por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Chá Chá Chá da vida - José do Vale Pinheiro Feitosa

Que importam as eras. Uma criança sempre chega à sua por memórias que se condensam em símbolos. Em símbolos que se misturam ao ser, que dão sentido a ele ao dispô-lo num plano, nem sempre uma linha de tempo, mas meteoros que riscam o céu.

O velho Cine Moderno. A porta que dava para os banheiros vazava luz nas sessões matinais e a plateia gritava: feche aí. Lembro como se fosse uma extensão de mim. Aquela plateia da sessão de uma hora, muito chegada a uma série, a um cowboy preto e branco. Aos gritos, vaias e piadas.

E de repente uma cena no meio de um tumulto sem fim. Todas a gafes de doer a barriga de tanto riso.  E aconteceu destas raras sessões, que abriam o universo do século XX para o menino que vivia num tempo de passagem entre o século XVII e XIX. Se bem que com inúmeros símbolos a lhes rodear a vida: máquina a vapor do engenho, o trator, os automóveis e caminhões e até os restos do que fora no passado uma iluminação elétrica.

O cena era uma tumulto qualquer, de filme que marcou-se como Mexicano, mas poderia ser de qualquer outro país e a música devia ser Chá Chá Chá de La Segretaria. Ou então não foi no cinema foi no rádio. Mas o símbolo que se marcou foram as sessões das 10 e 13 horas no Cine Moderna.


Fui a muito poucas. Assim era a vida de um menino de sítio. Mas foram suficientes para serem muitas. E o Chá Chá cuja cena lembro com muito riso é uma canção de Renato Carosone.

Chá Chá Chá de la Segretaria - Renzo Arbore - composição Renato Carosone.

Renato Carosone é o encontro entre as culturas pela divulgação do disco e rádios. Renato Carosone compõe um cha cha. Ele um napolitano típico. Um dos mais reconhecidos músicos italianos na metade do século XX. Formado em Conservatório de Música, Carosone viveu a migração italiana que foi para o chifre da África. Especialmente com aventura de Mussolini na Etiópia. E Carosone ficou por lá. Só voltou à Itália após o fim da guerra. Formou grupos musicais de grande sucesso.

Um dos sucessos mundiais de Renato Carosone foi este que segue abaixo:

Tu vuo fa L´Americano - Renato Carosone com vemos uma letra em puro dialeto.


Aqui a mesma canção num filme americano em que aparece Sofia Loren.

O chá-chá-chá é uma variação do Mambo. É cubana da gema. Como é típico daquela cultura é uma música e uma dança. Assim como o mambo, o merengue e outros ritmos cubanos. Quem a lançou foi o músico cubano Enrique Jorrin. A música fundadora do ritmo seria La Engañadora.

La Engañadora - Orquestra Americana - Enrique Jorrin.

O nome chá-chá-chá vem do ruído do reco-reco que em Cuba chama-se güiro juntando-se ao ruído do dançarino arrastando os pés no chão.

Renzo Arbore é um artista multi-disciplinar. Conduziu grandes programas na televisão, especialmente humorísticos, que lançou grandes nomes da cultura italiana, incluindo Isabela Rosselini. Um showman de primeira. Domina o palco como poucos. Diretor de cinema. Músico. Cantor. E fundou a orquestra italiana com 15 músicos para divulgar a canção napolitana. Aqui novamente a abertura musical do povo italiano, com uma melodia que um samba brasileiro sem defeito algum. Além do mais bem humorado pondo o som da sílaba final da cacau em todas as palavras.

