por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Água pra que te quero!"- Foto Nívia Uchôa

ruído

            a jorge luis borges

aqui um poeta cego
não como tu
que vias na escuridão
o misterioso passo do poema


aqui um poeta cego
afogado na luz
de um mundo de tonturas
olhos vermelhos de saber-te
em poucos poemas


escuta!


do escuro onde 
plantou seu corpo
sua boca
sua alma
um poeta lá do crato te saúda


e silencia...

Gene Kelly



Eugene "Gene" Curran Kelly (Pittsburgh, 23 de agosto de 1912 — Beverly Hills, 2 de fevereiro de 1996) foi um dançarino, ator, cantor, diretor, produtor e coreógrafo norte-americano.

Stan Getz



Stan Getz, de seu nome Stanley Gayetsky (Filadélfia, 2 de fevereiro de 1927 — Malibu, Califórnia, 6 de junho de 1991) foi um saxofonista norte-americano de jazz. Fez parcerias com João Gilberto e Antonio Carlos Jobim, tornando-se um dos principais responsáveis em difundir o movimento musical brasileiro conhecido como bossa nova pelo mundo.

Elisa Lucinda



Elisa Lucinda dos Campos Gomes (Vitória, 2 de fevereiro de 1958), é uma poetisa, jornalista, cantora, e atriz brasileira.


Da chegada do amor


Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.


Poesia extraída do livro "Euteamo e suas estréias", Editora Record - Rio de Janeiro, 1999,

A estrutura familiar - Emerson Monteiro

Os seres humanos reclamam cuidados imensos quando chegam ao mundo e superam os demais seres no esforço inicial de formação e sobrevivência, até dispor dos meios necessários a seguir com as próprias pernas a jornada de habitar este mundo. Antes dos sete anos, os filhos do bicho gente exigem, dos pais e da sociedade, extremos arranjos, a ponto de depender, em caráter quase absoluto, dos outros para limpeza, alimentação, vacinas, alojamento, vestimenta, primeiros passos, fala, pensamentos, repouso, formação moral, intelectual, etc.
Esse grau de dependência da nossa raça representa o empenho da família em dirigir suas baterias na sobrevivência e no zelo dos filhos, salvaguarda e herança cultural da sociedade. Ninguém foge dos valores trazidos pela família e que lá adiante não venha a defrontar dificuldades e traumas de adaptação perante o desconhecido, nas dobras do caminho.
Por isso, os sábios dão importância inestimável à saúde dos laços familiares, para considerar a célula doméstica a mãe das comunidades e resposta aos desafios de todo tempo. Desorganizada a família, as outras instituições perdem o prumo e a paz perde a razão. Os abalos nesta fonte original implicam nos desmanches que a história registra, no caos das guerras medonhas verificadas em turnos diversos, custando preço astronômico de sofrimento, desespero e trabalho.
A bandeirada desses primeiros passos humanos, dada pelos pais já na infância, reserva sobremodo a esperança possível dos adultos e das suas circunstâncias posteriores, vindas desde a escola filial, nos sentimentos, lembranças e emoções que lhe marcam o modelo de personalidade depois vivenciado no decorrer das gerações.
Conhecimento de padrões fundamentais vindos no começo apresenta frutos na humanidade, o que demonstra as ameaças constantes de que é vítima a família, nesse jogo de dor e prazer da sua experiência. O mal e o bem, que organizam os porões e a bagagem, nessa viagem de seres humanos, na sombra e na luz das situações, trabalham os tais valores de formação das pessoas em movimento, nos grupos sociais.
Tiradas, pois, essas e algumas conclusões mais, a razão do abalo nos países vem do descaso para com os atores do drama ainda na gravação dos letreiros iniciais das consciências, no berço de vilões e mocinhos junto dos responsáveis pela sua formação. Nisso, entra em cena a família para constituir cidadãos com a mesma face dos tempos sonhados e vividos que irão acontecer logo ali adiante, num futuro imediato.

Pedro Caetano- Por Norma Hauer




MAIS UM CENTENÁRIO = PEDRO CAETANO

Estou aqui para relembrar um grande compositor, que nasceu no dia primeiro de fevereiro de 1911.
Sendo assim, hoje é dia de seu Centenário.

Trata-se de PEDRO CAETANO , nascido no interior de São Paulo, em uma fazenda na cidade de Bananal, de uma família de 12 filhos
.
Ainda criança, perdeu seus 4 irmãos (homens) sendo criado ao lado de suas 7 irmãs. Estas, chegando à adolescência pediram aos pais que saíssem do interior e procurassem uma cidade maior.

