas redes sociais, inclusive compostas por gente muito técnica em ciência da computação. Aliás os Anonymous esteve por trás de convocatórias em dias posteriores sempre de natureza ideológica e contra o Governo Dilma e em defesa da luta contra a PEC 37 que entrou como tema nas manifestações como um contrabando pois não se tratava de uma grande questão social.  

E o conteúdo das mensagens? Por aquelas contagens de palavras o que se destaca frente a todos é palavra Brasil, vem prá rua; verás que um filho teu não foge à luta e o gigante acordou. Como vemos são mensagens genéricas e que poderiam vir de qualquer hashtag. Porém se destacaram muito o change brazil; help e brazil que vieram de grupos específicos. Os nomes de governadores e prefeitos não aparecem e Dilma não está entre os principais. Existem várias palavras sobre políticas e direitos públicos e com referências à manifestações na Turquia. Mas surge uma expressão importante que é: abaixo a rede globo o povo não é bobo.

Enfim são mensagens que refletem as forças em luta que vieram para ruas. No final fica a sensação que o encaminhamento posterior é para quem tiver melhor organização. Aliás tem uma coisa muito interessante que é a natureza internacional dos protestos, ou seja a participação de publicações feitas fora do Brasil. Apenas a metade das publicações foram feitas no fuso horário de Brasília. E na outra metade veio de uma gama variada de outras localidades se destacando Santiago (a estudantada está rebelada), o fuso horário da Groelândia; do Atlântico Médio, Hawaii, Quito, Hora do Atlântico (Canadá); Hora do Leste (EUA e Canadá), Istambul e Buenos Aires.

Ai vemos outro dado: a lutas nacionais fazem parte da luta global. Inclusive a participação de tweets de Istambul reflete muito bem a associação internacional desta luta. Fica claro que a presença de brasileiros no exterior deve refletir nisso como do mesmo modo a participação de pessoas que estão vivendo em países que passam por manifestações assemelhadas. Neste sentido fica mais claro a associação entre Istambul e o Brasil do que entre o Cairo e o Brasil que não aparece entre os mais importantes.   

Outro dado é que a rede de interação começa escassa no início em 15 de junho, fica densa no dia 17 de junho, permanece alguns dias e retorna a ser escassa no final. Isso significa no meu entender o clássico comportamento social do momento da fervura quando os atores mais ativos borbulham para depois arrefecerem. No pico da fervura, nos dias 17 e 18 os agentes mais ativos na rede ampliam muito as suas interações para novos contatos, mas depois disso retornam ao padrão inicial.

O estudo recomenda que a análise continue se ampliando com outras hashtags e que se olhe mais para os outros canais de comunicação como o Facebook. Além do mais é preciso descer a uma análise mais cuidadosa sobre as motivações e o papel dos diferentes atores como pessoas isoladas, estudantes, organizações políticas como o MPL, os partidos políticos tradicionais, coletivos como o Anonymos e, claros, grupos de interesse econômico por trás de vídeos como o Change Brazil (acrescento eu).

Enfim, o nosso pessoal de ciências sociais, ciência da política, de psicologia social, direito, economia, comunicação social e outros ramos do conhecimento pode entrar no jogo imediatamente e qualificar ainda mais as análises destas redes pois elas revelarão muito das dinâmicas em curso nesta fase da história. Inclusive o papel eventualmente manipulador dos governos e das corporações donas desta redes como o Google, a Microsoft etc.

A título de contribuição segue o endereço do FUSE LABS o qual recomendo pois uma simples visita a ele já mostra o perfil de projetos que desenvolvem e até mesmo oportunidade de colaboração e qualificação. O endereço é http://fuse.microsoft.com/.



