por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 12 de março de 2011

DO LIVRO: DE REPENTE UM REPENTE (Geraldo Amâncio e Wanderley Pereira)



1
Velho cantando com moço
Dá muito pouco prazer
Que tudo que o velho faz
O moço que desfazer
O velho porque já foi
O moço porque quer ser

 Antonio Maracajá

2
O grilo vive cantando
Sem futuro e sem progresso
Não sofre dor de garganta
Dá show e não cobra ingresso
Tá certo, canta de graça
Mas também não faz sucesso

3
A barata tem excesso
No mau cheiro e na feiura
Nas pernas não tem gordura
Nunca plantou um pé de cana
E é doida por rapadura


Luizinho de Irauçuba (cantador de viola)

4

Conta a história em Lisboa
Que Pedro Alvares Cabral
Gritou para os marinheiros
Ao ver o Monte Pascal:
-"Agora nos temos um canto
Pra roubar, pessoal!"



Síntese - Colaboração de Luís Eduardo

Mensagem de Saul
por John Smallman
em 09 de março de 2011




Esperar é difícil para humanidade, e muitos de vocês têm vidas muito atarefadas, em que vocês vivem estressadamente correndo para todos os lugares e temem chegar atrasados.

Realmente parece que vocês não têm tempo suficiente para se dar ao “luxo de esperar”; de fato, esperar é uma penitência, um sacrifício, um desperdício de tempo que vocês acreditam ser inaceitável.

Mas se fossem verdadeiramente sinceros com vocês, muitas de suas atividades com que vocês se ocupam não têm, no fim, um grande resultado.

Na realidade, normalmente, as coisas que vocês fazem precisam ser refeitas, porque ocorreram erros ou porque informações novas que surgiram exigem que sejam refeitas.

Vocês frequentemente descobrem que se tivessem esperado antes de falar ou agir vocês teriam economizado tempo e esforço.

E ainda assim a sua necessidade de estar fazendo — um senso constante de urgência — parece reger suas vidas.

É por isso que vocês realmente precisam tirar um tempo para meditar, relaxar, e se desprender.

Se vocês não tiram um tempo, todos os seus relacionamentos se tornam cada vez mais estressantes, tendendo para disfunção, e assim vocês tentam aliviar o estresse indo regularmente a uma academia, malhando, ou correndo, e estas atividades extras ocupam ainda mais tempo de suas vidas super atarefadas.

Eventualmente algo acontece em suas vidas - acidente de carro, doença séria, perda do emprego, falência, divórcio – e vocês se encontram forçados a encontrar tempo para lidar com estas questões, aumentando mais ainda a tensão em vocês.

Estas questões não são acidentais.

Estas questões surgem para chamar sua atenção.

A intenção delas é desacelerá-los de forma que vocês possam avaliar e dar um tempo para si, sendo amáveis e gentis com vocês – perdoando-se – ao invés de se esforçarem cada vez mais para obter resultados que simplesmente parecem estar se distanciando.

O estresse da vida na ilusão se torna exaustivo, mas como acontece com todos, parece normal, e vocês não aceitam por ser considerado como um sinal de fraqueza, e na cultura estressante, da qual vocês são membros, isto é inaceitável.

Assim vocês vão se esforçando até que algo acontece, e intensifica ainda mais o estresse.

Aparentemente não há escapatória e nem parada na sua "esteira" pessoal até que ela para, e as recompensas que vocês buscam não proporcionam uma satisfação duradoura.

Isto não é jeito de viver.

Porém, vocês tentam se convencer que se vocês tentarem mais uma vez e puserem um pouco mais de esforço, vocês chegarão a um ponto em que vocês poderão começar a levar as coisas mais calmamente.

E mesmo pensando assim, vocês sabem que estão se iludindo; a experiência os ensinou que isso nunca acontece.

É por isso que fico lembrando vocês para se darem um tempo.

Eu quero estimulá-los a meditar, relaxar, ser amáveis consigo, porque esse é o único jeito de se afastar do intenso estresse da vida diária e ver, mesmo que só por momento, a insanidade disso.

