por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

De ladeira abaixo



Rezam os anais da nossa cidade que o primeiro automóvel chegou em Crato, em 1919, por iniciativa do comerciante Manuel Siqueira Campos que terminou imortalizado,  nomeando uma das mais importantes praças de Crato. Nas décadas que se seguiram , com a pujança do nosso setor mercantil, o carro foi se tornando uma presença cada vez mais constante nas nossas ruas. Os antigos Fords Bigodes foram sendo substituídos , pouco a pouco, por modelos mais modernos : Buicks, Cadillacs, Mercedes, Mercurys, Simcas.  Após a II Grande Guerra,  começaram a chegar os caminhões que transportavam cargas , mas, também, travestiam-se de transporte coletivo interurbano. Vezes feitos pau-de-araras , tantas outras transformados em Mistos, levavam passageiros ,mundo a fora, por estradas terríveis e quase intransitáveis, num incômodo inimaginável nos dias de hoje.  Comparadas, no entanto, com as viagens longas, em lombo de animais, os caminhões traziam consigo o cheiro inevitável do novo :  maiores velocidade e conforto.
                        A tecnologia ainda primária dos primeiros veículos pesados, somada à tortuosidade natural de algumas estradas , como as que beiram a nossa Chapada do Araripe, elevavam, consideravelmente, o risco de acidentes. Ficaram famosas, na nossa região , a Ladeira das Guaribas aqui em Crato e a do Quincuncá em Farias Brito. Rodagens íngremes e extensas se associavam a fitas de freios aquecidas e terminavam desembestando caminhões, ladeira abaixo, com incontáveis vítimas. Até uns poucos anos atrás, a nossa Batateira via-se , diariamente, aterrorizada, temendo a chegada descontrolada de caminhões sem freio invadindo suas ruas e casas.
                        Pois o que vou contar vem desta época de heróicos desbravadores. Contava-se por aqui, com o exagero natural dos descendentes da Vila de Frei Carlos, esta historinha que buscava exemplificar o risco que era descer de caminhão a Ladeira das Guaribas.
                        Chagas vinha ,do Pernambuco, com um caminhão carregado de romeiros . Iam tomar a bênção ao  padrinho, pagar promessas e alimentar a indústria azeitada dos santeiros e fabricantes de rosários. Na famosa descida da serra, na altura da Barraca Verifique, o freio quebrou. O veículo começou a embalar, ladeira abaixo ,e o destino era mais que previsível: ou caía no abismo à direita ou, na melhor da hipóteses, desceria todo o percurso, equilibrado na munheca atilada do chofer e , ganhando velocidade e mais velocidade , terminaria por esborrachar-se nas casas da Batateira.  Os passageiros perceberam rápido o perigo e sojigados  entre ficar o serem comidos pelo bicho ou correr e ser pego por ele, arriscaram na segunda possibilidade. Começaram a saltar do caminhão em disparada: o desmantelo estava feito. Pernas quebradas, pescoços torcidos, pé-de-ouvidos ralados. Em pouco, tinham já pulado todos os romeiros da carroceria e da boléia. Chagas, por incrível que possa parecer, manteve-se firme na direção, aprumando ladeira abaixo. Para sua felicidade, já na proximidade das Guaribas, as rodas caíram na valeta à esquerda junto às  escarpas do Araripe. Adiante , perdendo carreira, as rodas travaram num grotão e o carro, por incrível que pareça, parou, ao arrastar o diferencial  pelo chão.
                                   Atrás , tinha restado um rastro de destruição. Romeiros feridos, ex-votos espalhados, alguns corpos sem vida. Aos poucos, os acidentados foram levados ao hospital, por carros que iam passando. Chagas permaneceu, ainda, por muito tempo, na boléia, sem entender o que tinha acontecido e deixado de acontecer. Uma viagem tão tranqüila! Como, de repente, se estabelece tamanho caos ?
                                   Uma hora depois chegou ao local um radialista. Resolvera entrevistar o  chofer, quando soube  da tragédia, através das vítimas que atulhavam a emergência do hospital. Aproximou-se o repórter do motorista e interrogou-o sobre o inusitado da cena:
                                   --- Amigo ! Parabéns, quanta perícia ! Você é um herói, meu chapa !Mas me diga uma coisa, por que você não fez como os passageiros e pulou do carro ?
                                   Chagas, ainda capiongo e confuso, explicou:
                                   --- É que eu carrego pregada aqui no tabeliê do carro, próximo ao volante, uma imagem do meu santo de devoção : São Cristovão ! Com ele, meu amigo, pra mim não tem tempo ruim !
                                   O radialista subiu na boléia , curioso em conhecer o santo milagreiro:
                                   --- Cadê o santo ? Me mostre !
                                   Chagas  escascaviou todo o quadro do caminhão e não encontrou o santo. Procurou embaixo --- poderia ter caído nos solavancos--- e nada ! Olhou, então, convicto  para o repórter e concluiu:
                                   --- O negócio foi mais feio que briga de foice no escuro. Pois na hora do pega-pra-capar, meu senhor, não é que até São Cristovão pinotou fora também,  pra num ver o destroço !



