por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 17 de maio de 2015

Escutem...




Porque aquele órgão encantador mais embriagava a dose de Cuba Libre. Entretanto tuas emanações inebriantes a todas as minhas fibras tremiam na angústia da urgência. Aquele momento único não podia se perder.

E teu silêncio denso, como a mais dura rocha, deixava aquele momento grave como o irrealizado que é renúncia. O pingo de perfume na ponta de tua orelha, a fornalha que molda uma vontade no malho do ferreiro.

E aquele órgão se desdobrava em canção. Numa língua que eu não traduzia, mas compreendia. O fervor do teu corpo era o enigma em decifração.  Jogava-me um feito único e toda a iniciativa a mim cabia.

Na timidez ameaçada por um escândalo no salão. Um tapa na cara que move todas as humilhações do mundo. E a tua rocha de silêncio era um lajedo quente no pleno do meio dia.

E os dedos do organista ocupando todo os teclados implodiu o silêncio. Nada mais se escutava, apenas nossos corpos quentes ligados por um cabo rijo e um anteparo que promete o encaixe.

Mas nada havia entre nós. Uma fusão organista, uma concentração no mesmo ponto de fusão. Um momento que não diz nada, mas revela todo o universo. Eis o salto qualitativo do momento de urgência da timidez e do sólido silêncio de espera.

A iniciativa fora disparada. Um pleno orgástico ao som do órgão de A Whiter Sade of Pale.




Co-autores: Gary Brooker e Keit Reid, do grupo Procol Harum. O arranjo de órgão é de Mathew Fisher. Reid numa festa ouviu um rapaz falando para uma moça: você se tornou a mais branca máscara pálida. Uma exótica letra que traduz toda a leitura da educação inglesa do letrista. Parece, no estilo rock progressivo, traduzir a  sedução a dois embriagados, que termina numa relação sexual

A canção e o arranjo são derivados do Bach e isso traduz bem a erudição e a tecnicidade dos músicos do rock progressivo. O órgão introduz, reaparece ao final de cada estrofe e varia durante toda a canção.
No disco apenas estas duas primeiras estrofes foram cantadas. As demais apareceram em DVD e performances do Grupo de Rock inglês Procol Harum.


A mais branca máscara pálida

Nós girávamos a luz do fandango,
Carroça tombada cruzando o piso,
Eu me sentia um tanto enjoado,
Mas a desordem gritou por mais,
O quarto zumbia forte,
E o teto flutuou além,
Quando chamado para mais uma dose,
E o garçom trouxe uma bandeja.

E foi então, que mais tarde,
Como o moleiro disse em seu conto,
A face dela a princípio fantasmagórica,
Virou uma a mais branca máscara pálida.

Não há nenhuma razão, disse ela,
E a verdade é simples de ver,
Mas eu misturava meu jogo de cartas
E não a deixaria ser,
Uma das dezesseis virgens vestais
Que saiam para a costa do litoral,
Embora de olhos plenamente abertos,
Eles estariam sendo bem fechados.

Se a música for o alimento do amor,
Então o riso é a sua rainha,
Da mesma forma se atrás é a frente,
Então a sujeira é o limpo,
Minha boca igual a um cartão,
Parecia deslizar em linha reta ao meu coração
Então submergimos rapidamente,

E atacamos o leito do oceano.

UM DESERTO A SER DECIFRADO - José do Vale Pinheiro Feitosa

E foi por carregar uma criança de colo que caminharam longe pelo deserto. Montados num jumento iam porque o assassinato dos diferentes era a regra do governante.

Balançando no andar do muar, seguia aquele que explicitou que todos somos iguais. Ao invés de uma coisa ou animal de trabalho, somos humanos, pertencemos à mesma família, derivada de igual natalidade.

E aquele que seguia no deserto árido sabia que esta terra estava lá como potência de fertilidade. Sabia que gosmas que se amoldam aos contornos sólidos, lhes daria o beijo da traição.

Mas a questão não se encontra na gosma, nem nas rochas onde se ergue a avareza que tudo deseja apenas para si. A questão se encontra na humanidade traduzida em pessoas humanas que brilham num determinado natal com todo o deserto à frente, pronto para se revelar um potencial fértil.

Mas há que somos iguais e tantos se corrompem na ilusão da superioridade onde tudo que imaginam é um mérito a explorar os outros em diferenças. Há aqueles que decoram sua história com frases da mensagem e sob essa decoração luminosa, tentam ludibriar os demais com merecimentos que dividem, discriminam.

Dois mil anos após, o deserto continua lá pronto para ser entendido. Os chacais ainda o ronda em busca de corpos vivos. Os traficantes do trabalho, em orações de maldita fé, continuam fazendo escravos. Os execráveis continuam com suas vestes ornamentais a pregar anátemas aos demais, condenando-os só para arrancar-lhes o alimento que faz humanos às suas vítimas.

O deserto é para ser atravessado, pois é nele que o relevado se encontra. Ali onde os pilares das instituições nunca se ergueram, onde as bibliotecas da avidez medieval e burguesa nunca foram impressas.

No deserto viverá suando junto ao suor dos demais. Sombras para conservar os escusos que operam a ilusão do progresso não há. Assim como não há a divisão da terra, os livros da mais avalia que acumula, os bytes que fogem com a riqueza coletiva para entocá-las nas ruínas do livre mercado.

O deserto, dois mil anos após, diz tudo ao contrário destes alicerces eclesiais sobre os quais se ergue a acumulação que desfaz a pessoa humana.


A pessoa humana, nós que somos iguais em natalidade.


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
Drummond

P.S Obrigada, amigo Jackson.Drummond é demais!