Esse breve momento de consciência é suficiente para permitir que vocês comecem a mudar as crenças tão firmemente mantidas e as opiniões que lhes são dirigidas; e então vocês comecem a se ver de uma nova perspectiva — com as necessidades pessoais válidas que merecem ser conhecidas e honradas.

Quando vocês começarem a se honrar, vocês perceberão que outros também deveriam ser honrados, e assim suas atitudes e comportamentos mudarão, e vocês começarão a honrar os outros também.

Para honrar os outros primeiro vocês têm que honrar a si mesmos; não pode acontecer de outro modo, porque até vocês começarem a se honrar, vocês continuarão a não ter consciência da necessidade de honrar alguém.

Agora a centelha divina dentro de vocês se intensificará e se tornará uma chama.

O amor que ela gera irá encher todo o seu ser, trazendo-lhes um senso abençoado de paz e um conhecimento intuitivo de que vocês estão onde é suposto que vocês estejam.

Com essa paz virá aceitação — aceitação de cada momento como ele acontece — o julgamento definhará para ser substituído pela compaixão por todos e o perdão daqueles que parecem tê-los ofendido.

Então uma profunda compreensão interior virá em seguida, mostrando-lhes que vocês estão no seu caminho para a consciência de sua unidade inseparável com seu Criador divino cujo Amor por vocês é ilimitado.

Com muito amor, Saul.



fonte: http://johnsmallman.wordpress.com/
Tradução: SINTESE
http://blogsintese.blogspot.com/

POEMA DO NICODEMOS




C´est ma vie - Aos Bailes da AABB do Crato- Por José do Vale Feitosa







2 de junho de 2008


Segue um riacho tributário das grandes paixões de amor que inundaram o professor Bernardo Melgaço e não menos a Socorro Moreira que transpõe todo o Crato em sua devoção. Aliás, tudo faz sentido: afinal não se tem saudade de um seixo apenas, é de toda a pedreira que se fala, do lajedo, seus mandacarus e a pluma do xique xique..


E eu?
Da fala beiradeira,
tosca na origem, coruscante expressão.
Mesmo que no filme fosse o artista,
que ainda mais falante,
jamais disse: C´est ma vie.

Do alto em que o baile ecoava-se,
através da caixa acústica do céu estrelado do Crato.
Muito além da França,
sendo franco,
até do horizonte,
lá meu sonho nasce: C´est ma vie.

Embaixo do telhado,
no salão de luzes esmaecidas,
toda a repercussão dos sons universais,
cantante, sussurrante,
ao teu ouvido poder dizer,
pois não sou francês: C´est ma vie.

O ritmo ligeiro
de uma cavalaria napoleônica,
todos os terrenos rodopiando.
Eu cantava,
sem que na tua pupila brilhasse
a dúvida desta ousadia imprecisa: C´est ma vie.

De um sopro morno ao teu ouvido,
meu coração se esfumaçava,
Hugo tocando Adamo.
Luzes pontuais
como fora pirilampos na noite escura,
acendiam em teu ouvido: C´est ma vie.

Por entre os outros
casais esquecidos,
como numa noite,
entre as árvores de uma floresta,
o salão rodando,
teu perfume bailando
grades de uma prisão aberta ao infinito: C´est ma vie.

Rápido!
Qual um pensamento ligeiro,
ainda menos que a letra “a”
ou o numeral 1.
De Chanson en Chanson,
estava tua orelha cada vez mais
ao sabor dos meus lábios.

Minhas narinas
lançavam o fogo dos dragões
sobre teu corpo ao meu peito,
cor em brasa,
e para aplacar tamanha ebulição,
suspirava: C´est ma vie.
C´est pas l´enfer.

E girava o mundo
à nossa volta,
como uma ola descomunal
de paixões transcontinentais.
Dali jamais sairia,
mas te levaria a uma ilha deserta,
C´est ma vie.
C´est pas l ´paradis.

Notre histoire a commencé .