J. Flávio Vieira



A Ilusão da Vida Vulgar.


René Guénon 
Cap XV de "O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos"
Ed. Irget, S. Paulo, 2009
A atitude materialista, quer se trate de materialismo explícito e formal, quer de simples materialismo «prático», traz necessariamente, em toda a constituição «psico-fisiológica» do ser humano, uma modificação  real e bastante importante; isto é fácil de compreender, e, de facto, basta olhar à nossa volta para constatar que o homem moderno se tornou verdadeiramente impermeável à qualquer influência que não seja a que está ao alcance dos seus sentidos; não só as suas faculdades de compreensão se tomaram mais limitadas, mas o próprio campo da sua percepção, da mesma forma, se restringiu. 

                      Resulta deste fato uma espécie de reforço do ponto de vista profano, já que, se este ponto de vista nasceu inicialmente de um defeito de compreensão, logo, de uma limitação das faculdades humanas, esta mesma limitação, ao acentuar-se e ao estender-se a todos os domínios, parece logo em seguida justificá-la, pelo menos aos olhos daqueles que são afectados por ela; - que razão poderiam eles ter ainda, com efeito, em admitir a existência do que não podem realmente conceber nem perceber, isto é, de tudo o que lhes poderia mostrar a insuficiência e a falsidade do ponto de vista profano em si ?

                      Daí provem a idéia daquilo que se designa comummente como a “vida vulgar”, ou a «vida corrente»; o que se entende por esta expressão, com efeito, é bem, e antes de mais, alguma coisa onde, por exclusão do carácter sagrado, ritual ou simbólico (quer se tome no sentido especialmente religioso ou segundo qualquer outra modalidade tradicional, pouco importa, já que se trata igualmente de uma acção efectiva das «influências espirituais» em todos os casos), nada que não seja puramente humano intervêm nela de qualquer modo; e mesmo estas designações implicam, além disso, que tudo o que ultrapassa uma tal concepção, mesmo quando não é expressamente negado, está pelo menos relegado a um domínio do «extraordinário», considerado como excepcional e inabitual; há, pois, propriamente falando, uma inversão da ordem normal, tal como é representada pelas civilizações integralmente tradicionais, em que o ponto de vista profano não existe de modo nenhum, e esta inversão só pode conduzir logicamente à ignorância ou à negação completa do «supra-humano». 