Assim sua família veio para Niterói, aqui no Estado do Rio de Janeiro.

Tendo aprendido as primeiras letras com sua mãe (professora) já aos 12 anos ,largou os estudos e foi trabalhar em uma loja de calçados e, nas horas de folga, brincava de cantar e fazer músicas, descobrindo sua verdadeira vocação: compor, embora se mantivesse no comércio de calçados, até o fim de sua vida. Essa loja funcionou em um sobrado da Rua Sete de Setembro, recebendo o nome de Casa Pedro.

Descobrindo sua principal vocação, passou a freqüentar as proximidades do Largo do Marananã onde travou conhecimento com um primo de Sílvio Caldas, que lhe facilitou o ingresso no meio dos bambas da música de então. Isso em 1934.

Sílvio não fez fé em seu primeiro samba ("Juramento Falso"). Como já havia uma música com esse nome (gravada por Orlando Silva) Pedro Caetano o mudou para "Foi Uma Pedra que Rolou", cantada, mas não gravada.
De qualquer forma,estavam abertas as portas que levaram Pedro Caetano ao sucesso. Sua música o fez conhecer Claudionor Cruz, que se tornou seu parceiro em inúmeras composições.
Em 1935 um samba de nome "Tocador de Violão"foi sua primeira gravação. Não aconteceu, mas Pedro,ao lado de Claudionor não esmoreceu e, na voz de Orlando Silva, conheceu seu primeiro sucesso: a valsa "Caprichos do Destino". Estourou!

"Se Deus um dia, olhasse a Terra e visse meu estado,
Na certa compreenderia o meu viver desesperado
E tendo ele, em suas mãos, o leme dos destinos
Não deixar-me-ia assim a cometer desatinos"...

É intreressante observar o uso correto do verbo DEIXAR em mesóclise, no então modp Condicional, hoje intitulado Futuro do Pretérito (uma bobagem, essa mudança).
Alguém, que não seja literato ou professor, saberia usar hoje a forma mesóclise ?

A partir daí, foram muitos os parceiros de Pedro Caetano e as músicas foram desfilando.

Compôs , dentre outras músicas, Nova Ilusão", "Sandália de Prata", "Botões de Laranjeira", "Duas Vidas", "Eu Brinco", "Disse Me Disse", "Onde Estão Os Tamborins?", "É Com Esse Que Eu Vou" - esta foi sucesso em uma novela das oito na voz de Elis Regina.

Só para citar algumas.

Com "Disse Me Disse", gravação original de Carlos Galhardo, aconteceu algo que o deixou muito aborrecido. Visitando Madri, uma cantora portuguesa cantou esse samba como se fosse da autoria dela e, algum tempo depois, vindo ao Brasil, atuou na Rádio Tupi, voltando a cantá-lo.
Pedro apresentou-se como autor e a tal cantora simplesmente sumiu.

A morte de Pedro Caetano, no dia 27 de julho de 1991, foi trágica: atravessando, à noite, a Avenida Marechal Rondon, foi atropelado, ficando seu corpo durante três dias no IML, como indigente. Estava sem documentos.
Foi reconhecido por um amigo, que providenciou seu enterro.

E assim, mais um grande nome de nossa música partiu para a viagem sem volta.


NOTA:
Hoje, usando o título de Pedro Caetano, está-se realizando um "show", só de sambas carnavalescos dos anos 30, 40 e 50, exatamente com o nome do samba de Pedro Caetano: "É Com Esse Que Eu Vou".

Norma




Notícias do Crato- Por Socorro Moreira




Enquando andava pela cidade , mentalmente cantarolei esta canção, ao tempo em que pensava : vou postá-la !
O comércio do Crato voltou ao normal. Vi buracos, barro, pessoas trabalhando , inclusive na limpeza das calçadas. A vida continua ,com a energia da valentia humana. Poderia ter sido pior. Graças a Deus , nenhuma morte !
Olho pro céu e o sol me sorri.
- Um dia, tudo voltará ao normal.
"O pior da tempestade já passou"... E se os homens quiserem, a prevenção de novas ocorrências será implantada. Ainda escutei na despedida:
Faça a sua parte !

Um livro raiz do amor - Por Ceci de Souza Lacerda (Indiazinha Cariri)


Levado ao Vento é um mergulho no tempo das memórias ricas de uma família especial pelos seus personagens especiais que ganharam cor, vida e sons merecidos aos olhos do amor e inspiração de um coração filial.

Um tempo repleto de histórias e recordações...

“Eram cantos dos mais belos e admiráveis passarinhos, dando boas-vindas ao dia que começava a raiar, o novo amanhecer. Coisas encantadoras da natureza.”