Lá fora o universo era universal,
a cana canavial,
o jovem era amoral.
Mas que importa é o visgo
da tua cintura em meus braços
e eu até dizer: C´est ma vie.

Mas como queria ter dito,
mesmo,
ainda hoje, dizer.
C´est ma vie.

Como disse Alain Delon,
ao lado de Dalida em paroles, paroles:
C'est étrange,
je n'sais pás ce qui m'arrive ce soir,
je te regarde comme pour la première fois.

E antes que a orquestra parasse,
ainda dizer:

Mon Amour.


Pelas águas da morte suplico meu pai Abrahão - por José do Vale Pinheiro Feitosa


Meu pai Abrahão! Tenho todos os vícios que a fé sofreu nas lutas genocidas contra o povo judeu. Até o chamo de pai, patriarca do meu povo. Acomodo-me, temo o meu fim, acho que um pedaço de terra é maior que a fé em Deus. Não me vejo como um comum filho de tua estirpe, mas como uma vítima raivosa de ódios ancestrais. Vejo meu amanhã como a Revolta de Bar Kokhba, todo o chão em que pisam os israelenses sendo arrasado pelas forças do império romano. Estou com o Deus de Israel como o ar para os meus pulmões.

Mas hoje meu pai, acordei de um sono imenso. De um sonho que outro pesadelo engendrara, fortalecera e apenas fez crescer com o tempo. Teus filhos, os filhos de Israel, desceram sobre barcos com ajuda humanitária e os seqüestrou na plenitude das águas internacionais. Fizeram mortos, geraram contra nós o mesmo ódio que tínhamos com a tortura, a morte e o genocídio do nosso povo.

E o premier de Israel, o seu ministro da Defesa, como o Rabi Akiva deu a este ato o caráter de Mashiach. Abriu as portas de Israel para a destruição de sua fé, sua longa espera, de sua resistência em Massada, seu último suspiro em Betar. Temo, meu pai, que neste dia tudo se justificará contra teu próprio povo, conduzido ao suicídio por judeus que se tornaram apenas farsa dos teus símbolos.


Amanhã quando aquele filme de Polanski, chamado O Pianista, mostrar a brutalidade animal de soldados alemães apenas apontando pistolas para a cabeça de indefesos judeus, não há como se indignar. Israel fez igual. Quando a Lista de Schindler vier à tona, outro filho de Israel o filmará e a brutalidade amanhece e dorme na nossa própria tribo.


Tudo que fizemos com sacrifício de nossa própria memória do sofrimento do Nazifascismo para que a humanidade aprendesse o bom caminho, políticos de Israel em poucas horas desfaz. A ironia não é que os inimigos de Israel destruam Israel, mas que o povo de Israel se desapega ao próprio solo milenar.


Nossas almas estão dentro da bruma de arrivistas da própria riqueza material. Vieram da Europa oriental ao final dos regimes socialistas e hoje fazem de Israel o mercado do seu rápido progresso pessoal. São aqueles judeus viciados nas artimanhas do mundo ariano e abandonando o valor semítico, desejam um retorno atabalhoado às terras da Europa e de seu mais fiel descendente: os Estados Unidos da América.

Já não vêm mais a Israel. Lá vivem e tornaram teu solo apenas num parque temático para uma religiosidade de apenas visitação. São por eles e pela defesa deles, com seus lobbies guerreiros que Israel mais uma vez pede a morte. Agora a morte desgraçada com o sangue dos nossos primos bíblicos.

NOITES INESQUECÍVEIS-Por Geraldo Lemos




Tudo começava no Gaubu ou Neném. Todos se conheciam e, aos poucos, o papo surgia, indo da Rua Nelson Alencar, hoje, no linguajar vulgar, “Rua da Saudade”, ao Chico da Cascata, Mestre tira Coco, Zé Felício, Aluísio de Neusa, Cascatinha, Alagoano e Saul. Era o roteiro turístico dos bares e restaurantes mais freqüentados pelos amantes da noite.

