por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Toninho Horta...!


SIDERAL - por Stela Siebra

LUA NO SIGNO DE CÂNCER

Neste signo a Lua está muito à vontade, pois Câncer é seu domicílio natural, onde expressa toda sua sensibilidade, sutileza e emoção.
A lua canceriana é, portanto, supersensível, emotiva, impressionável, protetora e reflexiva.
A pessoa com Lua em Câncer valoriza as raízes e os vínculos familiares, o passado e as tradições.
O lar é seu porto seguro, é onde se sente protegido e confortável.
Se você tem Lua neste signo aprenda a lição do caranguejo que volta e meia e meia retorna para a segurança da sua toca. Ele sabe a hora de sair e pegar um solzinho e sabe também como agarrar tenazmente o que lhe interessa.

É importante para sua nutrição emocional ter o lar como referência de segurança, mas você não pode esquecer que a vida pede uma ação contínua, portanto esteja atento para a cadência natural dos acontecimentos, liberando-se dos pesos do passado que estão registrados em mágoas, frustrações e ressentimentos, e que simbolizam emoções mal resolvidas.
Outra característica da pessoa com Lua em Câncer é a atenção, o cuidado, a proteção e a sensibilidade com que tratam as outras pessoas.
O que essa sensibilidade pode suscitar é uma expectativa em relação aos sentimentos dos outros, porque quando as pessoas não respondem com o mesmo grau de sensibilidade e atenção, você fica super magoado com a “desconsideração”.

Veja que você chega muitas vezes a fazer o papel de super-mãe, aquela mãezona que protege, compreende, acolhe e nutre emocionalmente, mas que, no íntimo, tem dificuldade de lidar com suas próprias necessidades emocionais.
Neste caso você tem que aprender, primeiro, a cuidar de si mesmo, para suprir-se emocionalmente. Só assim se sentirá mais seguro e poderá vivenciar suas emoções de forma mais saudável, sabendo distinguir suas emoções das emoções dos outros. Confira o que é sentimento seu mesmo e o que é que está incorporado à sua alma, mas que é referencial emocional de outra pessoa. Essa tristeza, ou essa alegria, é sua? Por que tanta ansiedade? E de onde vem essa angústia, esse sentimento de desproteção?
São das pessoas ao seu redor ou são seus esses sentimentos?
Se são seus, aceite-os. É o primeiro passo para você proteger e nutrir a si mesma. Essa aceitação impedirá que você busque compensação/gratificação oral, que o levará a comer demasiadamente e a esperar que os outros cuidem de você.

Sintonize-se com as mensagens da sua lua em Câncer, que deseja tão somente a construção de um alicerce seguro para suas emoções.

Mulher... Cá com seus botões ! - por Socorro Moreira



Não adianta escolher com o olhar


Alguém escolhe por nós, apronta,


e faz o encontro ...


Depois brinca nos deixando confundidos


Achando que o amor chegou


por poucos ou por muitos dias.


Enquanto nada sabemos do outro


tudo que dele pensamos,


nos encanta !


Depois que sabemos do outro,


uma mínima pequena parte


nos deixa inconfiante


aflitas ou nostálgicas.


Aí o amor tolerância ganha cadeira cativa,


até a exaustão ...


Que pode até ter fórum no infinito.


Mulher é complicada,


nem sempre sabe o que quer,


e se sabe, transmite a mensagem errada


Mulher sincera demais


perde o mistério,


e corre o risco de ser substituída,


antes da própria desistência ,


antes de provar a própria resistência


Não é o teu vestido,


nem a cor do teu cabelo,


que prende os olhos do amado


É o timbre da tua fala,


a textura da tua pele , e das tuas garras.


Mulher frágil tem sempre


um homem forte do seu lado


Mulher forte... Existe ?


Diz que tanto faz,


que aguenta a barra,


que não cobra, nem vai atrás...


mas incomoda búzios e tarôs


Reza pra Santo Antonio,


e aceita o descartável,


desde que venha com ares de apaixonado.


Eu esqueço as horas,


no ato de adivinhar,


se ele às vezes,


pensa em mim...


Ora, ora...


Se pensa nunca dirá...


Ele não tem cabeça, nem corpo...