Mènage à trois



J. Flávio Vieira

                                               Os nome e sobrenome não eram, definitivamente, próprios para Matozinho. Talvez, por isso mesmo, D. Lilibeth Safra Vanderbilt jamais conseguiu se adaptar àqueles cafundós do Judas. Despencando  para os setenta e lá vai porrada, viúva,  esticada e reesticada por várias plásticas, ela morava na vila há mais de dez anos. Vivia reclusa, não participava da vida social da cidade, não falava com quem quer que fosse, com exceção, claro, de Felismina – sua empregada de muitos e muitos anos –  por inteira falta de  opção, a quem tratava , mesmo assim,  como se a Lei Áurea nunca tivesse sido promulgada. Matozinho, por outro lado, não gostava nem um pouco de D. Lili  -- como a chamavam, às escondidas, quebrando o ritual de nobreza,  denominação contrária totalmente à vontade da dona. A senhora contemplava a todos do andar de cima, com desdém e um certo nojo mal contido. O povo, entre dentes, vingava-se daquela importância . Mulher nobre daquele jeito era para morar num castelo no Vale do Loire e não em Matozinho! E,  de língua em língua, pinicavam o oratório dela, trazendo a versão oficiosa das outras cores menos brilhantes e mais esmaecidas  que se escondiam por baixo de tanto sangue azul.
                                               D. Lili era filha do velho Pedro Cangati, um dos líderes políticos mais influentes da cidade, nos anos 30 e 40. Nascera, na verdade,  Setembrina do Espírito Santo Cangati --- parecia nome feio, palavrão para se imprecar em desafetos, mas aquilo, por mais incrível que possa parecer, era nome de gente , sim senhor !  O Setembrina herdara de uma avó materna e o Cangati do pai, o Espírito Santo certamente compunha o nome na intenção de proteger o dono daquele aleijo ortográfico. Ainda mocinha, Setembrina , carregando o nome ou o karma, partiu para o Rio de Janeiro, onde estudou e renegou seguidamente suas origens plebéias. Andou viajando pela Europa e, depois, mesmo voltando ao Brasil, se radicou oficialmente no continente europeu. Para tanto, claro, precisou trocar, rapidamente , o nome brega e, através da força política do pai, um novo Registro Civil foi lavrado em Matozinho, pelo notário Zé Filgueiras. Lá,  constava o local de nascimento:  Salzburg na Áustria e o nome pomposo Lilibeth Safra Valderbilt, filha adotiva do Sr. Pedro Cangati. D. Lili , por muitos anos, permaneceu no Rio, nem se dignava dar as caras em Matozinho. Só falar naquela cidadezinha lhe dava engulhos, se fazia de mal entendida e negava mais que Pedro antes do canto do galo. Morava em um apartamento comprado pelo pai na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde se metia em festas grã-finas e posava de bacana. Tudo ia às mil maravilhas com ela e seu ciclo de amizades, até que o curso normal das coisas deu um cavalo-de-pau.
                                               Um belo dia,  o velho Pedro Cangati fez a viagem derradeira. A mãe de Lilibeth já havia seguido na frente alguns anos atrás. Aberto o inventário, viu-se que as enormes posses do chefe político se diluíam entre os doze filhos legítimos e mais de trinta espúrios que  Cangati deixara espalhados na região. Lilibeth, já balzaquiana, caiu do andor. Vivera até então às custas do pai e da cagação  de goma. Não possuía emprego qualquer, acostumara-se ao subsídio. Percebendo que sua dinastia estava ameaçada e que até o apartamento do Rio teria que ser vendido para o rateio, Lilibeth desesperada, encontrou a única saída possível. Botou-se para cima de um primo, Ludovico Cangati, vereador em Matozinho e dono de muitas terras por lá. Ludovico era solteirão, comentava-se, à boca miúda, que ele vazava corrente , que já vivia maritalmente com  o capataz da sua Fazenda Unha-de-Gato, mas D. Lili não viu escapatória. Casou com Ludovico ( que pôs uma nuvem de fumaça no falatório sobre sua sexualidade), salvou ela  a reputação, mas,  com um grave efeito colateral : teve que se mudar para Matozinho. Aliás, em parte : seu corpo estava ali na vila, mas a alma ainda perambulava pelo Sena e pelo Calçadão de Copacabana. A convivência com o esposo, não pareceu difícil. Ela fechava os olhos para as preferências de Ludovico, até mesmo porque, pelo que se sabia das suas perambulações cariocas, ela apreciava mocinhas e nunca fora muito “fanática por rola”.