Cacao Meravigliao - Renzo Arbore

As chancas de Alphonsus



                                       
J. FLÁVIO VIEIRA

                                               Alphonsus Publius Catarinus Maximus !  Esse nome, carregado de um latinório trava-línguas, poderia fazer parte da Mitologia Romana. Como diabos teria aterrissado em Matozinho ? Primeiro, é importante lembrar que o nosso Alphonsus  não trouxe esse epíteto da pia batismal. Nascera, sem sangue azul, molhando fraldas esfarrapadas, como muitos dos seus conterrâneos. Ainda adolescente,  enfurnara-se num Seminário, na capital,  e por muito pouco escapou da ordenação. Fora aluno exemplar e seus superiores vaticinavam-lhe uma brilhante carreira religiosa, coisa para arcebispo ou cardeal. Apaixonou-se, no entanto,  por um rabo de saia , filha de uma das copeiras do Seminário , e ela terminou arrancando-lhe a batina e  ele, em compensação, assungou-lhe  a saia . Partiu, então, nosso Catarinus para a dura vida de chefe de família, como comerciário. Nunca, no entanto, abandonou aquela mania de  sacristia, falava  apenas em latim vulgar e irritava-se por não ter interlocutores fora das hostes sacerdotais. Foi aí que resolveu, num penoso processo, mudar, em cartório,  o nome de matuto, Afonso Possidônio , de Catarina ( sua mãe) ,  para o pomposo : Alphonsus Publius Catarinus Maximus. E foi de posse desse novo registro civil que um dia aportou em Matozinho, carregando já uma récua de filhos. Com o dinheiro juntado, por muitos anos, estabeleceu-se por lá com um pequeno Armarinho e, já madurão, mudou-se para uma fazendola que adquiriu  e renomeou-a  de “Parnaso”.
                                   Em Matozinho,  teve que abandonar o latinório,  pois ninguém ali estava à altura da sua  sapiência lingüística. No Seminário versara-se em autores clássicos portugueses como Herculano e Castilho e sabia todo o “Eu” do nosso Augusto dos Anjos de cor. Negava-se, assim, terminantemente,  a falar em linguajar reles, fugia dos galicismos e anglicismos como o capeta de água benta. Erros de português, se legislasse, seriam punidos com prisão perpétua, salvo os de concordância verbal onde deveria se aplicar, sem remorso,  a pena capital. Publius mostrava-se, ainda, totalmente a favor da redução da maioridade penal: a partir de 12 anos, se desferir golpe de morte no vernáculo: galés perpétuas ! Ademais , nada de se resumir a uma centena de verbetes apenas, num idioma tão rico como o português:
                                   -- O  ” Caldas  Aulete” tem trezentos mil verbetes é pra se usar ! --- Costumava dizer  Catarinus .
                                   Até na emissão quase que automática de palavrões , nosso  vernaculista se policiava. “Filho da Puta” , virava  “Rebento de uma deusa de lupanar” ; “Maricas” , dizia “Pederasta sub-reperício “; “Vá para PQP !”  tornava-se nos lábios de Catarinus : “Diriga-se à Messalina que vos concebeu!” . Personagens famosos de Matozinho, também, ganharam denominações menos rasteiras : “Jojó Fubuia” terminou rebatizado por Johann Etanol; Janjão da Botica transformou-se em Jonh Pseudo- Esculápio.
                                   Dias atrás correu por toda Matozinho o ocorrido na Barbearia de Barba de Gato. Alphonsus lá chegou tentando encomendar um corte de cabelo. Dirigiu-se para nosso barbeiro, semi-analfabeto, com o seguinte palavreado :
                                   --- Ó Fígaro ! Quanto queres de remuneração pecuniária para desbastar estas excrescências córneas que se avolumam por sobre minha calota craniana ?
                                   Barba de Gato, mais perdido que cachorro em noite de São João, diante de tamanha catilinária, interrogou-o:
                                   --- Kumas ? Oxente , O homem  endoidou ou veio das estranjas !
                                   Contrariado, Alphonsus, raivoso, ameaçou :
                                   --- Se dizes por insipiência, perdoar-to-ei ! Se,  no entanto,  pretendes zombar da minha alta prosopopéia, desferir-te-ei um golpe com  este instrumento perfuro-contuso que o vulgo o denomina “bengala” , no frontispício da tua caixa craniana,  com tamanha impetuosidade, que ela  há de metamoforsear-se , em iníquos instantes, em meras cinzas cadavéricas !
                                   Registra ainda o folclore de Matozinho  uma outra epopéia  do nosso vernaculista. Pela manhã , ele despertou o filho caçula ,Dioclecianus Tertius, pedindo-o para ir até ao mercado público a fim de comprar uns cuscuzes  para o café da manhã. Convocou-o com este petardo:
                                   -- Tertius, prólio meu ! Levanta-te deste leito adormecente e caminha até àquele aglomerado humano que o povo denomina de mercado e compra-me massas côncavas a que o vulgo rotula de cuscuz, para que possamos saborear no nosso jantar matinal !
                                   Semana passada, a praça da matriz parou diante de uma cena inusitada. Alphonsus  buscou um engraxate, no intuito dar um trato nos seus pisantes. O problema é  que se tratava de uma figura popularíssima em Matozinho e que carregava um apelido  hilário : “Cu de Apito” . Imaginaram todos a dificuldade que teria nosso emérito vernaculista em tipificar o engraxate de forma mais erudita. Em alto e bom som, Publius aproximou-se  e , com sua inconfundível voz tonitruante, encomendou o serviço:
                                    --- Insigne polidor de pantufas ! Poderias genufletir-te ante mim e tornar luzidias estas minhas pré-históricas chancas !  Vinde,  ó Óstio anal chilreador !

Crato, 21/02/14

ANTOLHOS - José do Vale Pinheiro Feitosa

Antolhos. Aquele anteparo que cega a visão lateral. Pode ser este o sentimento de alguém que leu a notícia da apreensão policial de um menor de idade, tentando roubar um casal de turistas em Copacabana.

Acontece que o caso ainda arde na chapa quente do noticiário. Este mesmo menor foi alvo de intenso debate nacional. Ele fora espancado e acorrentado a um poste por um grupo de vingadores que circulam pelas ruas do Bairro do Flamengo.

Em primeiro lugar a repercussão no Rio foi imediata. Yvone Bezerra, que se tornou uma referência em defesa das crianças assassinadas na Candelária no anos 90, foi quem desacorrentou o menor e denunciou o ato.