Tem apenas uma alma ,


encontrada,


num canto de algum dos céus...


Na ponta de alguma estrela,


no aconchego de alguma concha,


perdida no fundo do mar.

Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor - Hilda Hilst


Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)


[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

Contos de Fadas Para Mulheres do Século XXI ( II )- Colaboração de Corujinha Baiana



Era uma vez uma linda moça, que perguntou a um lindo rapaz: Você quer casar comigo?
Ele respondeu: Não!

E a moça viveu feliz para sempre, foi viajar, fez compras, conheceu muitos outros rapazes, visitou muitos lugares, foi morar na praia, comprou outro carro, mobiliou sua casa, sempre estava sorrindo e de bom humor, nunca lhe faltava nada, bebia cerveja com as amigas sempre que estava com vontade, e ninguém mandava nela.

O rapaz ficou barrigudo, careca, perdeu a pose, a poupança murchou, ficou sozinho e pobre, pois não se constrói nada sem uma MULHER.

http://www.osvigaristas.com.br/textos/feministas/contos-de-fadas-para-mulheres-do-seculo-

Sobre Deuses, Pássaros e Gaiolas - José Nilton Mariano Saraiva

Quem nos acompanha, aqui e em outros blogs, sabe perfeitamente do nosso posicionamento em relação à religião e à Igreja. Por essa razão, tomamos a liberdade de "transcrever" o texto abaixo, em razão de Trata-se de uma "transcrição", que tomamos a liberdade de veicular em razão comungar com muito do que está exposto. Beleza pura.

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Sobre Deuses, Pássaros e Gaiolas (Rubem Alves)

Eu não tenho religião. Não vou a igrejas, não participo de rituais, não acredito nos seus dogmas. Preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir. Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus. Deus é um Grande Mistério. Está além das palavras. Diante do Grande Mistério a gente emudece. Fica em silêncio. Discordo a partir do pronome “ele”. Deus “ele”, masculino? Onde foi que aprenderam sobre o sexo de Deus? Deus tem sexo? Se tem sexo, por que não ela, Deus mulher? Como a mulher do Cântico dos Cânticos? A Igreja Católica não conhece a mulher. Conhece apenas a “mãe” que foi mãe sem ter sido mulher. Deus: por que não uma flor, a mais perfumada? Por que não um mar sem fim onde a vida navega? Místicos houve que disseram que Deus é uma criança que nos convida a brincar... Mas pode ser também que Deus seja música, como pensaram os místicos pitagóricos.

Ter uma religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar nelas. As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças das palavras que usam para se referir ao sagrado. Se elas nada falassem, se houvesse apenas o silêncio diante do Grande Mistério, a Babel das religiões não existiria. Diante do Grande Mistério apenas uma palavra é permitida, a palavra poética, porque a poesia não o diz mas apenas aponta para ele. O Grande Mistério está além das palavras.

Se tenho uma religião ela se chama poesia. Por isso, amo a Cecília Meireles, sacerdotisa profana, que quando queria se referir a Deus falava sobre um mar sem fim, misterioso e selvagem. Quem em silêncio contempla o mar sem fim ouve vozes em meio ao barulho das ondas. Também Fernando Pessoa sabia disso. Mas, prestando bem atenção, é possível ver, a voar sobre o mar sem fim, um pequeno pássaro que canta: “Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve. E a cascata aérea de sua garganta: mais leve. E o que lembra, ouvindo-se deslizar seu canto, mais leve...”

