por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 1 de abril de 2012


Por Socorro Moreira




Se a gente fechar os olhos
O ouvido está no pé do rádio


Cinema/cartazes/esquina do Grande Hotel
Lápis de giz/cartolina,nanquim
Filme mudo/jornal francês,seriado
-"O maior espetáculo da Terra"!


Tiro do arquivo memória
Um caderninho engraçado
Anotações de todas as histórias

-Debaixo do colchão, meu diário!


A luz apagou
Calor, muito calor
Lágrimas rolando
Tudo no cinema encanta


Luz acesa
Procuro e vejo...
Não vejo!
- The End!


Não existe hiato entre o nosso tempo e espaço - José do Vale Pinheiro Feitosa

Velha amiga eu volto à nossa casa – A nossa casa. A casa onde fui gerado e entre suas paredes interiores experimentei a vida por mim: respirei, vi e ouvi pela primeira vez. E nela posso voltar. Ainda está lá, mais do que secular, muito mais do que minha história no lado de cá.

Já não te encontro alegre, quase humana, Corpo pintado de branco e marrom E uma tristeza no olhar Como se conhecesse dor milenar – Para olhar o canavial da janela da frente, correndo na bagaceira indo brincar no engenho, faminto enquanto as vacas na cocheira abocanham aquela mistura de água, resíduo de algodão e palha de cana cortada. Abocanhadas tão molhadas e ávidas que sinto vontade de também dividir a cachoeira com elas.

Já não te encontro à espera ao pé da porta, Correndo viva e bela ou descansando, Tanto vazio por todo lugar, Tanto silêncio sinto ao chegar, Ao nosso território de brincar – As noitadas de esconde-esconde na suficiência misteriosa da lua cheia. Os corpos suados de tanto correr e o cheiro de terra no cabelo longo das meninas. Apartar-se, apertar-se, esconder-se como se ambos fôssemos ao mesmo tempo corpos resguardados, mas prestes a serem descobertos.

Almoço aos domingos, a velha farra, Todos vão inventando novos segredos, Fica a ausência branca e marrom, E uma tristeza milenar – O rádio participava dos almoços de domingo, mas se juntava, não tomava a cabeceira controlando todos e a todos dividindo como os computadores e as televisões. O rádio naquela melodia entre melancólica e exaltante, da trilha sonora de Moulin Rouge (o antigo filme dos anos 50). A voz ainda mais melancólica de Padre Gonçalo a falar dos filmes que se destacavam. Um contraponto à severidade medieval e a modernidade do cinema.

Mas os meninos voltaram a brincar, Como se ainda sentissem o teu olhar – E aquela casa secular, dos sentimentos milenares, ainda hoje respira vida humana. Uma prima respira, vê e ouve seus ruídos. As filhas da prima já geram outras vidas e a casa se perpetua. E a casa é secular e sujeita ao tempo e ao uso que dela se extraia, do mesmo modo que o nosso planeta. Milenar, gerador de fatos, mas sofrendo as feridas dos pregos em suas paredes, das lascas do seu piso solto e das telhas quebradas de sua cobertura.

Os Presságios de Bruno Pedrosa - José do Vale Pinheiro Feitosa

Entre janeiro e agora tive a oportunidade de acompanhar a obra recente de Bruno Pedrosa em cinco momentos distintos. Duas exposições, uma em Fortaleza (CE) e outra em Niterói (RJ), dois vídeos sobre exposições dele, um na Galeria Stevens em Maastricht na Holanda e outro no Museu de Lucca na Itália, além do catálogo dessa obra denominada presságio.

Nestes dias ao imaginar-me no campo dos interesses intelectuais percebi que venho muito atento à narrativa de vida das pessoas. Tentando decifrar o mundo por elas, até mesmo quando minha curiosidade em entender a dinâmica física e material do universo, ali está o modo com as pessoas o vêm.

E Bruno Pedrosa e sua obra artística têm uma semelhança, nesta fase, tão intensa que descobri, ao ouvir um e olhar o outro, que são o mesmo. Conversar com Bruno é como dialogar com um Conselheiro marchando rápido nas veredas da caatinga.

É impressionante, ao vivo ou em vídeo, observar este “profeta sertanejo” nas finuras da modernidade (ou pós-modernidade) de salão, adotando posturas do ambiente, enquanto vai desconstruindo cada elemento do conjunto ambiental em que se encontra. A maioria das pessoas não percebe a prática, enquanto ele é rápido no raciocínio imediatamente verbalizado, contornando na argumentação sem chocar-se com o dogma explicitado naquele momento, mas com uma agudeza e severidade quase em tom de homilia a revelar presságios sobre este tempo.

Quando nós aqui no Brasil, neste território amplo e socioculturamente desigual, chegamos à frente das pinturas e esculturas de Bruno Pedrosa, numa escala abstrata, e procuramos entende-las com nossos velhos termos dos elementos das obras figurativas, e apenas sentimos, mesmo assim não compreendemos. Pois é, a tendência é achar que a atual obra de Bruno não é objeto de compreensão sendo apenas carimbos de sentimentos e sensações.