                    Fora isso, alguns chegam mesmo a utilizar, com o mesmo sentido, a expressão «vida real», o que, no fundo, é uma singular ironia, porque a verdade é que aquilo que eles chamam desse modo é, pelo contrario, a pior das ilusões; não queremos dizer com isto que o que se inclui nessa expressão seja, em si mesmo, desprovido de qualquer realidade, mesmo que essa realidade, que é afinal a da ordem sensível, esteja no grau mais baixo de todos, e que acima dela não haja mais do que aquilo que está propriamente abaixo de toda a existência manifestada; mas é a maneira como todas as coisas são encaradas que é inteiramente falsa, e que, separando-as de qualquer princípio superior, lhes nega precisamente aquilo que faz toda a sua realidade; é por isso que não existe efectivamente um domínio profano, mas tão somente um ponto de vista profano, que se faz cada vez mais invasor, até englobar finalmente toda a existência humana.

                      Vê-se assim facilmente nesta concepção da «vida vulgar», como se passa quase insensivelmente de um estágio a outro, e como a degenerescência se vai acentuando progressivamente: começa-se por admitir que certas coisas sejam subtraídas a qualquer influência tradicional, depois estas mesmas coisas são consideradas como normais; daqui facilmente se chega a considerá-las como as únicas «reais», o que acaba por afastar como «irreal» todo o «supra-humano», e, como o domínio do humano vai sendo concebido de forma cada vez mais limitada, vai-se reduzindo-o a uma única modalidade corporal, e afastando tudo aquilo que é simplesmente de ordem supra-sensível; basta reparar como os nossos contemporâneos empregam constantemente, e mesmo sem pensar, a palavra «real» como sinônimo de «sensível», para nos darmos conta que é neste último ponto que eles se encontram efectivamente, e que esta maneira de ver se incorporou de tal modo na sua própria natureza que se 
tornou para eles quase instintiva. 

                   A filosofia moderna, que afinal não é, em princípio, mais do que uma expressão «sistematizada» da mentalidade geral, antes de reagir por seu lado numa certa medida, seguiu uma marcha paralela a esta: começou com o elogio cartesiano do «bom senso», de que já falamos atrás, e que é bem característico a este propósito, porque a "vida vulgar» é seguramente, por excelência, o domínio deste «bom senso», também conhecido por «senso comum», tão limitado como ela e feito do mesmo modo. A seguir do «racionalismo», que, no fundo, não é mais do que um aspecto especificamente filosófico do «humanismo», isto é, da redução de todas as coisas a um ponto de vista exclusivamente humano, chega-se pouco a pouco ao materialismo ou ao positivismo: quer negue expressamente, como faz o primeiro, tudo o que está para além do mundo sensível, quer se contente, como o segundo (que por isso mesmo gosta de se chamar «agnosticismo», gritando um título de glória que não é mais do que a confissão de uma incurável ignorância, em recusar ocupar-se dele declarando-o «inacessível» ou «inconhecível», o resultado é, de facto, exactamente o mesmo nos dois casos, e é bem aquele que acabamos de descrever.

                      Voltaremos a dizer que, para a maior parte das pessoas, se trata naturalmente daquilo a que podemos chamar um materialismo ou um positivismo «prático» independente de qualquer teoria filosófica, que é e será sempre coisa bastante estranha para a maioria; mas isso é mais grave ainda, não só porque um tal estado de espírito adquire por isso mesmo uma difusão incomparavelmente maior, mas também porque é tanto mais irremediável, quanto mais irreflectido e menos claramente consciente, porque isso prova que penetrou verdadeiramente e impregnou toda a natureza do indivíduo. 