Os poetas escrevem em transe: não sabem sobre que estão escrevendo. Faz muitos anos, escrevi um livro para minha filha. Ela tinha 4 anos. Eu iria fazer uma demorada viagem pelo exterior e ela ficou com medo de que eu morresse e não voltasse. Apareceu-me, então, uma estória, A menina e o pássaro encantado. Resumida, era assim: era uma vez uma menina que amava um pássaro encantado que sempre a visitava e lhe contava estórias, o pássaro a fazia imensamente feliz. Mas sempre chegava um momento quando o pássaro dizia: “Tenho de ir”. A menina chorava porque amava o pássaro e não queria que ele partisse. “Menina”, disse-lhe o pássaro, “aprenda o que vou lhe ensinar: eu só sou encantado por causa da ausência. É na ausência que a saudade vive. E a saudade é um perfume que torna encantados a todos os que o sentem. Quem tem saudades está amando. Tenho de partir para que a saudade exista e para que eu continue a amá-la, e você continue a me amar...” E partia. A menina, sofrendo a dor da saudade, maquinou um plano: quando o pássaro voltou e lhe contou estórias e foi dormir, ela o prendeu numa gaiola de prata dizendo: “Agora ele será meu para sempre”. Mas não foi isso que aconteceu. O pássaro, sem poder voar, perdeu as cores, perdeu o brilho, perdeu a alegria, não mais tinha estórias para contar. E o amor acabou. Levou tempo para que a menina percebesse que ela não amava aquele pássaro engaiolado. O pássaro que ela amava era o pássaro que voava livre e voltava quando queria. E ela soltou o pássaro que voou para longe. A estória termina na ausência do pássaro e a menina se enfeitando para a sua volta.
Minha intenção, ao escrever esta estória, era simples: consolar a minha filha. Mas quando foi publicada ganhou um sentido que não estava nas minhas intenções: começou a ser usada em terapia, com casais possuídos pela ilusão de que, engaiolado, o amor seria posse eterna.... Desde então passei a presentear noivos com uma gaiola da qual eu arrancava a porta. Mas, passado algum tempo, uma pessoa me disse: “Que linda estória você escreveu sobre Deus!” “Sobre Deus?”, eu perguntei sem entender. “Sim”, ela me respondeu. “O Pássaro Encantado não é Deus? E as gaiolas não são as religiões nas quais os homens tentam aprisioná-lo?” Aprendi, então, da minha própria estória, algo que não sabia: Deus como um Pássaro Encantado que me conta estórias. Amo o Pássaro. Odeio as gaiolas. O Pássaro Encantado: não pousa em galhos para cantar. Não é possível fotografá-lo. Canta enquanto voa. Dele, o que temos é apenas a sua leve sombra voante e a cascata aérea de sua garganta... Quando ouço o seu canto, ele já passou. Só é possível vê-lo em seu vôo, por trás. Vai-se o Pássaro. Fica a memória do seu canto.

Um pássaro voando é um pássaro livre. Não serve para nada. Impossível manipulá-lo, usá-lo, controlá-lo. Pássaro inútil. E esse é, precisamente, o seu segredo: a sua inutilidade: ele está além das maquinações dos homens. Sua única dádiva é o seu canto. Só faz um milagre, um único milagre: quando, chorando, lhe peço “Passa de mim esse cálice”, ele canta e o seu canto transforma a minha tristeza em beleza. Por isso eu nada lhe peço. Sei que ele não atende a pedidos. O seu canto me basta: ao ouvi-lo transformo-me em pássaro. E vôo com ele...

Mas aí vêm os homens com as suas arapucas e gaiolas chamadas religiões. E cada uma delas diz haver conseguido prender o Pássaro Encantado em gaiolas de palavras, de pedra, de ritos e magia. E cada uma delas afirma que o seu pássaro engaiolado é o único Pássaro Encantado verdadeiro...

Por que prenderam o Pássaro? Porque o seu canto não lhes bastava. Não lhes bastava a beleza. Na verdade, não o amavam. O que os homens desejam não é a beleza de Deus. O que eles desejam é manipular o seu poder. O que eles querem é o milagre. O canto do pássaro poderia lhes dar asas para voar. Mas não é isso que querem. O que desejam é o poder do pássaro para continuar a rastejar: Deus, transformado em ferramenta. Ferramenta é um objeto que se usa para se atingir um fim desejado. Assim são os martelos, as tesouras, as panelas... O que as religiões desejam é transformar Deus em uma ferramenta a mais. A mais poderosa de todas. A ferramenta que realiza os desejos. Como o gênio da garrafa. Pois não é isso que é o milagre, a realização de um desejo por meio da manipulação do sagrado? Só é canonizada santa uma pessoa que realizou milagres: o milagre é o atestado do seu poder para manipular o divino.