Quando um talhador em madeira extrai aquelas imagens de santos feitas em série a nossa tendência é desconsiderar sua história, não perceber a narrativa daquele artesão e até mesmo seus momentos refletidos enquanto entalha a madeira. Os objetos seriados como que apagam este importante papel da arte plástica. Mas com Bruno Pedrosa acontece diferente, pois ao trabalhar ele entra numa espécie de transe narrativo e desta narração vai anunciando seus presságios numa longa homilia que dá até para vê-lo sobre um morro, com os braços compondo os sinais do futuro.

O presságio desta obra é tão intenso, mas não se faz com sinais comuns, eles efetivamente precisam ser decifrados e, no entanto, está ali, tão evidente que ao percebermos até rimos sozinhos. E não adianta conversar com o Bruno, ele não quer saber destes elementos narrativos do cotidiano atual. Neste sentido a sua exuberância ao falar não substitui a obra: Bruno por que você nomeou este quadro com este nome? “Não tem nenhuma relação, apenas usei um nome”.

Não é bem assim. As escolhas para os nomes de sua obra têm o mesmo elemento narrativo de sua obra e todas trazem o prognóstico do que acontecerá com o presente. Por isso estão nomes de seus sertões, de movimentos de peças musicais, estão as praias do seu litoral. Por isso não adianta conversar com Bruno a respeito dos presságios: o único modo de anuncia-los é aquele de sua obra.

Outro insight de seus presságios se encontra no transpor a pintura para a escultura ou vice-versa. E qual o grande problema sobre as narrativas comuns de nossa época? É o pensamento único que interpreta a vida como apenas a sujeição da vida à ganância e ao consumismo conspícuo. Então o dogma atual do totalitarismo liberal é enxergar os signos da vida em plano bidimensional.

Trace a vertical e a horizontal e tudo se reduz. E aí entram os presságios de Bruno Pedrosa com no mínimo três elementos, até onde percebi: a quebra da bidimensionalidade, a cor numa intensidade de provocar ruptura e o movimento intensamente variado, mas, no entanto, simbolicamente narrativo e harmônico.

Por isso afirmei que se tratava de uma homilia do presságio: esqueça tudo que você pensa que é, perceba a intensidade do que há e se mova (mover-se é agir como Cristo alertou seus discípulos no sermão da Missão). Bruno Pedrosa, não esqueçamos, não engana ninguém: suas barbas, seus cabelos, a fugacidade em alimentar-se e a exuberância ao falar é o alfa e o ômega de sua obra.

Por último o mais radical no artista. Bruno Pedrosa no vice-versa entre a pintura e a escultura busca exprimir a intensidade dos seus presságios. Especialmente com a cor e a tridimensionalidade. As esculturas são como espécies das parábolas usadas por Jesus para chegar junto àqueles que ouvem e não entendem, enxergam e não compreendem. Basta um olhar entre uma manifestação e outra para saber que está lá e cá a integralidade da mensagem múltipla, intensa e transformadora pelo movimento. A integralidade sem os artifícios enganosos da perspectiva do desenho, mas com absoluta fidelidade à narrativa do desenho.

Eu diria que para mim, o vídeo da galeria Stevens em Maastricht expressa melhor estas coisas.

Hugo Linard


O tempo de brincar nunca passa. 
O tempo de chorar , às vezes seca...
O coração nunca deixa de ser terno
E desejar o amor 
Com toda pressa.

Mesmo em todos  artifícios
- sonhos e atropelos da vida-
Fica  a vontade de amar
O amor eterno!

socorro moreira


Por Everardo Norões




Receita de escritor
(para outros festivais)


Hoje sonhei com uma árvore no meio do deserto.
Concluí que nela havia um passarinho,
passarinho voa,
quem voa tem asas.
E resolvi escrever um conto usando essa metáfora.
Deitei na rede, saquei do lápis (nada de esfereográfica)
e enquanto ouvia um velho disco de Raul Seixas,
chegou Sherezade, de blusa e calça jeans.
Pensei no título.
Algo que pudesse comover mãe e filha ao mesmo tempo.
Rabisquei: “Triste como ela”.
Puxei o laptop para verificar se no Google
alguém havia escrito algo com o mesmo título.
Esbarrei com um tal de Onetti.
Pedi uma sugestão a Sherezade, classe média periférica em ascensão,
metade da população brasileira,
meu mercado editorial.
- A essa hora, bicho?
Deu o estalo e depressa escrevi:
“A rede”.
O resto é sempre mais fácil:
meu léxico é o lexotan.
__
A colagem é feita com pinturas de Maigritte por Everardo Norões

Mentira de amor

Faz que acredite
Finge até pra si
Trama uma desculpa
Farta em se iludir

Faz papel de boba
Sabe reagir...
Arruma sua trouxa
Quer se despedir

Chora por uns dias
Morre de saudades
Volta por um  dia
Volta pra sorrir

Perde a confiança
Volta a se enganar
Nunca mais mentiras
Sofre em magoar

-Custa uma mentira,
O amor durar...!

(socorro moreira)