                                               Assim, parecia mais que justificável a reclusão de D. Lili. Primeiro, não queria se misturar com aquela gentalha, aquela récua de pé-rapados que vivia naquele oco do mundo. Depois, queria fugir de insinuações quanto às preferências esdrúxulas dela e do marido. No mais, era um oceano de preconceitos: tinha náuseas diante de negros, de pobres , e, principalmente, de nordestinos, judeus  e homossexuais. Periodicamente, partia para o seu querido Rio e lá fazia suas compras e degustava suas menininhas. Roupas, sapatos, perfumes finos atulhavam as malas na volta. Usava-os em casa, pois não saía para nenhum lugar daquelas brenhas imundas. Mandara construir uma capela em casa e pagava ao Padre Arcelino para celebrar, todo mês, uma missa para ela e Ludovico . A Felismina era permitido assistir ao culto do lado de fora.
                                               Desconfiava-se que D. Lili, apesar da nobreza, não perdera , de todo, o gosto por algumas iguarias locais. Muitas vezes,  a força dos Cangatis lhe batia forte.  Mas não dava o braço a torcer. Pedia a Felismina, sorrateiramente, para comprar, às escondidas, o pé-de-moleque de Toinha Socó, a Buchada de Cida , a lingüiça de Mundica de Bertioga, o quebra-queixo de Zuzu Jurumenha. Ia a funcionária, no entanto, com ordem expressa de dizer que era para ela mesma, que, afinal, uma locomotiva chique, não come comida digna de ser oferecida aos porcos, né ?  O que diria Glória Kalil ?
                                               Beirando oitenta, D. Lili caiu doente. Ludovico a levou ao Rio. Diagnosticaram uma doença grave. Ela, no entanto, voltou feliz, encantada com o nome pomposo da moléstia: Esclerose Amiotrófica Lateral. Aquilo, sim, era nome digno de constar num atestado de óbito !  O certo é que a saúde de Lilibeth degringolou rapidamente. Numa das revisões, faleceu no Rio de Janeiro, para sua alegria. Ludovico a sepultou por lá, seguindo a vontade da mulher :
                                               --- No São João Batista, viu Ludovico? Não esqueça !
                                               Uns dois anos depois, o esposo resolveu fazer o traslado dos restos mortais para Matozinho. Estava ficando velho e a distância o impedia de visitá-la regularmente. Lili deve ter se revirado no túmulo, como ventilador. No novo sepultamento, no Cemitério Nossa Senhora da Alegria, os coveiros ficaram surpresos. As roupas da locomotiva estavam puídas, os ossos pareciam negros( que castigo!) e o perfume que rescendia dos restos mortais não eram do Chanel Número 1 ! Lilibeth não deve ter apreciado  muito a homenagem que a Câmara de Vereadores lhe presenteou. Uma rua periférica com o nome em letras graúdas: “Setembrina do Espírito Santo Cangati” e, logo abaixo, entre parêntesis, em caixa miudinha : “D. Lili”. O pior é que a ruazinha desembocava no lixão da cidade.
                                               Ao menos o jazigo que Ludovico mandara erguer mostrava-se digno da importância da moradora. Todo de mármore, monumental, com anjos dependurados nas beiradas e , finalmente, o Lilibeth Safra Vanderbilt ( 1936-2012) , em alta relevo  e, abaixo,  o  latinório : “Resquiat in Peace”. Semana passada, no entanto, Ludovico visitando o cemitério deu com uma cena inusitada. Em cima do túmulo uma cadela vira-lata  no cio, sendo coberta por dois cães pé-duros. Saiu correndo, imaginando a profanação do jazigo de Lili, uma pessoa tão fina e elegante , presenciando aquela afronta logo acima dela. Mas que putaria ! Procurou o coveiro e pediu providências imediatas. Inconscientemente, minorou a agressão que estava acontecendo, utilizando a técnica Safra-Vanderbilt de converter o brega em chique:
                                               --- Por favor, seu coveiro, acuda, ali ! Tem dois Dobbermans fazendo Mènage à Trois com uma Poodle, no túmulo de Lili !