E é assim que as religiões se multiplicam, porque os desejos dos homens não têm fim, e os seus santuários se enchem de santos de todos os tipos, os santos milagreiros são nossos despachantes espirituais, todos eles a serviço dos nossos desejos, atenderão nossos desejos a preço módico, se rezarmos a reza certa e prometermos publicar o milagre em jornal, e pela televisão se anunciam fórmulas, sessões de descarrego, águas bentas milagrosas, exorcismo de demônios, os DJs de cada religião têm uma música na fala que lhes é própria...

Assim, a poesia do canto do Pássaro Encantado se transforma em manipulação do pássaro engaiolado. E não percebem que aquele pássaro que têm dentro de suas gaiolas não é o Pássaro Encantado, que não se deixa engaiolar, porque é como o vento, e voa como quer, e tem uma única dádiva a oferecer aos homens: a beleza do seu canto. À transformação da poesia em manipulação milagreira – os profetas deram o nome de idolatria.



A Arte de Amar - Manuel Bandeira


ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira




Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... enquanto durar.


Cora Coralina.

"Piange Il Telefono" - Domenico Modugno e ...- Por Corujinha Baiana




( Canta: Domenico Modugno & Francesca Guadagno)
( Autores: Bourtaire - François - D. Modugno - Thomas - 1975 )

Piange Il Telefono
-Pronto!
*
-Escuta, mamãe está perto de ti?
Deves dizer a mamãe:
Tem alguém que...
*
- Quem é, o senhor da outra vez?
Vou chamá-la, mas está tomando banho,
não sei se pode vir.
*
- Diz-lhe que estou aqui,
diz-lhe que é importante,
que esperarei.
*
- Mas fizeste alguma coisa à minha mãe?
Quando tu chamas
ela me diz sempre:
”Diz-lhe que não estou”.
*
- Mas diz-me,
já sabes escrever ?
É bela a tua casa?
Na escola como vai?
*
- Bem ...mas enquanto a minha mãe trabalha
é uma vizinha que me acompanha à escola
Porém tenho somente uma assinatura no meu diário,
os outros têm aquela de seu papai, eu não.
*
- Diz-lhe que estou aqui,
que sofro há seis anos.
Tesouro, exatamente a tua idade.
*
- Eh não! Eu tenho cinco anos.
Mas tu conheces a minha mãe?
Não me falou nunca de ti.
Espera, eh!
*
- Chora o telefone
porque ela não virá.
Também se grito: "Te amo",
eu sei que não me escutará.
*
Chora o telefone
porque não tens piedade.
porém ninguém me responderá.
*
No verão vocês passam as férias
no Hotel Riviera.
Gostas do mar?
*
- Oh sim, muito, sabes que sei nadar ?
Mas, diz-me, como conheces o Hotel Riviera,
estiveste lá também ?
*
- Diz-lhe, a minha pena é aqui, eu quero bem às duas.
*
- Queres bem a nós duas?
Mas eu nunca te vi !
Mas o que tens, porque mudou sua voz?
Mas tu choras, por quê?
*
- Chora o telefone porque ela não virá.
Também se grito: "Te amo",
eu sei que não me escutará.
*
Chora o telefone
porque não tens piedade.
porém ninguém me responderá.
*
Lembras porém, choro no telefone
pela última vez agora,
e o porquê amanhã tu saberás.
Faz ela esperar.
*
- Está saindo.
*
-Faz ela parar.
*
- Já saiu.
*
-Se já saiu, então adeus.
*
- Até breve senhor.
*
- Tchau pequena.

Vídeo - You Tube - Domenico Modugno e Francesca Guadagno


Primeiro poema no vazio - Carlos Pena Filho



Buscava tudo que havia
de nunca mais encontrar
em sua face macia
em seu leve caminhar,
nas rotas claras do dia
nos verdes sulcos do mar
e de tudo quanto havia
de nunca mais encontrar
restou a forma vazia
suspensa no seu olhar
e a tênue melancolia
de quem não se soube achar
nas rotas claras do dia
nos verdes sulcos do mar

Tratado Social - por José do Vale Feitosa


Rio, 1979


Venho da data perdida,
o arroio seco da prisão,
qual ferida cindida,
inunda meu coração.


Nem prisão ou perdão.
Atitudes de Salomão.


Sou cara ou coroa;
trocado e guardado,
dinheiro, direito escrito,
órfão qual papel no vento.