O livro reúne elementos que dão um brilho e um movimento bem interessante. Dentro de uma sensibilidade e escrita poética, gosto apurado na escolha das palavras e conteúdos a serem colocados a cada momento, como se lapidando uma obra de arte, vem cativando o leitor a sentir os personagens, o jeito simples e de valor da família das Almécegas, do Cariri, do pé-de-serra, da Taboquinha, de Santana, da Pedra Grande, dos mistérios a serem revelados, do intercâmbio de culturas (alemã e caririense) com toques de suspense, cartas e butijas (enterradas e encontradas), bom humor, ficção ou realidade? Quem sabe? Romances que se encontraram dando frutos, outros que não vingaram pelo destino...

Bem, a mensagem dos personagens é de valor pela vida simples, pelo estudo, pela família, pela religião, ligação com a natureza, o vento, os pássaros, as estrelas, o verde da mata, a água, o sertão, a missão e o que ainda não se conhece... medo para alguns, ciência para outros... sejam percepções diferentes, todos podem ser amigos, viver em paz, aprendendo a viver entre orações, sonhos, espiritualidade, virtudes, alegrias, tristezas e superação.

Ler um livro “devorando” cada página, quase sem piscar os olhos foi um presente para mim (508 páginas em três dias!), fazia muito tempo que não me deleitava assim... (risos). Quando o final do livro se aproximou, eu já estava com saudades. Ao ler ficava imaginando como seria um roteiro de um filme (noivo cineasta...) A parte do padre Wainer, da butija e do desfecho ficou bem legal! A participação do personagem Totonho e suas percepções e conhecimentos espirituais...entre tantas.

Também quero registrar o carinho da dedicatória escrita para mim tão especial, senti-me feliz com suas palavras, lembrando os “índios kariris” e pelo personagem ligado a espiritualidade...

O que mais admiro é o espírito amoroso e de reconhecimento.
Valor, caráter e boa índole.
É um sentimento bom poder falar que tenho você como amigo.

Abraço fraterno

Ceci

31 de janeiro 2011.



Estou lendo "Levado ao Vento" do escritor caririense Geraldo Ananias



Levado ao Vento, Romance de Época Ambientado no Interior do Ceará

Publicado por Expediente
em 10 de fevereiro, 2010

Trata-se do terceiro livro do Autor, que é cearense de nascimento e brasiliense por opção. “Levado ao Vento é um romance de época que tem como palco principal a região do extremo sul do Ceará, conhecida como Cariri,” afirma Geraldo Ananias Pinheiro.
Naquela região, acrescentou, “Vive uma população que recebe a influência do clima diferenciado, quase um oásis na torridez do sertão nordestino, este desafio do semi-árido”.
Nascido no município de Santana do Cariri (CE), funcionário aposentado do Banco do Brasil, ex-professor da Fundação Educacional do DF, matemático e advogado pós-graduado em Direito, GAP estreou na literatura como contista.


Capa do romance (por Tagore Alegria) do escritor Geraldo Ananias Pinheiro.
Levado ao Vento é uma espécie de testamento literário do autor, que se define “ligado” à sua gente. Neste romance, transforma em cenário cidades cearenses como Santana do Cariri, Nova Olinda, Altaneira e as do Triângulo Crajubar, formado por Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha.
O desenrolar da narrativa – acrescenta o Autor – abrange o período que começa com o final do século XIX, estende-se até os dias atuais e apresenta como cenário primordial o Sítio Almécegas, “encravado nas encostas da suntuosa Serra do Araripe”.
O novo livro de GAP “é a história da superação de uma criança nascida na zona rural de uma cidade do interior do Ceará. Com apenas seis meses de idade teve parte do corpo paralisado ao ser exposta ao tempo por uma escrava”.

Contato com o Autor: geraldo.ananias@terra.com.br
ge_ananias@hotmail.com Fone (61) 9167.1824.

Pedrada

A primeira pedra
É a que mais fere
Se o coração é a pele.

