por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 12 de janeiro de 2013

O "inquilino" (transcrição)

Você mora de aluguel ??? Se sente infeliz por isso ???
Então, talvez lhe conforte saber que existem pessoas em situação pior que a sua. Sabe qual é mesmo o “inquilino” mais infeliz do mundo ???
É o espermatozóide !!!
Por que ???
Vejamos: mora com milhões de irmãos na casa do cacete; o apartamento é um ovo; o prédio é um saco; os vizinhos da frente, uns pentelhos; o de trás... só faz merda; e o proprietário, quando fica duro, bota todo mundo prá fora.
E aí, está mais resignado ??? Que sufoco, não ???



Arisco



As cidades que se espreguiçam nas bordas da Chapada do Araripe vivem, literalmente, de sombra e água fresca. Os cratenses carregam consigo aquela fatia de preguiça e  de irreverência:  agimos  ainda  como caçadores-coletores,  igualzinho aos nossos avós cariris.  Somos mais afeitos à rede e à preguiçosa do que à enxada e ao moinho. É que trabalhar às vezes é até bom, mas dá uma canseira danada. E, ademais, para que essa  correria toda, se os frutos já pendem das árvores; os passarinhos ligam suas radiolas nos galhos; as fontes nos convidam para seus sonhos molhados e o verde da serra nos ensina, a todo momento, suas lições  de esperança ? Pernas para o ar que ninguém é de ferro !  Terminamos por ser, inexoravelmente,  um pouco a extensão da natureza que nos rodeia. Carregamos um sorriso mais úmido, uma postura mais refrescante, uma leveza de brisa, um líquido fluxo de levadas e cascatas. A placidez do mundo à nossa volta reflete-se no nosso espírito. A vida que palpita à nossa frente nos basta e marca, de alguma maneira, o ritmo das nossas sístoles e diástoles.
                                   A serra nos dá lições de perigo com seus penhascos e suas escarpas. A paisagem, vista da montanha, professa-nos aulas de pequenez. Somos um mero ponto diante da imensidão que se estende desafiadora no horizonte sem fim. Do alto, os homens são pequenos e as coisas minúsculas e salta-nos aos olhos a perfeita escala da nossa perturbadora  insignificância . O ciclo incessante das estações brota no nosso quintal e imanta-nos com sua magia: dias somos outono, noutros veraneamos, e , quase que continuamente , primaveramos , no aguardo dos rigores não tão rigorosos  dos nossos invernos exteriores e interiores.
                                   A vida , do outro lado da montanha, substituiu o concreto pelo verde; o sonho pela gula; as espigas pelos espigões; as flores pelo E.V.A; os frutos pelo isopor. Dizem-se todos fartos e felizes , protegidos pelos  seus muros de T.N.T. . Fartem-se ! A luz incandescente do lago artificial lhes ofusca. A nós , basta-nos o milagre nosso de cada dia : a cascata já empina as turvas águas do Batateiras e os pequis estão florando ali no Arisco e,  logo mais , nas encostas da Chapada. Vejam !

J. Flávio Vieira

Luís Fernando Veríssimo




E tudo mudou...


O rouge virou blush

O pó-de-arroz virou pó-compacto
O brilho virou gloss

O rímel virou máscara incolor
A Lycra virou stretch
Anabela virou plataforma
O corpete virou porta-seios
Que virou sutiã
Que virou lib
Que virou silicone

A peruca virou aplique, interlace, megahair,
alongamento
A escova virou chapinha
"Problemas de moça" viraram TPM

Confete virou MM

A crise de nervos virou estresse
A chita virou viscose.
A purpurina virou gliter
A brilhantina virou mousse

Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning
A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal

Ninguém mais vê...

Ping-Pong virou Babaloo
O a-la-carte virou self-service

A tristeza, depressão
O espaguete virou Miojo pronto
A paquera virou pegação
A gafieira virou dança de salão

O que era praça virou shopping
A areia virou ringue
A caneta virou teclado
O long play virou CD

A fita de vídeo é DVD
O CD já é MP3
É um filho onde éramos seis
O álbum de fotos agora é mostrado por email

O namoro agora é virtual
A cantada virou torpedo
E do "não" não se tem medo

O break virou street

O samba, pagode
O carnaval de rua virou Sapucaí
O folclore brasileiro, halloween
O piano agora é teclado, também

O forró de sanfona ficou eletrônico
Fortificante não é mais Biotônico
Bicicleta virou Bis
Polícia e ladrão virou counter strike

Folhetins são novelas de TV
Fauna e flora a desaparecer
Lobato virou Paulo Coelho
Caetano virou um chato

Chico sumiu da FM e TV
Baby se converteu
RPM desapareceu
Elis ressuscitou em Maria Rita ?
Gal virou fênix
Raul e Renato,
Cássia e Cazuza,
Lennon e Elvis,
Todos anjos
Agora só tocam lira...