Em povo ou socialização.
atitudes de subversão.


Minhas obrigações traídas.
Os tratados sociais da aldeia,
tal qual carnes moídas,
se perdem nesta cadeia.


Nem acordo ou tratados.
Povos mal acabados.


Venho da data perdida.
O governo fechado e palaciano,
Debulha o meu feijão.

Trovinhas despretensiosas - por Socorro Moreira


Tomara que chegue Junho
Pra Julho chegar também
Enquanto isso eu me escondo
De mim, e de ti também !
.
Se antes eu não te via
Agora te vejo bem
Somos velhos conhecidos
Agora te quero bem !
.
Passado a gente discute
Presente quer se dar bem
Futuro é sempre o novo
Do velho que se deu bem !
.
Não choro a minha tristeza
Tão ligeira , sempre passa
Comemoro a alegria
De te encontrar por acaso
.
Os amores bem lembrados ...
São sempre os aventurados
No "Auto da Compadecida"
Permanecem os consagrados !
.
Aqui termino esses versos
Na fumaça , na tragada
Tua lembrança é clara
Não duvides, tá na cara !

VEM CONHECER RECIFE por Rosa Guerrera



O cantor e compositor Reginaldo Rossi prestou uma homenagem a cidade de Recife , dentro do seu estilo bem peculiar . E eu , aproveitando o ensejo , parabenizo a minha cidade pelos seus 473 anos , transcrevendo a letra dessa música que todo recifense sabe cantar .

Recife Minha Cidade
(Reginaldo Rossi)

Hei! Vem cá que eu quero te mostrar
Hei! A minha cidade, o meu lugar
Hei! Recife tem um coração
Hei! Tem muito calor, muita emoção

O povo daqui gosta de cantar
Tem religião, gosta de rezar
Tem cristianismo, tem candomblé
Tem muita cachaça e muita mulher

Tem Luiz Gonzaga, Rei do Baião
Tem Alceu Valença, anunciação
E em Olinda o carnaval
É o melhor do mundo
É sensacional

Recife tem encantos mil
É... É um pedacinho do Brasil
É um paraíso tropical
Tem... Tem um acervo cultural

Ela é a Veneza desse Brasil
É entrecortada por muitos rios
A capital do meu Pernambuco
Capitania que deu mais lucro

Ela é a cidade que viu surgir
grandes heróis da nossa nação
O negrão Henrique e o branco Negreiros
O índio Felipe e o Camarão

De Porto Alegre até Boa Vista
De Porto Velho até Natal
Em diagonal até Fortaleza
O Brasil, eu sei, tem muita beleza
Mas sou de Recife e devo cantar
A minha cidade, o meu lugar
Você não entende se não quiser
Tem muita cachaça e muita mulher

HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO POSTAL- Cacaso



eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata

sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira
de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor

SAUDADES - CLARICE LISPECTOR - COLABORAÇÃO DE EURÍPEDES REIS


Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...

(Clarisse Lispector)

Tartarugas Marinhas - por José do Vale Pinheiro Feitosa


A praia vazia naquele começo da manhã. Apenas os três andando na planície infinda do litoral do Ceará. Pela terra e mar a visão só termina na curvatura do planeta. Foi quando ela disse:

- Parecem grandes tartarugas.

As pedras dos recifes semi-descobertas pela maré baixa. Grandes animais marinhos, pré-históricos sob nossos passos no presente. Imediatamente surgiu um arco-íris de tempo, com as cores de todos os momentos vividos por cada um. Em seguida um deles pergunta ao terceiro:

- Achas que temos alma? Uma vida eterna?

Pergunta mais antiga. Resposta mais experimentada. Mas assim mesmo a deu:

- Não digo que sim e nem digo que não. Tudo pode.

- Quando assim respondes é que existe em ti a idéia de que sobrevirás ao tempo. Se não considerasses a possibilidade de uma vida eterna não colocarias esta dúvida. Apenas dirias que não. Mas ao assim responder consideras esta possibilidade e, efetivamente, crês na alma e na eternidade.

- Não sei. Acho que somos diferentes. Dos porcos e dos jumentos.