Discurso de posse no cargo de Defensora Pública no Estado de São Paulo* – por Alexandra Pinheiro de Castro















Hoje, tomamos posse como Defensores Públicos do Estado de São Paulo.
Esta é, ao mesmo tempo, a data que consolida a realização de inúmeros sonhos e que inaugura novos ciclos de deveres e responsabilidades. A partir de hoje, os sonhos de sermos Defensores Públicos cederão à responsabilidade de fazermos parte de uma instituição que deve ser socialmente transformadora.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo está incumbida, não só de representar, judicialmente, pessoas necessitadas, mas de promover, no Estado mais populoso do pais, a ampla defesa dos seus direitos fundamentais, tutelando uma infindável gama de direitos individuais, sociais, econômicos e culturais. Em São Paulo, estado que abriga milhões de cidadãos, são muitos os que podem ser considerados juridicamente hipossuficientes e que, um dia, necessitarão de auxilio para garantir desses direitos. Assim, os nossos compromissos poderão e deverão a partir de agora, refletir nas vidas de boa parte das pessoas que vivem aqui. Com isso, os sonhos realizados hoje terão o potencial de modificar incontáveis historias.
A mesma Constituição Federal que incumbiu à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os âmbitos, dos necessitados, cristalizou como objetivos da Republica, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou discriminação. Agora, como novos membros da Defensoria Publica do estado de São Paulo, deveremos atuar para a concretização desses objetivos, sem nos esquecermos de que serão esses, justamente, os pilares da nossa atuação.
A responsabilidade que temos diante de nós é grandiosa e seremos, talvez a única ou última esperança de milhares de pessoas, mas para lembrar Drumond, nós, novos Defensores Públicos de São Paulo, temos mãos, muitos ideais e o sentimento do mundo e, com isso, tomamos, hoje, com muito orgulho, parte na Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Por fim, gostaria, em nome de todos os ingressantes, de agradecer a nossos pais e demais familiares, não só o apoio no período inconstante que antecedeu a aprovação no difícil concurso de ingresso nesta carreira, mas por terem nos transmitido, ainda que sem perceber, as ideias, princípios e valores que nos fizeram escolher a carreira de Defensor Público e optar dentre outras tão brilhantes carreiras jurídicas, por aquela que se dedica aos que mais necessitam.
Obrigada!

*Classificada em 1º lugar entre 60.000 candidatos.
Alexandra é neta de dona Almina Arraes de Alencar, filha de Maria Amélia Pinheiro de Castro.



Mais um texto do grande Geraldo Ananias !




Maria da Bilha


O desejo de rezar já é oração
(Georges Bernanos, escritor francês)


Era 26 de março de 2008. Dia chuvoso, nublado e muito frio no sopé da Serra do Araripe. Ali, precisamente no sítio Almécegas, na casa de Dona Toíte, encontravam-se três amigos, todos cearenses, há muito radicados em Brasília e que desta cidade tinham ido para compromisso cultural no Crato, o que ocorreria dois dias depois daquela data: lançamento do segundo livro de um deles, filho da anfitriã, o Parrim — apelido colocado pelo pai, que significa paizinho.
Naquele dia eles se levantaram cedinho tiritando sob o açoite do vento gelado que descia assoviando cordilheira abaixo, em velocidade comparável à dos ariscos cavalos de vaquejada. Justificar
O Cariri Cearense é desse jeitinho mesmo: verdadeiro oásis no sertão, suíça nordestina (sem gelo). Também se congelasse, vixe Maria, não sobraria um só caba da peste para contar a história.
Parrim não escondia a felicidade com a presença dos amigos que, pela primeira vez, visitavam a região. E ele ficava o tempo todo lhes contando sobre a beleza do Crato (Venham ver a beleza do Crato, venham ver minha terra natal. O meu Crato é um paraíso...) ,local em cuja zona rural, Almécegas, morou dos sete aos dezenove anos. Também não esquecia de falar da cidade em que nascera, Santana do Cariri, lá do outro lado da encosta da Serra do Araripe, local que eles iriam visitar logo mais, depois do café da manhã.
Um dos companheiros chamava-se Fittipaldi . Conta-se que este, quando na época de juventude, tinha um fuscão preto turbinado e nesse carro, para os mais exagerados, corria pelas ruas de Fortaleza em velocidade comparável a de um raio. Eis a razão do apelido atrás mencionado.
Hoje, devido ao peso natural dos anos, os dois já não correm mais. O carro, por ter virado sucata; o Fittipaldi, por haver se transformado num homem ajuizado, um senhor pacato, pai de família exemplar.
Oficial reformado do Exército, agora tem como passatempo estudar a língua pátria e sobre esta, aliás, tem bom domínio: articula frases bem construídas, com precisão nas concordâncias verbais e nominais. Dá gosto ouvi-lo conversar. Fala mansa, pausada e bonita; é preciso no que diz e não bate a biela nunca ; camarada porreta.
O outro visitante, ou seja, o terceiro parceiro, era o Doutor (com “D” maiúsculo) mesmo. E doutor por quê? Longa história...
Quando era menino, tinha como hobby chamar nomes feios. O bichim era craque no ofício de dizer palavrões: “fio de rapariga” para ele era café pequeno. E tinha mais — além de conhecer quase todas as palavras indecentes até então vigentes (viçar, baitolar, empombar...), era mestre no ofício de com elas criar novos turpilóquios por derivação. E mais, tinha uma habilidade impressionante de construir substantivos compostos (nomes feios) a partir dos simples pré-existentes e destes fazer diversificadas combinações com adjetivações bem qualificadoras. Exemplo: corno (substantivo simples); corno-manso (substantivo composto); corno-manso arrombado da peste (aqui já o composto com atributo).
Agora diz ter esquecido esse ofício, ou melhor, deixado isso de lado, pois hodiernamente, a exemplo do Fittipaldi, é também oficial reformado do Exército; senhor religioso, pacato, tranquilo, amigo, de fácil trato, de sorriso largo, bom pai de família. Palavrão então para ele agora é coisa do passado.
Devido a outra habilidade que sempre deteve — a de arrancar facilmente doces acordes da viola e de soltar uma voz linda, harmoniosa e encantadora, o Doutor sempre teve outro apelido concorrente a este, que é o de Bico-doce .
O homem canta muito bem, principalmente canções de nossa terra, lá do Nordeste querido e particularmente de nosso Ceará. De Luiz Gonzaga (Gonzagão), por exemplo, ele conhece e canta muita coisa.
O Doutor-bico-doce fez rápida apresentação na rádio local do Crato-CE e agradou. Emocionou todos que o ouviram. Num piscar de olhos, o caba cantou e tocou, de forma linda e magistral, a maravilhosa canção “vim-vim” (Roendo Unha) do cancionista maior das terras nordestinas, o mestre Gonzagão:

Quando o vim-vim cantou
Corri pra ver você
Atrás da serra o sol tava pra se esconder
Quando você partiu, eu não esqueço mais
Meu coração, amor, partiu atrás

Vivo com os óios na ladeira
Quando vejo uma poeira
Penso logo que é você
Vivo de oréia levantada
Para o lado da estrada
Que atravessa o muçambê
Olha, eu já estou roendo unha
A saudade é testemunha
Do que agora vou dizer...

Ele encantou. Foram muitas palmas. Ficou famoso.
Logo depois do café da manhã, Parrim foi logo entrando no carro e chamando os dois amigos para a viagem a Santana do Cariri:
— Vamos, moçada, vou mostrar-lhes todas as passagens bonitas da viagem daqui até lá, tintim por tintim, disse entusiasmadamente.
Logo ao passar pela estrada que separa as terras da família do Parrim das do Colégio Agrícola, em determinado lugar, ele parou o carro e, apontando para um capinzal à beira da estrada, disse aos companheiros:
— Foi aqui que certa vez cheguei de carro e encontrei “meu velho” pastoreando gado. Falei com ele e, tendo em vista que fazia muitos anos que não o via, ele não me reconheceu...
Mais embaixo, na “curva dos portões”, Parrim informou aos compartes que fora exatamente naquele local em que, tempos atrás, quando tinha 10 anos, ele e o pai estavam aguardando um veículo, e este o havia pedido para ler os letreiros de um caminhão misto. Mas não dera conta. Foi quando então seu pai dissera uma frase marcante e emblemática: “Coitado de meu filho, não sabe ler”.
Cerca de quatro quilômetros estrada acima no rumo da Serra, a contar dos “portões”, passaram pelo município das Guaribas.
Mais adiante um pouco, chegaram à divisa de Pernambuco com o Ceará. Ali bem próximo ainda restava a trilha do antigo “campo de aviação” do Crato. Nesse instante, Parrim reduziu um pouco a velocidade do carro e, apontando para lá, disse:
— Cansei de sair de casa a pé, cedinho, com meus irmãos e meu pai trazendo uma matula e uma cabaça d’água para ver o avião aterrissar ali no campo. E continuou dizendo que outra coisa que ele achava muito bonito era o microônibus (verdinho) da antiga empresa VARIG, que descia serra abaixo a toda velocidade com os felizes passageiros do avião. E acrescentou: “A minha vontade não era andar de avião, isso sabia que jamais aconteceria. Todavia, pegar um bigu nesse ônibus era o maior sonho que tinha naquela época...”.
E continuou:
— Vocês estão vendo aquele pé de pequi ali? Certa vez meu irmão, ainda garotinho, tinha vindo deixar um gado em Santana e ao voltar sozinho montado numa burra, já quase à noite, dela apeou para fazer xixi. Nesse momento, algo a assustou, e ela disparou sozinha numa careira terrível somente indo parar em casa, lá nas Almécegas, a uns oito quilômetros daqui. E o coitado de meu irmão saiu chorando atrás, correndo risco até mesmo de ser atacado por onças, pois naquela época havia muitos bichos ferozes aqui, concluiu.
Ato seguinte tentou sintonizar uma rádio qualquer, e foi muito engraçado, ao ouvirem um locutor, possivelmente por brincadeira, anunciar o seguinte: “Atenção, muita atenção — em Tabuleiro do Norte, ontem de madrugada, o cego Zé Furacão foi pego pela segunda vez dirigindo em alta velocidade, bêbado e sem carteira.” Todas caíram na gargalhada.
Minutos depois, na descida próximo à cidade de Nova Olinda, e já a uns quarenta minutos do início da viagem, Parrim ainda conversando muito com os colegas sobre seu tempo de criança, lembrou de uma antiga história acontecida com ele exatamente no local em que se encontravam:
— Certo dia voltava com meu irmão Paulo de férias do sítio Taboquinha em cima de um caminhão carregado de algodão e, por cima, encoberto de couros crus, que exalavam um cheiro insuportável de carniça. O caminhão vinha em sentido contrário ao que estamos indo. E, no exato momento em que subia esta ladeira aqui, começou a chover. Só que a estrada àquela época era de barro e deslizava muito. Ainda era cedo da noite, e tivemos que dormir aqui mesmo: ora na chuva, ora debaixo dos couros fedorentos. Ficávamos alternando, pois ninguém aguentava ficar muito tempo quieto em um desses dois lugares, isto é, na chuva ou debaixo da uma lona fedorenta. Foi uma noite que parecia não ter fim.