Ali eram traçados os roteiros de seresteiros e escolhidas as opções de “um tira ressaca”, à base de caldos com ovos e o famoso pirão do Pau do Guarda.

Lembro-me de um grupo de amigos meus que, as sextas, após tertúlia, na AABB ou Tênis Clube, sorteavam, degustando Rum Montilla e o começava. Dois deles, lá pelas tantas da matina, fizeram o famoso sorteio. Resultado: foram de ônibus a Araripina. No primeiro bar da cidade pernambucana, somaram os trocados. Só dava para duas pingas. Sendo informados pelo garçom, de que não havia tira gosto, um deles tirou um pedaço de limão que estava preso à orelha e o problema foi resolvido. Ele o havia trazido do Gaibu. Certa feita houve uma viagem sorteada para o Maranhão. Era uma rápida visita a familiares. E o caldo da ressaca, no quiosque do canal, frente ao Tabajara? Os trocados, às vezes, só davam para um prato. Um prato e seis colheres. Os primeiros cuspiam nele, mas ninguém tinha nojo. Era tudo gostoso, e sem maldade. Ao passar naquele trecho do Monsenhor Esmeralda, meus ouvidos ainda captam o som do violão de Favela, a voz de veludo de Luis Soares, os agudos de Geraldo Maia e Célio Silva, encantando a todos com o repertorio de Chico Alves. Quantas vezes fiz cotas para a despesa dos músicos! “Venham ver as belezas do Crato”. Era o Correinha que chegava. Músico, poeta, artesão e amigo de todos. Quem viveu aqueles tempos, ainda, sente o coração se abalar, quando caminha por aquela rua. São tempos e pessoas que não voltam mais. São resquícios de um passado que machuca a gente. São como rios que passam, mas deixam marcas no seu leito.

Nas noites de luar, sei que a lua sente falta de seus seresteiros. Ela os ajudava a extravasarem o que lhes enchia o coração, ouvia e sentia as juras de amor, cantadas e decantadas, por Hildegard, Xisto Gadelha, Anchieta Lemos, Orlando Peixoto, Aluízio, Audízio Teles, Vicente Padeiro, Geraldo Maia, Zé Flávio, Tutida, Eliezer Pinheiro, José dos Prazeres, Vicente Ludgério e tantos outros que já se foram para o outro plano, no entanto, eu os recordo, nos acordes do violão de Geraldo de Seu Luis da Livraria.

Isto é apenas um pouquinho do que vi e vivi, nos anos 60. Estas memórias estavam bem guardadas no meu “Baú de Recordações”. Eu as tirei e, tenho certeza, mexe com a mente e o coração de muitos, pois o tempo passa, mas a saudade permanece.

Desculpem- me, é sempre bom, de vez enquanto, voltarmos ao passado, despertando, assim, aquele jovem que está adormecido no berço das lembranças.


GERALDO LEMOS


JUNHO/2010

EU VI E VIVI OS CARNAVAIS DOS ANOS 50 E 60--Por Geraldo Lemos




O tempo passa rápido, mas deixa marcas profundas em nossa mente que, às vezes, sem esperarmos, afloram em nossas recordações.

Hoje, sinto uma saudade daquelas. Saudade de uma época que vivi e, agora vivo: o carnaval dos anos 50 e 60, em nossa cidade.

A ornamentação dos clubes era perfeita. Crato Tênis Clube, Clube Cariri, conhecido, como Clube da Rapadura, AABB, Bar Ideal, Bar Glória, Cairu, Alagoano, Restaurante Guanabara, Chico da Cascata eram os locais favoritos daqueles que procuravam dar vazão às alegrias que os problemas diários lhes roubam.

Zé Maia abria o cortejo momino. À frente, com fantasia de fazer inveja às escolas de samba do Sul, afoxé em ritmo quente, alegrava a todos que lotavam as calçadas do centro da cidade.