- É verdade e os porcos e jumentos também nos achariam diferentes. Nos termos deles. Assim a nossa diferença não nos diz de qualquer supremacia e nem de qualquer eternidade.

- Mas não posso afirmar que não exista alma. Mesmo que ninguém tenha vindo e me dito que vive a eternidade. Alguém que já tenha morrido.

- Mas se somos diferentes de porcos e jumentos, um elemento central se encontra na inteligência e no enorme impacto desta sobre a natureza do planeta. E a inteligência se exercita pela razão, na qual a existência se pontua pela evidência de sua própria existência.

- Mas posso imaginar que exista vida noutro planeta. Assim como posso considerar a existência da alma, mesmo sem que tenha qualquer evidência.

- Imaginar é bem humano. Mas não diz nada da eternidade. Há a possibilidade de vida em outros planetas desde que resguardadas as preliminares para que exista vida como a conhecemos. Mas até agora nenhuma evidência há de que exista vida noutro planeta.

- Então, mesmo não existindo evidência se admite a possibilidade, é o mesmo caso da alma.

- Só que não existem preliminares para se definir a eternidade de um ser vivo.

- Mas a alma não é vida. É algo permanente.

- Então que seja este algo permanente, que não existe no universo. Mas existe no teu desejo por acréscimo. Por merecimento de ser diferente. Como paga de tua boa conduta.

O mar, a planície, o vento e as nuvens que prometem as chuvas que não caem. Andávamos na praia vazia de gente, apenas nós e por isso nem se podia qualificar como vazia de gente.

 por José do Vale Pinheiro Feitosa

Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vemos, se vão ?


 Eduardo Galeano

ZECA IV0 - Por Norma hauer


Em 19 de maio de 1894 nasceu, aqui no Rio de Janeiro, José Ivo da Costa, que adotou o nome de ZECA IVO e assim ficou conhecido como compositor. Embora não marcasse muito nosso cancioneiro popular, foi autor de alguns sucessos, como “Tristeza de Gaúcho”, isso porque, embora carioca, viveu muitos anos no Rio Grande do Sul.
Com temas gaúchos, ainda compôs “Gaúcho Velho”; ”Luar do Sul” e “Proeza de Gaúcho” . .
Regressando ao Rio de Janeiro, aqui fez parceria com Jota Machado compondo “Mês de Maria”, gravado por Francisco Alves; “Ondas Curtas” , com João Freitas (sendo esta a primeira gravação de Orlando Silva); “Jardineiro do Amor, com Custódio Mesquita e “Última Carta de Amor”, com Benedito Lacerda. Ainda com tema gaúcho compôs, com Ary Barroso, “Meu Pampa Lindo”.

Zeca Ivo gravou também com Pedro Celestino (irmão de Vicente), “O Guasca” e “A Vida é um Inferno, onde as Mulheres são os Demônios”, um fado-toada feito em parceria com Lamartine Babo. Com Laís Areda, uma cantora que foi companheira de Vicente Celestino, antes de seu casamento com Gilda de Abreu, Zeca Ivo gravou a canção ´”Órfão de Amor”. Com Sílvio Caldas, gravou o samba “Última Carta de Amor” e com Augusto Calheiros a valsa “Quero-te Cada Vez Mais”.

Visitou vários estados do Brasil integrando grupos teatrais ou sozinho, realizando recitais de poemas e canções.

Podemos considerar “Mês de Maria”, gravada, por Francisco Alves, a música mais conhecida de Zeca Ivo aqui no Rio de Janeiro, quiçá no Brasil.

Zeca Ivo faleceu aqui no Rio de Janeiro no dia 19 de fevereiro de 1964, sem completar 70 anos.


Norma

O leitor e a bibliotecária - por Ronaldo Correia de Brito - Colaboração de José do Vale Feitosa


Na cidade do Crato, no Ceará, onde vivi parte da infância e adolescência, havia uma biblioteca municipal. Ou seria diocesana? Também não sei aonde foi parar o acervo que marcou tão profundamente minha meninice pobre de livros. O prédio da biblioteca não existe mais; no local funcionam um bar e lojas de bugigangas. Embora o acervo literário fosse deplorável, quase todo formado por livros católicos mal impressos e muito velhos, acho que a troca de uma biblioteca por um comércio nunca é feliz. Já existem bares em excesso nas cidades brasileiras.