Ao chegarem a Nova Olinda, cidade a cerca de dez quilômetros de Santana, e esta destino final da viagem, avistaram uma placa bonita por sobre a BR anunciando que ali era região turística dos descendentes dos “Kariris”.
Logo a seguir, tomaram a estrada à esquerda da rodovia em que estavam, a que ia direto para Santana do Cariri.
— Como vocês podem notar, a estrada não é um tapete de boa?! Disse Parrim a seus amigos, se baseando apenas na que já havia passado.
Foi fechar a boca — num caé lascado — caíram com carro e tudo num imenso buraco. Por pouco o veículo não capotou. Daí os amigos, que a essa hora se encontravam completamente silentes, caíram numa gargalhada sem tamanho. E o Doutor imediatamente, sem perder o humor aguçado, disparou sonsamente a seguinte pergunta:
— Como é mesmo o nome da padroeira de Santana do Cariri?
— É Nossa Senhora Santana, disse-lhe Parrim mais que depressa.
O interlocutor então arrematou impiedosamente:
— Pois é, meu amigo, com o toró que está caindo e com a buraqueira que há nesta estrada é melhor fazermos logo uma promessa a Nossa Senhora Santana para que nos conduza em segurança e paz até lá, pois não sei não...
Realmente, devido ao tráfego de caminhões pesados carregando pedra de gesso e às incessantes chuvas ocorridas naquela região, a rodagem que liga Nova Olinda a Santana do Cariri, inacreditavelmente, tinha se transformado numa buraqueira só.
Mas tocaram vagarosamente o carro em direção a Santana. Afinal era pequena a distância a percorrer. Depois de muitos solavancos e sustos, finalmente, chegaram ao destino.
Primeira parada na cidade foi em frente à Câmara Municipal. Desceram do carro, e o Doutor como estava louco para fazer xixi, foi logo perguntando a um moço de uma borracharia ao lado onde se podia encontrar um local em que pudesse urinar.
— Ó, pode deixar o carro aqui. Desça a pé mesmo, dobre na primeira rua à esquerda e você logo verá uma placa escrita assim: “Restaurante Frei Damião”. Pronto, lá é um restaurante bem legalzinho e você pode fazer suas necessidades, é um dos melhores restaurantes da cidade, disse o rapaz.
E os três amigos seguiram o conselho do moço. Ao chegarem à esquina da primeira rua e ao olharem à esquerda, logo avistaram, dependurada por uma corda, e meio torta, uma placa inusitada à frente de uma casinha simples, onde se podia ler um letreiro bem visível que dizia assim: “Restaurante Frei Damião. Organização Maria da Bilha”.
O Doutor foi logo correndo na frente. Estava realmente muito apertado. Quando os outros dois companheiros chegaram à porta do restaurante, já ouviram a voz dele lá de dentro do banheiro. Estaria falando sozinho?
Depois foi aquela conversa amistosa. Até parecia que todos ali eram amigos havia tempo...
O Doutor, já aliviado e na sala, virou para o Fittipaldi e para o Parrim e disse com o coração cheio de sentimento:
— Veja, uma coisa tão humilde, tão simples... e as pessoas tão felizes. Isso nos emociona e nos traz uma grande lição, a de que “a felicidade é um estado de espírito”.
Ato contínuo, Maria da Bilha começou a puxar conversa. Parecia uma matraca de tanto falar. Na verdade, sequer esperava que os visitantes respondessem às próprias perguntas dela que já ia formulando novos questionamentos e comentários.
Repentinamente, saiu com esta pérola:
Ei, minha gente, hoje é dia de festa aqui em casa. E batendo no ombro de um jovem senhor, aduziu:
— Estamos completando três anos de casados. Somos muito felizes, vivemos com muito amor. Daí reparou para uma garrafa de pinga estrategicamente posta em cima da mesa e indagou: “Vocês não querem tomar uma não?”
Parrim, já meio emocionado por estar de volta à sua terra natal e dessa feita trazendo dois amigos para conhecer o local, mesmo não tendo hábito de tomar cachaça, foi o único que aceitou a empreitada.
Ela pôs uma dose caprichada, daquelas de lascar o peito. E Parrim, pimba, a entornou de uma só vez, chega saiu fogo pelos olhos.
— A senhora tem refrigerante, D. Maria? Perguntou Fittipaldi.
— Não tenho, meu filho. Só se mandar comprar...
Parrim então interveio e, acenando para os amigos, disse para ela não se preocupar com nada, pois eles já estavam de saída. E acrescentou que de outra vez ficariam um pouco mais. E se despediram.
Já na saída, o filho da terra se lembrou da pinga:
— Sim D. Maria, por favor, quanto é mesmo a cachaça que tomei?
— Nada, meu filho, vê se vou cobrar uma pinga de vocês!
Ela até então não tinha ficado sabendo sequer de onde aquelas três pessoas eram e muito menos o que eles teriam ido fazer ali, tampouco que um deles era filho da terra e que estava de volta para o lançamento de um livro.
De volta ao carro, o Doutor chamou a atenção dos companheiros para a sede da Rádio Santana FM, que ficava do lado contrário de onde eles se encontravam. Nesse ínterim, ele, ao avistar um rapaz abrindo a cabine do estúdio, foi até lá e o cumprimentou, oportunidade em que ficou sabendo que se tratava de um dos locutores da rádio. E, chamando os outros dois companheiros, começaram todos a conversar. Daí o Doutor falou que eles estavam ali para distribuir convite para o lançamento do segundo livro de um dos companheiros, o Parrim, que era, por sinal, filho da terra, cujo evento viria ocorrer no ICC do Crato. Em seguida, perguntou ao radialista se havia interesse por uma entrevista.
Diante da informação e da indagação feita pelo Doutor, o locutor DJ Jucy, surpreso, gentilmente se dispôs a telefonar, por celular, para o outro locutor-editor, o jovem Geânio Felipe, que imediatamente veio para a emissora com o propósito de conduzir a confabulação.
Menos de cinco minutos depois, a entrevista já estava no ar. E o locutor Geânio transformou o encontro de cerca de vinte minutos num bate-papo muito agradável, construtivo e por demais emotivo. Foi brilhante a sua atuação como entrevistador.
Iniciou sua fala dizendo da importância do encontro. Fez logo um relato sucinto do teor da conversa. E, como de praxe para ocasiões da espécie, deu boas-vindas ao filho da terra e aos amigos deste, colocando imediatamente os microfones da emissora para as palavras iniciais do entrevistado.
Ao deitar os olhos sobre o convite que lhe fora entregue momentos antes, já de pronto e de viva voz, passou o resumo do livro para o público ouvinte.
Obteve do entrevistado informações as mais diversificadas possíveis sobre o passado do autor naquela cidade; indagou também sobre aspectos relacionados à falta de apoio dos órgãos governamentais à cultura; a importância da educação e da cultura. Conduziu o convidado a falar pontualmente sobre as coisas da infância em Santana de outrora e assim por diante. Foram realmente momentos mágicos, pelo menos para o entrevistado, filho da terra, que teve a oportunidade de, utilizando a imprensa falada, dizer, de viva voz, o quanto se orgulhava de sua terra e de sua gente.
Não bastasse, algo inimaginável estava para acontecer, coisa que coração algum conseguiria aguentar.
Repentinamente, Maria da Bilha, a proprietária do restaurante Frei Damião, como um vulto, abre sorrateiramente a porta e adentra o estúdio da rádio. Fica caladinha de pé ao lado das cadeiras onde estavam os três visitantes sentados, sem que ninguém percebesse sua presença. E foi nesse exato momento em que o locutor, com voz saudosista, pediu para que o entrevistado, falasse de sua infância em Santana dos velhos tempos:
— Era muito diferente a Santana de antigamente? Fale alguma coisa sobre seus sonhos de criança aqui, disse o locutor.
Quando o Parrim, a essa altura, diga-se de passagem, já muito emocionado, começou a falar sobre os amigos de infância, sobre os passeios que fazia com o pai pela praça da cidade, de repente, virou-se para o lado e, inacreditavelmente, viu aquela senhora, ali pertinho, com as mãos trêmulas, tentando enxugar fios de lágrimas que lhe desciam dos olhos miúdos e sofridos, escorrendo pela face de textura abrasiva, sinal perene das marcas do tempo.
Desnecessário é dizer que a entrevista praticamente parou naquele momento, pois o entrevistado emudeceu. A emoção foi tamanha que lhe invadiu a alma e o coração, e seus olhos também choraram. E o mesmo aconteceu com os outros dois companheiros.
Repentinamente:
— Meu filho eu reconheci sua voz pelo Rádio e corri pra cá. Que emoção ver e ouvir você falando de seu tempo de criança aqui em Santana. Não acredito que você é mesmo filho daqui... Que alegria! Vamos voltar lá pra casa de novo, por favor. Vou arrumar agora um refrigerante pra você e fazer um cafezinho. Eu só lhe dei uma pinguinha, meu Deus...


