por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Uma notícia da Alemanha choca minhas Tias High-Tech - José do Vale Pinheiro Feitosa


- Vaqueirinho! Ô Vaqueirinho! Vaqueirinho!

- Ninhora! – uma voz respondeu por trás da cerca do curral da frente.

- Vem cá!

- Já vou!. – Vaqueirinho atendeu ao chamado de tia Mundinha imediatamente e se dirigiu para a varanda em que ela se encontrava.

- Pronto. Tô aqui.

- Tudo bem meu filho?

- Tudo nos conforme dona Mundinha.

- Meu filho, me diga uma coisa, porque toda tarde tu leva a cabrita malhada lá para outro lado do curral?

Vaqueirinho, da cor parda, virou palha seca. Os sinais de sangue sumiram como cachorro escorraçado. Parecia que os piolhos se assanharam na cachola do rapaz. A coceira era tanta que se ouvia o raspar das unhas. Olhou em redor para encontrar algum fenômeno extraordinário que o retirasse daquele constrangimento. Mas o sertão é assim mesmo para quem vive nele: tudo se move no ordinário, nem a seca é surpresa.

Tia Mundinha olhava para o rapaz naquela situação de canto de cerca e os ângulos da boca dela mostravam sinais contraditórios: eram severos e risonhos ao mesmo tempo. A rigor não precisaria de mais nenhuma palavra de Vaqueirinho o que ela queria saber estava escrito na face pasma do rapaz. Por isso mesmo tratou de encomendar alguma coisa ao rapaz a título de liberá-lo daquela prisão de ventre emocional.

Em seguida foi ao encontro das outras tias: Rosinha e Maria sentavam-se na varanda tirando a casca e chupando pitombas mais doces iguais a nenhuma da redondeza. Um balaio cheio de cachos de pitombas ainda com pedaços de galhos e suas folhas era a visão da fartura do paraíso.

Assim que Mundinha aproximou-se as duas abriram os olhos uma vez que tinham observado à distância a coceira intensa na cabeça de Vaqueirinho, enquanto palatavam o doce da pitomba e dela extraia a pequena popa que tem o dom da abundância tal é o poder do sabor. Maria perguntou: o que Vaqueirinho fez de besteira?

- Menina eu estava navegando na internet e abri um site com uma notícia impressionante.

- E do que se trata mulher? Para que tanto espanto?

- De um assunto que aqui por nossos ermos, brutos e matutos até pode ser que exista. Mas o assunto é na pérola da civilização.

- É mesmo? – Tia Rosinha até parou de debulhar as pitombas do cacho que tinha no colo.

- E onde é este lugar? – Tia Maria perguntou.

- Na Alemanha. Na fina flor da civilização. O assunto está legalizado por lá.

- Mais menina que coisa mais horrível. Legalizado desde quando? – Tia Maria queria saber detalhes.
- Já tem mais de quarenta anos que o assunto foi aprovado como lei.

- Meu Deus do céu onde este mundo vai parar? – Tia Rosinha cuspindo o caroço de pitomba enquanto falava.

- É o juízo final! – Tia Maria mantinha a censura aos fatos.

E as interjeições continuaram por mais algum momento, até que tia Rosinha se deu conta que havia algo errado: elas tinham os adjetivos, mas faltavam os substantivos. E nesse lapso entendido ela afinal perguntou:

- Mulher o que foi mesmo que tu leu?

- Desde 1969 que na Alemanha foi legalizada a Zoofilia Erótica. Mais de cem mil alemães praticam esta coisa.

Tia Rosinha e tia Maria que vinham das alturas dos escândalos estavam no pântano da dúvida: zoofilia erótica. O que seria isso? E agora como mostrar a ignorância para a irmã que tinha a vantagem de ter lido toda a matéria na internet e já sabia do que se tratava. As duas trocaram tantos olhares até que a vergonha se desmascarou e uma delas com raiva perguntou:

- Mais com seiscentos milhões de demônios o que diacho é Zoofilia Erótica?

Se tivesse com meu Iphone iria fotografar o ar de satisfação professoral de tia Mundinha e ela foi seca como um estampido de bala:

- Sexo com animais. Na Alemanha a lei protege quem faz sexo com animais. Dizem que não maltratam os animais e só fazem o que eles querem. Teve um sujeito que até disse que é mais fácil saber o desejo de um cachorro do que de uma mulher.

Sou obrigado a usar letras neste espaço, mas na verdade deveria ser tão em branco como o clima entre minhas tias após a frase final de tia Mundinha. A cesta de pitomba foi esquecida. As cadeiras ficaram vazias. As três, em silêncio, recolheram-se aos aposentos respectivos com o sentimento de hibernação.  

Sim! Dona Angela Merkel, a papisa da Austeridade financeira, vai embarcar na Austeridade moral: pretende criar um clima para revogar a dita liberdade legalizada. 
                                                         CONSTELAÇÃO POÉTICA
 
Recentemente encontrei essa foto na internet e assim nomeei os poetas (da esquerda para a direita): Carlos Drummond, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mário Quintana e... ? não tenho certeza se é Fernando Sabino ou Paulo Mendes Campos.
 