Imagino que sou a única pessoa do mundo que leu a coleção Grandes Romances do Cristianismo, de que fazem parte títulos como Perseguidores e Mártires, Quo Vadis?, Otávio, Papai Falot, Ben-Hur, Os últimos dias de Pompéia, Os noivos e por aí afora. Na falta de livros melhores, eu mergulhava nessas narrativas lacrimosas, escritas para arrebanhar os espíritos rebeldes, transformando-os em almas piedosas. Afora esses livros exemplares, havia a biblioteca de um primo, com a melhor literatura universal: só que todos eles estavam parcialmente devorados pelos cupins e pelas traças. Dessa maneira, minha formação ficou cheia de hiatos. Nela, faltam muitas páginas, capítulos inteiros, começos, meios e fins.

Não sei por arte de que nigromante os insetos não comeram uma única página, uma lombada sequer, nem mesmo o parágrafo mais insignificante das obras completas de Machado de Assis, José de Alencar e das crônicas de Humberto de Campos. Dessa forma, até os quinze anos eu já lera todos esses respeitáveis senhores, de cabo a rabo, tão bem lido que nunca mais voltei a eles. Minto: jamais consegui atravessar Guerra dos Mascates, do meu conterrâneo cearense, e sempre releio os contos de Machado. Humberto de Campos, confirmando a transitoriedade do sucesso, anda esquecido. Ninguém lembra que ele foi o autor brasileiro mais lido há algumas décadas, um fenômeno nacional parecido com Paulo Coelho. Sem a auto-ajuda, claro.

A Biblioteca Municipal era pouco freqüentada e a bibliotecária passava a maior parte do tempo fazendo crochê ou rezando num terço de contas azuis e brancas. Creio que o seu interesse pela leitura não foi além das orelhas e prefácios. Dessa forma, ela construiu um conhecimento de superfície sobre o pequeno acervo, quase sempre doado, o que me leva a supor que se tratava de refugo, aquilo que as pessoas têm em casa e não apreciam. Nunca tive notícia de uma aquisição feita pela prefeitura da cidade, da compra de um pacote de bons livros. Quando completei catorze anos, deixaram que eu tivesse acesso à biblioteca da Faculdade de Filosofia e aí conheci livros melhores.

A bibliotecária pertencia à irmandade das Filhas de Maria, vestia-se de branco no mês de maio e usava uma fita azul no pescoço com uma imagem em prata de Nossa Senhora. Ela sempre me pareceu ingênua, boa e feliz. A necessidade de um emprego colocou-a no lugar de bibliotecária, sem vocação ou preparo para isso. Nossa amizade se deu por eu ser apaixonado pelos livros. A devoção que ela punha nas rezas eu colocava nas leituras. Diante de um menino deslumbrado por objetos de que ela cuidava sem maior convicção, sentia-se tocada. E era sincera quando me apresentava um título que acabara de chegar, uma nova doação. Esse é bom, dizia sem haver lido. Esperando que eu retornasse para a devolução com um resumo da obra e comentários que respeitavam sua fé católica.

Talvez um bibliotecário de grande erudição, culto e arrogante, tivesse me inibido. A bibliotecária modesta, com seu fetiche pelos objetos livros e sua admiração pelo menino leitor, me seduziu para a leitura. Ela me olhava invejosa e seus olhos confessavam: Ah, se eu tivesse coragem de atravessar esses dramas! Mas sua formação católica, de um catolicismo popular e singelo, reprimia vôos e fantasias, mesmo em romances que pareciam inventados por sugestão de Roma.

Quase todas as vezes em que voltava ao Crato, passava em frente à casa da bibliotecária. Nossa conversa não se mantinha por mais de dez minutos. Eu temia que a qualquer momento ela sacasse a sugestão de um novo romance. Mas o catolicismo anda em baixa e livros edificantes de escritores como Paulo Coelho tendem para o ecumenismo e o paganismo. A bibliotecária já não possui biblioteca, nem leitores a quem cativar.