Geraldo Ananias Pinheiro
Geraldo.ananias@terra.com.br
Brasília (DF), junho/2008

Fevereiro- por Socorro Moreira



Ainda chove
Vivem minhas plantas na sacada
A rosa nunca mais brotou
A palmeira cresce exuberante
e as violetas seguram suas flores
"Na panela sempre tem feijão"
E no coração,
um projeto de renovação.

As faltas são abonadas
O livro das presenças, sempre intacto.

Acordo em Fevereiro
querendo cortar os cabelos
aparar as arestas de mim mesma

O leite derramado
o rato lambeu
A fruta madura,
alguém já comeu...
As esperanças são azuis,
pra não dizer que não falei do verde

Minhas pernas desejam saltar buracos nas ruas
Vejo-me nas poças de lama
feito barro, quase enxuto
Vou encontrando a realidade em cada passo
Meu sorriso comovido
se espalha,
Cruza com notícias aos pedaços
ocultando soluços.

A dor da minha mãe reflete serenidade
Ela é a minha aprendizagem...
Não tem gordura no coração
Tem reserva amorosa,
que eu recebo, e reproduzo.

Pra que falar demais?
Tenho este feio costume...
Mas não sei dizer até mais tarde,
e não voltar pra esse mundo.


Por João Nicodemos


com velas acesas
ao som do dia
iluminando rabiscos
de estrelas cadentes...

seguir semeando
corações e mentes...

AS PALAVRAS DE FOGO

                
                                  
                                                         
                                     
AS PALAVRAS DE FOGO


Piso as uvas no lagar.
Deus me açoita com uma vara de palavras.

Ouçam a harpa no escuro.
Ouçam a harpa gemendo como uma estrela estrangulada.
Ouçam a harpa.
Eu ouço a palavra.
Os vergões da palavra me comem a carne.

O mar me levou no seu sal inclemente.
O mar me levou para o horizonte branco.
O mar me cobre com seu lençol de espumas.
Deixei minha alma nas guelras de um peixe triste.
Mendiguei às portas dos pobres.
Mendiguei às portas dos soberbos.
Mendiguei as varas de Deus com suas palavras de fogo.

Saciei a minha sede com a água amarga.
Os cães me rodearam, farejando as minhas feridas.
Estou marcado a ferro pela palavra de Deus.
Levanto o cântaro com o vinho do espírito.
Dilacerado pelo zinabre do crepúsculo,
coroado de espinhos e escárnio,
voarei para o ouro do eterno.


Dons- por Domingos Barroso


leia-me como um córrego
leia-me feito um barquinho
ou um sofá

a minha alma lá
descendo pelo meio-fio

não pare de ler minhas mãos
não pare de ouvir as palavras

o córrego não tem culpa
da chuva fina depois tempestade

primeiro escorrego na calçada
em seguida (dentro do ônibus
pela janela embaçada) admiro
um arco-íris:

tudo é uma questão de doçura
verniz na cômoda, guizos nas nuvens.