                     O que já dissemos do materialismo de facto e da maneira como se acomodam a ele as pessoas que se crêem «religiosas» mostra-o bem; e, ao mesmo tempo, vê-se por este exemplo que, no fundo, a filosofia propriamente dita não tem toda a importância que alguns lhe querem atribuir, ou que, pelo menos, só tem enquanto pode ser considerada como «representativa» de uma certa mentalidade, mais do que agindo efectiva e directamente sobre esta; de resto, poderia uma concepção filosófica qualquer ter o mais pequeno sucesso se não respondesse a algumas das tendências predominantes da época em que é formulada? Não queremos dizer com isto que os filósofos não têm, tal como os outros, o seu papel no desvio moderno, o que seria exagerado, só que esse papel é mais restrito do que se poderia supor à primeira vista, e bastante diferente do que pode parecer exteriormente; aliás, de um modo muito geral, o que é aparente é sempre, segundo as próprias leis que regem a manifestação, mais uma conseqüência do que uma causa, um ponto de chegada mais do que um ponto de partida (1) , e em todo o caso, não é nunca aí que é preciso ir buscar aquilo que age de maneira verdadeiramente eficaz numa ordem mais profunda, quer se trate nela de uma acção que se exerce num sentido normal e legítimo, quer o contrário, como no caso que referimos presentemente.

                   O próprio mecanicismo e o materialismo só puderam adquirir uma influência generalizada ao passar do domínio filosófico ao científico; o que diz respeito a este último, ou aquilo que se apresenta com ou sem razão como revestido deste carácter «científico», tem seguramente, por razões diversas, muito mais acção do que as teorias filosóficas sobre a mentalidade vulgar, na qual há sempre uma crença pelo menos implícita na verdade de uma «ciência», cujo carácter hipotético lhe escapa inevitavelmente, enquanto que tudo o que se qualifica de «filosofia» deixa essa mentalidade vulgar mais ou menos indiferente; a existência de aplicações práticas e utilitárias num caso, e a sua ausência, no outro, não é totalmente alheia a isso. Este facto leva-nos mais uma vez à idéia da «vida vulgar», na qual entra efectivamente uma boa dose de «pragmatismo»; e o que dizemos é ainda, claro, totalmente independente do facto de alguns dos nossos contemporâneos quererem erigir o «pragmatismo» a sistema filosófico, o que só foi possível devido exactamente ao cariz utilitário que é inerente à mentalidade moderna e profana em geral, e também porque, no estado actual de decadência intelectual, se chegou a perder completamente de vista a própria noção de verdade, de tal modo que a de utilidade ou de comodidade acabou por substitui-la totalmente. 

                   Seja como for, logo que se convencionou que a «realidade» consiste exclusivamente naquilo que cai no domínio dos sentidos, é natural que o valor que se atribua a uma coisa qualquer tenha, como medida, de certo modo, a sua capacidade de produzir efeitos de ordem sensível; ora, é evidente que a «ciência» considerada à maneira moderna, como essencialmente solidária da indústria, se não mesmo confundida mais ou menos completamente com esta, deve ocupar o primeiro lugar, e por isso mesmo encontra-se o mais possível misturada a essa «vida vulgar», da qual se torna mesmo um dos principais factores; em contrapartida, as hipóteses sobre as quais ela pretende fundar-se, por mais gratuitas e mais injustificadas que possam ser, beneficiarão também dessa situação privilegiada aos olhos do vulgo.

                    É claro que, na realidade, as aplicações práticas não dependem em nada da verdade destas hipóteses, e podemos, aliás, perguntar-nos o que seria uma tal ciência, tão nula enquanto conhecimento propriamente dito, separada das aplicações a que dá lugar; mas, tal como está, é um facto que esta ciência tem «sucesso» e, para o espírito instintivamente utilitário do «público» moderno, esse «sucesso» torna-se uma espécie de «critério de verdade», se é que se pode falar aqui de verdade seja em que aspecto for.

                    Quer se trate de qualquer ponto de vista, filosófico, científico, ou simplesmente «prático», é evidente que tudo isto, no fundo, representa outros tantos aspectos diversos de uma só e mesma tendência, e também que essa tendência, como todas as que igualmente são constitutivas do espírito moderno, não pode certamente desenvolver-se espontaneamente; já tivemos bastantes vezes oportunidade de nos explicar sobre este último ponto, mas isto são coisas sobre as quais não é demais insistir; e teremos ainda que voltar a este assunto, quando falarmos do lugar que ocupa o materialismo no conjunto do «plano» segundo o qual se efectua o desvio  moderno. 

