por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 2 de junho de 2013

Tenha misericórdia !



Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)”
Manuel Bandeira

                                               Manuel Bandeira, na sua “Evocação ao Recife”, já demonstrara toda sua preocupação com o crescente risco de perda do patrimônio poético das cidades. Aos poucos , as ruas e logradouros vão sendo dilapidados pela substituição inconseqüente e burocrática do seus nomes , por meros critérios políticos. Onde estão hoje, aqui em Crato, as ruas da Saudade, das Laranjeiras, das Flores, a Formosa, a do Fogo, da Pedra Lavrada e a Rua Grande ?  Seguindo a  premonição do nosso poeta pernambucano, foram amputadas dos seus dulcíssimos nomes , batizados um dia pela doce língua do povo , sapecando-se-lhes epítetos sem nenhuma relação causal com a história da cidade como:  João Pessoa e Senador Pompeu. A homenagem, que em geral, tem a intenção de perpetuar a memória dessas figuras , funciona ao contrário, quase como uma íntima vingança do povo ao acinte : tornam-se nomes apenas, ninguém sabe quem foram e que importância política um dia tiveram. Como todas as coisas na face da terra caminham, inexoravelmente, para o esquecimento amplo, total e irrestrito.
                                               Muitas vezes, no entanto , a revolta ao acinte é mais pronta e violenta. Meses atrás, um bêbado, no Seminário, cheio das meropéias e , consequentemente, das razões, começou a gritar, no meio da rua, contra aquilo que lhe parecia um abuso: a substituição do nome da Rua da Misericórdia pelo  de Diógenes Frazão.  
                                               --- Mas era só o que tava faltando,  mesmo ! Meu pai nasceu aqui nessa rua que sempre foi da Misericórdia. Minha mãe casada veio morar na rua da Misericórdia ! Eu e todos meus irmãos nascemos na Rua da Misericórdia! Quem diabos foi esse corno do Diógenes Frazão ? Quem conheceu esse filho da puta por aqui ?  Diógenes Frazão é uma porra ! Diógenes Frazão é a puta que pariu !
                                               Como sempre, nosso pau-d´água ligou a matraca e não parava mais de falar e nem conseguia mudar o assunto. Mudavam apenas os palavrões contra o pobre do Diógenes Frazão que não tinha nenhuma culpa pelo ato da Câmara Municipal. Havia sido Major da Guarda Nacional e fora proprietário da  aprazível Bebida Nova que, graças a Deus, ao menos até ali não tinha perdido o seu bonito nome original. A cantilena seguiu rua abaixo e ele, cheio do quequéu , nem percebeu a aproximação de uma viatura do Ronda do Quarteirão. Ouvindo tamanha balbúrdia, desceram do carro e abordaram o desordeiro. Ele resolveu recolher os impropérios dirigidos a Diógenes, dirigindo-os , agora, diretamente para os soldados e o pau comeu no centro. Apesar do nome da rua, os samangos não tiveram misericórdia. Deram uns conselhos de cassetetes e o levaram em cana. Soltaram-no no outro dia, numa ressaca dupla : a da peia e a da cana.
                                               Consta que nosso bebinho voltou manso, ainda com a cara inchada dos conselhos . Tardizinha resolveu ir --- santo, santo --- para a novena de São José. Assistiu a toda  missa concentradíssimo, como se estivesse na Capela Sistina. Na hora da “Salve Rainha” , orou com toda convicção :
                               -- “ Salve Rainha...”
                               No próximo verso, no entanto, demonstrou , claramente, como tinham sido importantes os ensinamentos aplicados pelo Ronda:
                               --“ Mãe de... Mãe de ...”
                               Lembrando ainda claramente do peso dos cassetetes, mostrou-se atualizado e, ao invés de “Mãe de Misericórdia”, corrigiu prontamente :
                               -- Mãe de Diógenes Frazão... 

J. Flávio Vieira

"Vergonha" - José Nilton Mariano Saraiva

Por paradoxal, os próprios integrantes da cúpula de Poder Judiciário estimulam os mortais comuns a – ao raiar de cada dia - desconfiarem que, ao contrário do que ditam os manuais e a nossa Carta Maior, a Justiça não é igual para todos (passa longe disso); que existe, sim, de maneira sorrateira e disfarçada, entre quatro paredes, tratamento diferenciado e privilegiado para aquele segmento social incrustado no topo da pirâmide social: os detentores do vil metal.
Tanto é que, agora mesmo, após quatro meses, tempo julgado (por eles) suficiente para que a poeira baixasse e os ânimos serenassem, os integrantes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiram (a troco mesmo de quê ???) libertar os responsáveis pela morte dos 242 jovens que sucumbiram tragicamente envenenados numa boite da cidade de Santa Maria/RS, sob o estapafúrdio argumento de que não representam nenhum perigo para a sociedade.
É inconcebível que se ignore o sofrimento e a dor de tantas famílias vitimadas pela insensibilidade de uma meia dúzia de inescrupulosos empresários, ávidos pelo lucro a qualquer preço; é inaceitável que alguém que assume a responsabilidade de matar (sim, ao usar material inadequado, porquanto altamente tóxico), seja posto em liberdade de uma hora para outra, como se nada houvesse acontecido.
Estamos falando da morte de 242 jovens; estamos falando do sofrimento atroz de 242 famílias; estamos falando de sonhos alimentados durante anos e abruptamente interrompidos; estamos falando, enfim, de seres humanos. 

Daí, uma única palavra para definir isso tudo: “vergonha”. “Vergonha” de um Judiciário corrupto e imoral, capaz de proteger assassinos confessos.