Selecionei um poema de cada autor, com a temática amorosa. Vejamos:



Mário Quintana

BILHETE
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve
ainda…

 
Carlos Drummond

O SEU SANTO NOME
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.


 

Vinícius de Moraes

SONETO DE FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 

Manuel Bandeira

BELO BELO
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

O PAPEL POLÍTICO DOS CAPACHOS IMPERIAIS - José do Vale Pinheiro Feitosa


Por incrível que pareça não tem muito mais de ano e meio que pelo menos dois blogs do Crato reproduziram o documento de um militar brasileiro, em momento de reforma do serviço ativo, dizendo que O Golpe de 64 foi um ato heroico dos golpistas para livrar o país da anarquia e do comunismo. Os dois blogs bebiam na fonte da atual administração da cidade e publicavam o panfleto por afinidade ideológica com a extrema direita brasileira e muito provavelmente para provocar seus desafetos no campo político.

Ainda hoje anciões do Clube Militar guardam um ódio visceral contra políticas progressistas e sustentam esta energia a partir do borralho ideológico ainda dos anos de ditadura e dos embates das Reformas de Base intensamente mobilizadas pelo povo brasileiro no Governo João Goulart. As Reformas de Base reuniam um conjunto de medidas que abrangiam a reforma bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Incluía-se entre as medidas o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas. O carro chefe era a Reforma Agrária onde se reuniu um dos focos de maior conflito na política interna do país. No entanto foi no campo externo, especialmente em relação aos Estados Unidos da América e outras nações capitalistas dominantes onde a luta foi maior: eram medidas nacionalistas com maior intervenção do Estado na vida econômica, controle do investimento estrangeiro especialmente sobre a remessa de lucros para o exterior, além da nacionalização de empresas estratégicas como dos setores de energia e comunicações.
O que liga personagens relativamente nascidos após o golpe de 64 que pontuavam na política do Crato até agora a essa herança conservadora e extremista? Penso que vestem uma capa envelhecida para esconderem o verdadeiro sentido dos seus corpos ideológicos. Uma capa costurada com retalhos da luta anticomunista, de segmentos reacionários da igreja católica, de uma noção de família e patrimônio há muito ultrapassada pelo próprio desenvolvimento capitalista. Mas o sentido de ser na vida é um esdrúxulo senso de superioridade de classe subalterna ao modelo superior de outros povos, no caso os EUA. Esses personagens do outro lado da margem dos comunistas, repetem a mesma inação ou ação sob comando de outros povos, igual aos comunistas com a União Soviética.

Tomei por exemplo este chorume da história para nos lembrar que o Golpe Militar de 64 era uma fachada ideológica a serviço dos interesses dos Estados Unidos da América. Claro que refletiam o conflito interno, a forte reação de latifundiários e os próprios erros do Governo Goulart, mas jamais teriam a desenvoltura finalista que tiveram se não fosse o financiamento americano do IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) e do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que financiavam armas, textos, campanhas eleitorais e deputados no parlamento. Sem os mecanismos de sabotagem do abastecimento, além de programas de invasão da CIA e outros setores de inteligência americana dentro do Programa Aliança para o Progresso e com o que chamava Voluntários da Paz. Nos idos dos anos 63 a 67 só no bairro da Batateira moravam dois americanos sem papel religioso, vivendo numa casa precária e colhendo informações.   

Porém o mais importante foi o deslocamento de uma frota de navios para dividir o país em cinco partes e assim promover o fatiamento da unidade nacional. Com armas, armadas, infiltração social, financiamento de setores militares, políticos, da mídia,  religiosos e intelectuais, os EUA foram o móvel essencial do golpe. Até mesmo a violência com a tortura e humilhação sofrida por militantes adversários fez parte da política americana que além de ampliar a capacidade de torturar apoiava todas as práticas já em curso nos porões da polícia brasileira, sem contar os horrores já praticados durante a ditadura do Estado Novo.

Os EUA não apenas foram o móvel do Golpe, como auferiram logo em seguida todas as vantagens econômicas advindas dele: remessas de lucros, fim da estabilidade do emprego, arrocho econômico, perseguição dos trabalhadores e a criação de multinacionais que dirigem até hoje a economia nacional. Foi efetivamente um Projeto Imperial que levou o povo brasileiro a um atraso imenso em seu progresso e desenvolvimento, atingindo todos os campos: a posse da terra, a urbanização justa, a educação, a saúde pública, a infraestrutura produtiva e, principalmente, a autonomia para um projeto de desenvolvimento nacional.

Isso tudo não pode ser mais objeto das dúvidas daquele militar de pijama do início do texto: isso é um farto material pesquisado e para ser ainda mais aprofundado do papel dos EUA no Golpe Militar de 64. Não é questão de crença ideológica, é a luz dos documentos e registros da época.  

Essa é pra você!