                   Claro que os próprios materialistas são, mais do que ninguém, incapazes de se darem conta destas coisas e até de conceberem a possibilidade da sua existência, de tal modo estão cegos pelas suas idéias pré-concebidas, que lhes fecham todas as saídas fora do domínio estreito em que estão habituados a mover-se; e sem dúvida que ficariam espantados se soubessem que existiram e que existem homens para quem aquilo que eles chamam «vida vulgar» é a coisa mais extraordinária que se possa imaginar, já que ela não corresponde a nada daquilo que se produz realmente na sua existência.  
   
                    É, no entanto, assim, e o que é mais, são estes homens que devem ser olhados como verdadeiramente «normais», enquanto que os materialistas com todo o seu «bom senso» tão gabado e todo o «progresso» do qual se consideram orgulhosamente os produtos mais acabados e os representantes mais «avançados», não são, no fundo, mais do que seres nos quais certas faculdades estão atrofiadas, ao ponto de terem sido completamente abolidas. 

                  É, aliás, só sob esta condição que o mundo sensível pode aparecer-lhes como um sistema «fechado», no interior do qual se sentem em perfeita segurança; resta-nos ver como esta ilusão pode, em certo sentido e em certa medida, ser «realizada», pelo próprio materialismo; mas veremos também mais adiante, como, apesar disso, não representa mais do que um estado de equilíbrio eminentemente instável, e, de que maneira, no ponto em que as coisas estão actualmente, esta segurança da "vida vulgar», na qual se baseou até agora toda a organização exterior do mundo moderno, se arrisca fortemente a ser perturbada por «interferências» inesperadas.


                                                                                             * * * * *

Nota :

(1) Poder-se-ia dizer ainda que é mais um «fruto» do que um «germe»; o facto de o fruto conter em si novos germes indica que a conseqüência pode, por sua vez, ter o papel de causa a outro nível, conforme o carácter cíclico da manifestação; mas para isso ainda é preciso que ela passe, de certo modo, do «aparente» ao «escondido».

Por Romar Rudolfo Beling - romarbeling@yahoo.com.br


Do Crato para o mundo

M
A vida e seus enredos, mágicos enredos. A vida: a surpresa, a alegria e a riqueza de cada novo instante. Por isso cumpre viver. Dia desses, aí no passado do blog, postei um poema do livro A rua do padre inglês, do poeta cearense Everardo Norões, radicado há muitos anos no Recife. A forma como cheguei a esse autor e a esse exemplar se mistura nas brumas de algum acaso: lembro de ter lido uma resenha desse volume em alguma das revistas culturais de banca (e por isso mais ainda prezo e reforço a importância de se frequentar e folhear revistas culturais). Foi na Iluminura, disso lembro. Imediatamente providenciei a encomenda de um exemplar com a equipe da livraria.

Até havia esquecido, na rotina das semanas seguintes, que havia solicitado esse livro. Mas o pessoal da Iluminura agiu a caráter e numa das minhas passagens por lá a Isabel me informou: chegou um dos livros que tu tinhas encomendado. Justamente o A rua do padre inglês, do Everardo Norões, pela 7Letras, autor do qual até então não tinha muitas informações biográficas. Bem, o fato é que abrir o simpático exemplar, num formato situado entre o pocket e o convencional 14x21; ler os primeiros versos e simpatizar instantaneamente com essa poesia foi inevitável.

Assim postei um dos textos aqui no Leituras de Mundo. Qual não foi minha surpresa que dias mais tarde o meu e-mail acusou a chegada de um contato do autor, que constatara ter sido mencionado no blog. Mais do que isso, ali pude saber que Norões estava com viagem programada para breve ao Rio Grande do Sul, a passeio.

