por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 3 de outubro de 2015

A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE BRUNO PEDROSA

Onde o Vêneto começa seu abraço aos alpes dolomitas, vive um artista plástico corre-mundo, que hoje navega o abstrato pictórico, mas foi nas sinuosidades, ângulos e ilusões da tridimensionalidade que se descobriu. Após formar-se na Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro, é aquele joio que fica das levas de formandos que desistem ou escondem suas obras em guardados. Ele viveu, vive e viverá até o fim dos tempos levando o pão para casa do valor de mercado de sua arte.

E para compreender os séculos gestados a partir do Renascimento, o Bruno Pedrosa é um espécime em amostra. Não por ser quase italiano, ou por artista plástico, mas pelo que aquele movimento fez ao buscar no passado uma bússola para abrir novas, inimagináveis e interditadas trilhas da alma.

Séculos que carregam simultaneamente a ousadia iconoclástica, a inovação, o questionamento do posto ou a revisão da realidade ao mesmo tempo em que se veste de corpo e alma com o arcaico que sua passadas derruba. Nascido e alimentado numa longa mesa patriarcal, com 32 assentos, no sertão do Riacho do Machado no Ceará, com as barbas e cabelos de profeta, Bruno Pedrosa é o tipo humano dos nossos séculos renascentista-iluminista-técnico-científico.

E este caleidoscópio de eras, das dimensões imperiais, dos fragmentos civilizatórios e localidades culturais resultou neste associativismo abstrato. Em que o obscuro é parte essencial da luz. Da realidade multiforme e por isso mesmo sensível.  

Nos últimos quarenta anos do século XX, numa cidade típica do mais profundo interior nordestino, localizada no centro geodésico do Nordeste, ali se desenvolveu o coletivo daqueles séculos. Uma cidade ajoelhada aos séculos coloniais com os olhos brilhando para as luzes inovadoras que piscavam nas publicações jornalísticas, nas ondas da Rádio Araripe e nos fótons projetados na tela dos cinemas.   
E foi numa peça automotiva do pós-guerra, um jipe com tração nas quatro rodas, que Bruno Pedrosa, poderia ser Raimundo, Pinheiro ou Campos, assistiu à explosão da sedução. Uma jovem cratense ganhara o título de Miss Ceará e iria para a disputa nacional. E a cidade comemorou igualmente com já fazia com Antonio Corninho um transeunte das ruas.

Não é para esticar. Mas Antonio Corninho era no Crato a representação da modernidade com adereços do arcaísmo. Pela rua central de comércio as senhoras das honradas famílias faziam compras nas lojas chiques. Era o ambiente de exposição da sociedade, da elite da cidade. E por ela também passava Antonio Corninho e os gaiatos gritavam: Antonio Cornin! Comunista! E Antonio Corninho fazia descer do mais intenso arcaico uma profusão de palavrões suficientes para abalar até os cabarés do Gesso.

Então puseram a Miss em pé, ao lado do motorista, no jipe sem capota, se movendo pelas ruas principais da cidade. Apinhadas de gente, fogos espocando, sorrisos largos e a miss desfilando a glória da beleza. Especialmente para Bruno Pedrosa, então uma criança beirando a adolescência.

As famosas misses das capas da revista O Cruzeiro, desfilavam em vários trajes. O escolhido para o desfile no Crato foi aquele de banho na piscina. Um maiô colante que expunha todos os centímetros da perfeição, dos cabelos até as unhas pintadas dos pés, passando por toda vibração erétil do corpo da juventude desbragada. E ali Bruno Pedrosa.

Que já manifestava seus pendores para o desenho. E com pedaços de gesso de um conserto da vizinhança, desenhou aquele corpo sensual, de maiô, desfilando num jipe no cimento da passarela que atravessava o jardim da casa. A casa de uma tia carola e violenta que, segundo o sobrinho, quando apresentou as credenciais ao chefe do fogo eterno, recebeu deste uma pequena gleba para ali implantar seu inferno particular e fora dos domínios do decaído.

O cimentado, da miss desenhada, foi esfregado, raspado, tomou banho de ácido, até que nem lembrança restasse daquele pecado mortal do lembrado adolescente. Foi um prazer interrompido. Assim como ser pego no auto prazer solitário e por escândalo surgirem vituperações de todas as injúrias possíveis.

Acontece que segurar a era de Bruno Pedrosa, é igual segurar a água líquida pela mão. É uma era amoldável aos continentes, mas capaz de drenar, pelas falhas estruturais existentes em todos os contidos. Logo estava Bruno na fazenda do pai. Na redondeza pessoas moldando telhas para depois queimar no forno como uma cerâmica.

E com a telha moldável, a argila ainda mole, Bruno Pedrosa desenhou a miss sedutora sendo conduzida naquele jipe na representação do alazão do prazer. Um tio viu aquilo e encantou-se qual o sobrinho. Mandou queimar a telha. Pôs a dita com a face desenhada para baixo, do alpendre, bem na mira do seu olhar quando deitado na rede usada para sonhar.


E ali ficou anos sem fim exposta aos olhares admirados por aquela primeira exposição de uma obra de Bruno Pedrosa.