- Vaqueirinho! Ô Vaqueirinho! Vaqueirinho!
- Ninhora! – uma voz respondeu por trás da cerca do curral
da frente.
- Vem cá!
- Já vou!. – Vaqueirinho atendeu ao chamado de tia Mundinha
imediatamente e se dirigiu para a varanda em que ela se encontrava.
- Pronto. Tô aqui.
- Tudo bem meu filho?
- Tudo nos conforme dona Mundinha.
- Meu filho, me diga uma coisa, porque toda tarde tu leva a
cabrita malhada lá para outro lado do curral?
Vaqueirinho, da cor parda, virou palha seca. Os sinais de
sangue sumiram como cachorro escorraçado. Parecia que os piolhos se assanharam
na cachola do rapaz. A coceira era tanta que se ouvia o raspar das unhas. Olhou
em redor para encontrar algum fenômeno extraordinário que o retirasse daquele
constrangimento. Mas o sertão é assim mesmo para quem vive nele: tudo se move
no ordinário, nem a seca é surpresa.
Tia Mundinha olhava para o rapaz naquela situação de canto
de cerca e os ângulos da boca dela mostravam sinais contraditórios: eram
severos e risonhos ao mesmo tempo. A rigor não precisaria de mais nenhuma
palavra de Vaqueirinho o que ela queria saber estava escrito na face pasma do
rapaz. Por isso mesmo tratou de encomendar alguma coisa ao rapaz a título de
liberá-lo daquela prisão de ventre emocional.
Em seguida foi ao encontro das outras tias: Rosinha e Maria
sentavam-se na varanda tirando a casca e chupando pitombas mais doces iguais a
nenhuma da redondeza. Um balaio cheio de cachos de pitombas ainda com pedaços
de galhos e suas folhas era a visão da fartura do paraíso.
Assim que Mundinha aproximou-se as duas abriram os olhos uma
vez que tinham observado à distância a coceira intensa na cabeça de Vaqueirinho,
enquanto palatavam o doce da pitomba e dela extraia a pequena popa que tem o
dom da abundância tal é o poder do sabor. Maria perguntou: o que Vaqueirinho
fez de besteira?
- Menina eu estava navegando na internet e abri um site com
uma notícia impressionante.
- E do que se trata mulher? Para que tanto espanto?
- De um assunto que aqui por nossos ermos, brutos e matutos
até pode ser que exista. Mas o assunto é na pérola da civilização.
- É mesmo? – Tia Rosinha até parou de debulhar as pitombas
do cacho que tinha no colo.
- E onde é este lugar? – Tia Maria perguntou.
- Na Alemanha. Na fina flor da civilização. O assunto está
legalizado por lá.
- Mais menina que coisa mais horrível. Legalizado desde
quando? – Tia Maria queria saber detalhes.
- Já tem mais de quarenta anos que o assunto foi aprovado
como lei.
- Meu Deus do céu onde este mundo vai parar? – Tia Rosinha
cuspindo o caroço de pitomba enquanto falava.
- É o juízo final! – Tia Maria mantinha a censura aos fatos.
E as interjeições continuaram por mais algum momento, até
que tia Rosinha se deu conta que havia algo errado: elas tinham os adjetivos,
mas faltavam os substantivos. E nesse lapso entendido ela afinal perguntou:
- Mulher o que foi mesmo que tu leu?
- Desde 1969 que na Alemanha foi legalizada a Zoofilia Erótica.
Mais de cem mil alemães praticam esta coisa.
Tia Rosinha e tia Maria que vinham das alturas dos
escândalos estavam no pântano da dúvida: zoofilia erótica. O que seria isso? E
agora como mostrar a ignorância para a irmã que tinha a vantagem de ter lido
toda a matéria na internet e já sabia do que se tratava. As duas trocaram
tantos olhares até que a vergonha se desmascarou e uma delas com raiva
perguntou:
- Mais com seiscentos milhões de demônios o que diacho é
Zoofilia Erótica?
Se tivesse com meu Iphone iria fotografar o ar de satisfação
professoral de tia Mundinha e ela foi seca como um estampido de bala:
- Sexo com animais. Na Alemanha a lei protege quem faz sexo
com animais. Dizem que não maltratam os animais e só fazem o que eles querem.
Teve um sujeito que até disse que é mais fácil saber o desejo de um cachorro do
que de uma mulher.
Sou obrigado a usar letras neste espaço, mas na verdade
deveria ser tão em branco como o clima entre minhas tias após a frase final de
tia Mundinha. A cesta de pitomba foi esquecida. As cadeiras ficaram vazias. As
três, em silêncio, recolheram-se aos aposentos respectivos com o sentimento de
hibernação.
Sim! Dona Angela Merkel, a papisa da Austeridade financeira,
vai embarcar na Austeridade moral: pretende criar um clima para revogar a dita
liberdade legalizada.