por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SÓ EXISTIREMOS SE TIVERMOS TERRA - José do Vale Pinheiro Feitosa

O parque Nacional Indígena do Xingu foi criado em 1961 pelo Presidente Jânio Quadros. Tem 27 mil quilômetros quadrados, na área de influência dos rios formadores da bacia do Xingu, fica na região norte de Mato Grosso numa zona de transição entre o Planalto Central e a Amazônia. O parque foi o resultado da luta dos irmãos Villas Boas (Orlando e Claudio) que viajavam para a região desde os anos 40. Quem redigiu o projeto foi Darcy Ribeiro, então funcionário do Serviço de Proteção ao Índio. E recebeu o apoio de figuras de uma grandeza humana que são ricas pela narrativa e um espelho para estimular a juventude a ser ousada e humana muito além desse individualismo consumista. Falo do Marechal Rondon e do Noel Nutels.

O Marechal Rondon é herói na acepção da palavra. Um herói da transformação e ocupação humana e econômica do vastíssimo território do oeste brasileiro. Até então o Brasil era tão somente uma tripa litorânea que ia de Belém a Porto Alegre (sei não são bem à beira mar). Existe uma vastíssima literatura sobre Rondon. Noel Nutels, o chamado índio Cor de Rosa (Orígenes Lessa escreveu um livro com este nome evocando Noel.)

Quero dizer que tenho histórias fantásticas do Noel Nutels. Trabalhei num setor do Ministério da Saúde junto com a equipe do Noel. Mas vou apresentar breves traços de sua história: nasceu na Ucrânia, membro de uma família judia que migrou para Recife. Lá ele completa a infância, forma-se em medicina e vai morar em São Paulo e é o médico da primeira expedição Roncador-Xingu em 1943. Enfim: aproveita a expansão do Correio Nacional (serviço da aeronáutica para transporte de postagens) o dirige para as selvas, onde em clareiras era deixado com uma equipe e passava meses cuidando dos índios que eram dizimados por doenças de brancos.  

Terra quando pela primeira vez examinou as fotografias daquela, agora, pequena bola azul,
tão solitária no infinito e o poeta saudoso do seu exílio então atrás das grades de uma prisão

O que restou do povo Juruna (no século XIX eram dois mil) vive em sete aldeias, próximas à Br-80 no baixo Xingu. Em 2001 o que haviam sido se reduzira a 241 pessoas mas isso já era uma recuperação demográfica (no final da década de 60 eles eram 50 membros, a maioria jovens). A língua deles pertence ao tronco tupi e existe uma denominação que a chama de yudjá (significa dono do rio) mas é dada por outros povos. A palavra juruna é um termo nheengatu dada ao povo há vários séculos, que se traduz como “boca preta” que era uma tatuagem perene na face. Essa tatuagem foi registrada há 150 anos, mas deixou de ser usada e o povo juruna desconhece que existiu um dia.  

Antes de seguir adiante: o nheengatu foi a segunda língua geral criada no Brasil e era mais amazônica, a outra foi a paulista. Quando os europeus penetraram o interior e foram criando uma economia sedentária, foi-se criando a partir do tupi-guarani uma língua que pelo isolamento em relação à Europa foi tomando corpo e se tornando a língua nacional (como vivos foram duas). O Marquês de Pombal recriando as estruturas coloniais obrigou o ensino do português. Mas era pelas línguas gerais que as diversas etnias se comunicavam.

No anos 70 um índio da etnia Xavante se denominando Mário Juruna, assim como o menino que disse que o rei estava nu, expôs as ditadura e seus líderes. E foi de uma simplicidade fantástica. Com um gravador. Dos primeiros gravadores portáteis e à pilha. Juruna desmentiu todas as falsidades dos membros do governo apenas usando como instrumento o gravador.

Ele ia a Brasília para reivindicar coisas para o seu povo. Chegava ao gabinete e gravava a conversa com a autoridade. Então falava com os repórteres sobre o que haviam prometido e dito. Resultado o gravador do Juruna passou a ser o desmascaramento da mentira oficial.  Os jornalista para provocarem, perguntavam a razão do gravador e ele respondia: “Para registrar tudo o que o homem branco diz.” A repercussão foi tal que o jornal O Pasquim chegou a entrevista-lo. E foi uma boa entrevista ele era muito inteligente, com respostas rápidas e de muito bom humor.
Um Índio - música de Caetano Veloso aqui cantada por Milton Nascimento

Em próximas postagens pretendo falar mais do que ouvi sobre Noel Nutels e relatar um dia inteiro em que passeie com Juruna pelo Rio, com direito a almoço aqui em casa. Mas antes vou deixar mais uma frase do Juruna para adoçar a amargura desses deslumbrados com o Agronegócio.


ANTES DE TUDO, O ÍNDIO PRECISA DE TERRAS. ÍNDIO É O DONO DA TERRA. ENTÃO, O BRANCO DEVE RESPEITAR A TERRA DO ÍNDIO”.