A AIDS virou gripe
A bala antes encontrada agora é perdida

A violência está coisa maldita!

A maconha é calmante
O professor é agora o facilitador
As lições já não importam mais
A guerra superou a paz
E a sociedade ficou incapaz...

... De tudo.

Inclusive de notar essas
diferenças

Luis Fernando Veríssimo

Vale conferir!


FERNANDO PESSOA, in POESIAS

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


© An HE Painting

Por João Nicodemos


COISA COM COISA.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
12:33
     Dia  destes estive conversando com uma criança, atividade de que gosto muito. É um menino inteligente e muito perspicaz. Depois de algumas brincadeiras linguísticas, utilizando rimas, ritmo, e um pouco do imaginário infantil, no meio da conversa ele parou, pensou um pouco e disse num tom entre sério e debochado: "Ele não diz coisa com coisa!" Outro adulto que estava presente repetiu a frase como quem confirma e aprova a expressão. Fiquei triste e bastante preocupado. Um adulto pensar assim, é até natural, mas uma criança de cinco anos com sintomas dessa natureza?
      Tudo bem que um gato seja um gato e um passarinho seja um passarinho... Mas com um pouco de imaginação, um gato pode querer voar e cantar como um passarinho, ou um passarinho aprender a miar e conversar com o gato. Como diria um amigo meu, o mundo das fábulas é fabuloso!
      Enquanto poeta, transito livremente entre o estreito universo da razão e as infinitas possibilidades da transcendência. Afinal, poesia é transcendência.
      Uma criança de tão pouca idade, olha e vê o mundo com espanto, onde tudo é novidade. Um caramujo no jardim, uma borboleta sobre a flor, uma fileira de formigas... Tudo isso é ao mesmo tempo real e fantástico. Partes de um mundo a descobrir e reinventar. A lógica binária dos computadores não chega nem a arranhar o verniz destas realidades tão profundas e, por isso mesmo tão simples, quando tenta explicá-las.
      Sou irmão umbilical das metáforas, das metonímias, enfim da metalinguagem. Assim, acredito e tenho fé, que a Verdade - com "v" maiúsculo e a Beleza -idem- só podem ser alcançadas por esta via. Entenda-se como metalinguagem todas as formas de linguagem que transcendam aos estreitos limites racionais, incluindo as não verbais.
      Não que eu despreze a Razão e o conhecimento que dela decorre. Afinal toda esta conversa (para muitos, chata) está firmada em argumentos plenamente razoáveis. Prefiro considerar que a razão e suas ferramentas sejam como pedras num caminho pantanoso, onde devamos pisar com segurança para dar um próximo passo. E ainda que nos arrisquemos pisando no desconhecido, as pedras da razão devem ser nossas referências, nosso porto seguro entre um e outro movimento.
      Vejam que não posso abrir mão da metáfora, mesmo pra pensar a razão. Então vamos imaginar que a casca do ovo, em sua pequena espessura, contenha o universo racional. Toda a razão e todo o conhecimento racional ali estão contidos. Com este conhecimento é possível abarcar todas as realidades racionais. Tudo que existe no universo racional, contido na espessura da casca de um ovo.
      Admito que isso seja suficiente, para a maioria das pessoas. Acontece que no interior desta casca imaginária, no interior deste ovo-metáfora, existe mais um universo de fenômenos e possibilidades, totalmente desconhecido e inatingível pelas ferramentas do mundo racional. E como não bastasse, existe ainda o exterior deste ovo imaginário, que não compreende nem sua casca (o mundo racional) nem o seu interior.
     Ao descobrir-formular este pensamento tenho um susto imenso, quase um surto, e percebo que a Verdade e a Beleza são muito maiores e mais plurais do que poderiam supor nossos parcos recursos racionais.
     Penso com Leonardo (Boff) que a transcendência seja uma das necessidades humanas; assim como o alimento, o abrigo, a procriação; e se não fosse esta necessidade de transcender nossa condição humana, de buscarmos o além-de-Nietzsche, não teríamos supra-humanos como Leonardo (o Da Vinci); a Terra teria a forma de uma bolacha e seria o centro do universo; o espaço seria plano e Einstein e Deus estariam errados, e...
     Sinto muito pelos meninos inteligentes que são forçados a dizer coisa com coisa. Sinto por eles e por toda a humanidade.


                                                                                                                                                            
João Nicodemos .