Ela sabia que o menino curioso se tornara médico e escritor. Talvez desejasse ouvir um agradecimento que só agora faço: obrigado pelos livros que você me colocou nas mãos. Por mais estranhos que eles me pareçam hoje, contribuíram para me fazer leitor. Tomara que os santos em que você acredita lhe dêem no céu uma pequena biblioteca, com livros que você poderá nunca ler, mas com certeza amará, abaixo de Deus.

Ronaldo Correia de Brito

Só Um Pensamento. Por Liduina Belchior.


Estou com minha cabeça a mil:

Mil horas de labuta,
mil horas de sono,
mil horas de contemplação,
mil horas de alegria,
mil horas de preocupação,
mil horas de carinho,
mil horas de caminho.

Aguardo agora, as próximas mil horas
do futuro próximo, que há de vir, neste
novo porvir.

A furta cor de um dia- Marcos Vinícius Leonel




O parque, da quadra Bi-Centenário do Crato, sempre foi para mim uma espécie de refúgio, de idílio e de reserva imaculada de auto-afirmação, durante os meus conturbados anos de adolescência. Era um período de revolta inerente. Eram os fins da década de setenta e inícios dos anos oitenta. Foram praticamente três anos na companhia diária de Geraldo Urano, Clélio, Romildo e Orlando, principalmente. Sempre recebíamos algumas visitas inusitadas, bem como sabíamos de algumas despedidas repentinas, como a minha, por exemplo, rumo aos jardins suspensos do bairro Pinheiros, em São Paulo.

O horário sagrado era o pingo da mei dia. Os alunos passando ao largo, os sonhos flutuando à nossa volta, como pedras coloridas suspendidas, as divagações assumindo deliberadamente a solidão dos andarilhos envoltos em lençóis psicodélicos, enquanto a filosofia vã dos desocupados desenhava em nossas mentes paisagens urbanas ocupadas por tropas de assalto e anarquistas espiritualizados nas mais altas esferas da teosofia, dos mitos e do esoterismo fácil dos mundos adjacentes ao absurdo.

Discutíamos de tudo, tanto no sentido lato como no sentido estrito. As leituras eram colocadas em dias e debatidas com uma ferocidade sarcástica que se superava a cada dia, trocando de pele como uma cascavel da caatinga, recém chegada dos desertos americanos. Geraldo tinha uma capacidade mórbida de desconcertar qualquer um com comentários lúcidos e perturbadores. Romildo era dono inconteste de argumentos ferinos contra qualquer coisa. Clélio era o anarquista que todos nós precisávamos constantemente para crucificar a sociedade em nosso passatempo preferido. Orlando era a mansidão naturalista em pessoa, o peso ideal para aliviar e elevar as nossas dores marginais.

Geralmente chegávamos ao nosso encontro diário e inadiável com as idéias fervilhando os nossos ideais. Sempre existia uma certa concordância inicial sobre qualquer coisa. Depois a dialética revestia nossas íris com um arco-íris chamuscado pela urgência existencial de cada um. A catarse era coletiva e individual, com a mesma intensidade com que um ovo é fritado na imaginação de um vagabundo, aos pés de um viaduto de uma metrópole encardida pela fuligem do asfalto e do gás carbono. A tensão era a nossa marionete. A sociedade o nosso Pantagruel. A arte e a cultura eram o outro perdido no labirinto de Borges. Nosso senso crítico distribuía igualitariamente um Dom Quixote para cada moinho movido pelas nossas controvérsias. A gente se despedia, ou não, sempre de mãos vazias, mas com a alma repleta de saudades inconfessadas já para o próximo dia.

Naquele dia sentamos em completo silêncio e nele mergulhamos nossos anseios, vitórias e derrotas, e nele permanecemos, em perturbações imperceptíveis, como uma árvore que cria cascas, quebrando espelhos e fundando universos paralelos. Foram as três horas mais prolíferas da minha vida, naquele período de descobertas indomáveis. Foi aquele silêncio barulhento que fez com que eu percebesse que naquele exato momento aqueles dias inesquecíveis haviam acabado e que não reencontraríamos mais nenhum daqueles nós mesmos de há pouco tempo atrás. Foi naquele dia que o saudosismo foi definitivamente banido do meu reduto. Senti na face o vigor do sorriso de quem reconhece o próprio sangue pulsando nas veias. 

 por Marcos Vinícius Leonel