Salto temporal. Pois ontem, quinta-feira, pude assim, por conta dessa manifestação de agrado e de empatia pela qualidade de sua poesia, conhecer pessoalmente o Everardo (da foto abaixo), acompanhado da esposa Sonia, em Porto Alegre. Ambos me concederam algumas das horas mais agradáveis de conversa de toda a minha vida. Pessoas vividas e com uma rara formação artística, humana e cultural, são dessas companhias que não nos propiciam, em um diálogo, saltar aenas alguns degraus em nossa caminhada de amadurecimento e de ampliação de nossa capacidade de ver o mundo com mais humanidade. Junto deles, em poucas horas de conversa e de troca cultural, acaba-se parando alguns andares acima nesse prédio do saber, tamanho é o fascínio que exercem.


Bendita a hora em que uma revista, de cujo nome sequer lembro, me mencionou o nome de Everardo. No caminho para encontrar-se com ambos, conforme previamente combinado, folheava ao acaso o exemplar da já indispensável antologia Poetas da América de canto castelhano, organizada e traduzida, reunindo um timaço de 120 poetas, pelo querido poeta amazonense Thiago de Mello para a editora Global. Qual não é o meu pasmo quando, na relação dos agradecimentos feitos por Thiago a colaboradores dessa sua empreitada, lá estava mencionado Everardo, pontualmente reconhecido pelo colega amazonense como um grande expoente da poesia brasileira. Eu já não precisava acrescentar mais nada para saber que estava diante de um raro homem de letras.

Nascido no Crato, bem no sul do Ceará, exatamente na divisa com Pernambuco, ainda jovem Everardo transferiu-se para Recife, onde encaminhou seus estudos e cumpriu a sua vida profissional, como economista, poeta, tradutor e crítico literário. Ali, como fiquei sabendo, conversa regularmente com outros nomes referenciais das artes e da literatura do Nordeste, dentre eles dois autores que, sem que os conheça igualmente, têm a minha predileção de leitor: o também poeta cearense Magela Collares, conterrâneo de Estado de Everardo e conterrâneo de cidade do Luciano Maia, ambos nascidos que são em Limoeiro do Norte; e o romancista cearense (este da já famosa Saboeiro) Ronaldo Correia de Brito, autor de Galileia, pelo qual ganhou o polpudo Prêmio São Paulo de Literatura de autor consolidado no mesmo ano em que o gaúcho Altair Martins, por seu A parede no escuro, mereceu o prêmio de autor estreante.

Em relação a Everardo, durante a ditadura ele acabou seguindo para o exílio, quando então viveu na França, na Argélia e em Moçambique. Poeta e tradutor, dedica-se a versar ao português autores latinoamericanos, caso da antologia El rio hablador/O rio que fala: antologia da poesia peruana, disponível pela 7Letras, em parceria com Pedro Americo de Farias. Na reta final de 2011 acabou de ser anunciado como vencedor do Prêmio Literário Cidade de Manaus, pelo livro O fabricante de histórias. Em 2010, lançara o volume Poeiras na réstia, e sua bibliografia compreende ainda, dentre outros, Retábulo de Jerônimo Bosch (2008), Nas entrelinhas do mundo (2002), com artigos, em parceria com Abelardo Baltar; e Poemas (1999). É, ainda, e cumpre mencionar com admiração, organizador da edição de Poesia completa e prosa de Joaquim Cardozo, pela Nova Aguilar (em coedição com a Massangana/Fundaj), poeta que, ao lado de João Cabral de Melo Neto, é, na apreciação de Everardo, um dos maiores da poesia nacional.

Eis, assim, mais uma dessas gratas dádivas da melhor literatura do Nordeste ao conjunto da literatura brasileira. É por nomes da grandeza de arte e cultura de Everardo Norões que o Brasil deve se dizer a cada dia mais rico.