Depois uma apresentadora do SBT cometeu a burrice de, usando um serviço concedido, estimular o ato de espancamento e tripudiar em torno do menor. Aí o debate virou nacional. Muita gente não aceita este tipo de estímulo à violência com o uso de serviços públicos.

Agora o menor foi apreendido numa tentativa de roubo e foi encaminhado para um desses órgãos formais de recuperação por meio da justiça. Aí vem a história dos antolhos. Quem não consegue visualizar a lateralidade do mundo, imediatamente vai vociferar contra quem defendeu o direito humano.

Vai usar a reincidência ou comprovar que o menor era ladrão e merecedor do que sofreu. Efetivamente justificando a justiça pelas próprias mãos. As mãos mais fortes que inclusive podem ser pagas como os pistoleiros.  

A apresentadora do SBT se não der a notícia por satisfação, irá dar um jeito de mostrar que ela tinha razão. Afinal o debate é público. E a vingança é uma das mais antigas ações do drama humano.

Mas aí vamos para a lateralidade. Um mesmo ator (o menor) recebendo dois tratamentos distintos. No primeiro ele foi agredido em seu direito humano (escrito na lei). E no segundo ele vai se submeter à normas sociais em razão do seu ato.


Isso faz toda a diferença. 

Por que é golpe? - José do Vale Pinheiro Feitosa

A instabilidade social e as manifestações populares, aliadas a grupos políticos organizados militarmente, deixam no ar a ação de ruptura dos regimes que hoje funcionam baseados no sufrágio de candidatos. A questão está mais ou menos assim: um grupo deseja romper as políticas de renda, falta de proteção social, desemprego, despejo por dívidas e se manifesta. Grupos distintos, com outros propósitos políticos, aproveitam a ocupação das ruas e vão para o confronto militar franco.

Na Síria, na Ucrânia isso é bem visto. (Claro que por fora, acirrando posições países fortes tomam partido financiando um lado ou outro e até os dois). A Ucrânia é mais grave porque há um problema crônico básico de setores étnicos em relação à Rússia (imperial ou soviética). Estes setores ocuparam o campo da extrema direita política, são organizados, perduram há muitos anos de tal modo que aderiram ao Exército Nazista durante a invasão da União Soviética na Segunda Guerra. 
  
A situação na Ucrânia é de tal modo um retorno ao nazi-fascismo original que judeus já são perseguidos por lá. Este Jam Koum, um dos bilionários do WhatsSpp vendido para o Facebook, migrou há alguns anos para os EUA em razão das perseguições feitas contra judeus. E isso foi no final da União Soviética, em 1989, e no ano de 2004 aconteceu na Ucrânia a tal Revolução Laranja que foi comemorada como um grande ato político pela mídia ocidental.

A revolução laranja, dez anos atrás, se deu com uma revolta popular em razão de uma fraude eleitoral em que o segundo lugar Viktor Yanucovych (esse mesmo atual presidente) foi confirmado no lugar do que teria sido o primeiro colocado que é Viktor Yushchenko. A eleição foi anulada, Yushchenko disputou e venceu. Acontece que o paraíso não chegou e Yuschenko se desgastou e quem está no poder é o outro Viktor.

Mais do que uma insurgência contra o Governo, o que se tem por trás é a ruptura do processo em que a maioria vence a eleição. No caso da Venezuela isso é nítido e mesmo quem torce contra Maduro, deve imaginar que no mínimo o país tem uma grande divisão e que por eleições vão fazendo projetos de seguir adiante. O mesmo processo que elegeu Maduro, poderá eleger Capriles nas próximas eleições.

O que deseja esse López? Provocar ruptura para ele mesmo ser o autor e aí Capriles e companhia vai para o espaço. A oposição na Venezuela nunca se uniu e por isso perde tantas eleições. É preciso compreender um pouco a formação social da Venezuela. Por muitos anos uma parcela da população foi privilegiada com o Petróleo do país. Tinha uma vida de classe média até superior a de outros países latino-americanos.

Essa parcela educava os filhos nos EUA, tratava a família e tinha casas por lá onde passava as férias. Essa parcela se alienou do seu próprio país e do seu povo. O Leopoldo López fez a maior parte de seu ensino básico e de sua formação universitária nos EUA. Isso significa que parte da identidade e das ligações dele são com aquele país.

O que ele propõe nas ruas é a ruptura dos resultados das eleições no curso do mandato do eleito. Além do mais ele tem usado táticas de movimentação que recordam o ocorrido em 2002 no golpe contra Chávez. Por exemplo o aparecimento de mortes por balas perdidas em manifestações para depois gerar mais tensão social.


Leopoldo López não só participou do golpe de 2002 como, nesse momento, se diz orgulhoso do fato. Ou seja defende abertamente um golpe. A BBC Brasil o classifica assim: popular, carismático, imprevisível, arrogante e sedento de poder.