Carros, sem as famosas capotas, eram tripulados por Coló, Antônio Luís, Neném, Modesto, Aldemir, Vitorino, Wiron Silva, Felipe, Alcides Peixoto, Delci, Chevalier e muitos outros. Era a nata da nossa sociedade, envolta na alegria carnavalesca. As sacadas do Grande Hotel e seus terraços serviam de camarotes para comerciantes, profissionais liberais e penetras, como eu e minha turma. Tudo era festa. Tudo era alegria espontânea. Nos bares, o cheiro de cloretil impregnava o ar. No entanto, o cuidado com os olhos era grande. Falava-se que, se caísse nos olhos, poderia cegá-los. Confetes e serpentinas davam um colorido especial ao ambiente. Consumia-se cerveja, rum merino, montilla, uísque, gim, cana e cinzano.

A meninada disputava os invólucros das garrafas de cerveja, feitos de palha. Colocava-os, nas pernas.

O eterno REI MOMO, Valdir Silva, reinava nos clubes e desfiles, durante os três dias de carnaval. Sua presença irradiava respeito e admiração.

Nos anos 60 surgiram as Escolas de Samba organizadas, com destaque daquele, em cujas veias corre o sangue carnavalesco, o grande folião Vitorino.

Certa feita, em uma das noites de folia, no Clube Cariri, faltou energia. Escuro profundo. A orquestra, composta por Hildegard, Chiquinho da Bateria, Patápio, José Pinto e outros músicos, silenciou. De repente as luzes foram acesas. Imediatamente, o Cruner, Célio Silva, improvisou a seguinte marchinha:

Acenderam a luz,

Apagaram o lampião.

Quem acendeu

Foi a “Bicha do Bicão”.

Ela não é eletricista,

E nunca teve vocação.

Mas eu garanto,

Quem acendeu a luz

Foi a “Bicha do Bicão”.

Todos conheciam suas peripécias. Foi um sucesso total.

Clube da Rapadura! Hoje, demolido, mas tenho certeza que suas ruínas, ainda, estão impreguinadas do suor das garotas que ali dançavam e do cheiro doce das rapaduras vendidas no seu subsolo.

Este era o reinado de Valdir Silva, tendo ao lado o súdito mais fiel, Zé Maia. Era o Crato sem drogas onde todos se conheciam. A paz, o respeito e o amor andavam de braços dados.

Quem não dançou “Zé Pereira”? Quem não cantou “Mamãe eu quero”, “Tem nego bebo aí”, “Olha a cabeleireira do Zezé”? Quem não marejou os olhos, às primeiras horas da madrugada da quarta-feira, cantando “Tá chegando à hora...”, nos salões do Tênis?

Porém, nem tudo era folia para os cratenses nascidos e criados sob a sombra da cruz. Ninguém se esquecia de tomar cinzas, na Sé Catedral. Era o espírito de religiosidade que sempre existiu nos filhos da Padroeira, N.S. da Penha. Aquela cruz, feita em nossas testas, tínhamos certeza, apagava tudo de errado praticado nos dias de carnaval e, por outro lado, confirmava a nossa fé em Cristo.