   Romar Rudolfo Beling - romarbeling@yahoo.com.br



* "Você já escutou Agustin Lara?"


Já leu Everardo Norões?

O Fabricante de Histórias, entre outros do autor, é fascinante!

Jornal do Commercio - PE

Escrita

Necessidade de escutar

Da Redação

"Você já escutou Agustín Lara?". A pergunta, ainda que só feita no último textos do livro de contos O fabricante de histórias, de Everardo Norões (Edições Muiraquitã), parece latejar na mente do leitor desde a primeira linha da obra. Não só porque parece marcar a urgência de se ouvir o compositor mexicano ou mesmo a necessidade de ao menos escutar alguma coisa, mas sim porque parece grifar o fato de que nunca nos colocarmos a ouvir direito, propriamente. "Deus seria surdo?", provoca o texto.

O fabricante de histórias, vencedor do Prêmio Arthur Engrácio, de Manaus, tem momentos potentes como esse. O trato referencial - nem sempre fácil - é uma chave fundamental dessas narrativas de Everardo, sempre incutidas de citações a outros escritores, pensamentos estéticos e artistas. É como se na própria escolha por trazer a literatura para o protagonismo das histórias (e da vida) houvesse uma escolha intimamente política, uma vontade de mostrar a leitura (de certos autores, claro) como uma prática que tem consequência na vivência social. "Sabe que cada palavra habita um ser. E cada nome é prognóstico de um fado", diz um dos contos, como que propondo uma ética da linguagem.

Contos sem pressa

Depois de um 2012 marcado pelo lançamento de Estive lá fora, sua experiência mais rápida de escrita ("Não creio que exista um tempo definido para se escrever um bom livro", afirma), Ronaldo Correia de Brito começa a preparar, sem pressa, um livro de contos. "Preciso de silêncio, de ler e pensar muito", revela o autor.

Ronaldo em turnê

Em março, o escritor passa por quatro cidades alemãs (Berlim, Leipzig, Frankfurt, Munique), em uma prévia para a Feira de Frankfurt de 2013, com homenagem ao Brasil.

Traduções

Na Alemanha, sairão traduções de seus contos em coletâneas durante o ano. Ronaldo ainda escreveu uma narrativa especialmente para uma antologia.

Na França

Em maio, Ronaldo ainda participa do Festival em Deauville, quando lança a tradução francesa de Faca. A versão musicada do livro, feita por Márcio Meireles, também será apresentada.

Retratos femininos

Saiu pela Carpem Diem Mulheres encantadas, do artista Luiz Jasmin. No livro, ele fala de sua relação com figuras como Maria Bethânia, Nélida Piñon, Maysa, Barbara Heliodora e Clara Nunes.

O centenário

do mestre

das crônicas

Rubem Braga é tema da mesa Assim canta o sabiá no Instituto Moreira Salles, no Rio, esta sexta, com Ana Maria Machado.

Record terá

novas obras de

Rubem Braga

Saem em 2013 Retratos parisienses e o infantil O menino e o Tuim, além da reedição de Na cobertura de Rubem Braga, de José Castello.

Mamulengo

A atriz, bonequeira e dramaturga Carla Denise lança no Janeiro de Grandes Espetáculos o livro Babau. O evento acontece no dia 27, às 17h30, no Teatro Hermilo.

Mamulengo 2

Carla é integrante do grupo Mão Molenga Teatro de Bonecos, grupo com 27 anos de trajetória. O prefácio do livro é assinado por Ronaldo Correia de Brito.

Lançamento no JGE

Livro aborda a antropologia teatral

Apontado como um clássico da teoria teatral internacional, o livro A arte secreta do ator: Um dicionário de antropologia teatral, escrito por Eugenio Barba e Nicola Savarese, vai ganhar lançamento dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. No dia 15, Patricia Furtado de Mendonça, tradutora dos textos, faz uma palestra sobre a obra.