GERALDO LEMOS


FEVEREIRO/2011

Monólogo- Novalis



O que se passa com o falar e o escrever é propriamente uma coisa maluca; o verdadeiro diálogo é um mero jogo de palavras. Só é de admirar o ridículo erro: que as pessoas julguem falar em intenção das coisas. Exatamente o específico da linguagem, que ela se aflige apenas consigo mesma, ninguém sabe. Por isso ela é um mistério tão prodigioso e fecundo - de que quando alguém fala apenas por falar pronuncia exatamente as verdades mais esplêndidas, mais originais. Mas se quiser falar de algo determinado, a linguagem caprichosa o faz dizer o que há de mais ridículo e arrevesado. Daí nasce também o ódio que tem tanta gente séria contra a linguagem. Notam sua petulância, mas não notam que o desprezível tagarelar é o lado infinitamente sério da linguagem. Se apenas se pudesse tornar compreensível às pessoas que com a linguagem se dá o mesmo que com as fórmulas matemáticas - Elas constituem um mundo por si - Jogam apenas consigo mesmas, nada exprimem a não ser sua prodigiosa natureza, e justamente por isso são tão expressivas - justamente por isso espelha-se nelas o estranho jogo de proporções das coisas. Somente por sua liberdade são membros da natureza e somente em seus livres movimentos a alma cósmica se exterioriza e faz delas um delicado metro e compêndio das coisas. Assim também com a linguagem - quem tem fino tato para seu dedilhado, sua cadência, seu espírito musical, quem percebe em si mesmo o delicado atuar de sua natureza interna, e move de acordo com ela sua língua ou sua mão, esse será o profeta; em contrapartida, quem sabe bem disso, mas não tem ouvido ou sentido bastante para ela, escreverá verdades como estas, mas será feito de palhaço pela própria linguagem e escarnecido pelos homens, como Cassandra pelos troianos. Se com isso acredito ter indicado com a máxima clareza a essência a função da poesia, sei no entanto que nenhum ser humano é capaz de entendê-lo e disse algo totalmente palerma, porque quis dizê-lo, e assim nenhuma poesia resulta. Mas, e se eu fosse obrigado a falar? e se esse impulso a falar fosse o sinal da instigação da linguagem em mim? e minha vontade só quisesse tudo a que eu fosse obrigado, então isso, no fim, sem meu querer e crer, poderia sim ser poesia e tornar inteligível um mistério da linguagem? e então seria eu um escritor por vocação, pois um escritor é bem, somente, um arrebatado da linguagem? -

Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho.
Novalis. Pólen; Fragmentos; Diálogos; Monólogo.
São Paulo, Iluminuras, 1988, pp. 195-196


CORDEIRO DE CARTOLA

EDMAR CORDEIRO
SE O CARNAVAL PASSOU, QUE A FANTASIA E ALEGRIA PERDUREM!
BATICUM
XICO SÁ
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/03/11

Festa perdeu a beleza da gostosa normal

É CARNAVAL, mas a festa da carne, de onde vem o sacroprofano nome, virou a orgia dos corpos artificiais. Deram um truque na lição de anatomia clássica.
Não se trata de uma queixa moralista, como fizemos, de modo conservador, quando surgiram as primeiras criaturas siliconadas da nova era.
Cada um esculpe a massa corporal à modinha do seu espelho narcisista, não é mesmo? Assim ficamos democraticamente combinados.
O que pega é outro ponto. Como faz falta, durante a farra erótica, aquela imagem das carnes femininas balançando diante das câmeras! A carne das gostosas normais.
Os novos corpos, por mais que as cabrochas sejam exímias dançarinas, não seguem o ritmo do samba. É tudo muito duro, como nos travestis.
Seja o recurso naturalíssimo do músculo trabalhado obsessivamente nas academias de ginástica ou a manjada beleza industrial do silicone, o Carnaval fica nos devendo a fartura da carne mais feminina e, se possível, trêmula.
Roberto Carlos, homenageado neste ano com o samba enredo da escola Beija-Flor, também faz coro a esta nossa queixa. Fã de uma moça renascentista, ele defende, com outras palavras, a nossa causa.
"Gosto de me encostar/ Nesse seu decote quando te abraço/ De ter onde pegar/ Nessa maciez enquanto te amasso", canta o Rei no tributo às moças que fogem ao padrão em voga.
Outro mestre na arte de observar as mulheres, o ilustrador José Luiz Benício, autor dos melhores cartazes da pornochanchada brasileira, entra também nesse coro.
"O que acontece é que hoje em dia as mulheres estão masculinizadas. Elas estão ficando fortes, perdendo aquelas curvas", disse Benício em entrevista ao portal UOL. "Um processo que, a meu ver, está ligado à competição com os homens em todas as áreas."
Mais gostosura dentro da suposta normalidade e menos alta definição plástica. Que ressurja a mulher de carne macia, a mulher-comfort. Enfim, pelo "destravecamento" da fêmea. Assim no Carnaval como no expediente normal da vida.