por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sábado, 8 de novembro de 2014

A rigor a palavra representa disposição, ordem, arranjo, um modo de fazer as coisas funcionarem a favor do povo. Tão diferente destes tecnocratas que vivem oferecendo previsibilidade para que os donos do capital aumentem mais a renda advinda do capital e assim aumente mais ainda o capital. A palavra é economia. E o grande sambista Geraldo Pereira, muito mais sábio que os feitores da escravidão moderna já decantava a economia com esta belíssima música chamada Ministério da Economia. Samba gravado em 1951. Em 1955 na porta do Restaurante Capela, na Lapa, Geraldo Pereira brigou com o famoso Madame Satã e teria levado uma facada, morrendo dias depois num hospital no Rio de Janeiro. 


O restaurante onde Geraldo Pereira brigou com Madame Satã, foi transferido para rua Mem de Sá, também na Lapa, agora com o nome de Nova Capela. Nele serve-se um dos melhores cabritos assados da cidade. E assim nos vem à memória esta música Cabritada Mal Sucedida de Geraldo Pereira.


E foi aí que João Bosco e Aldir Blanc fizeram esta belíssima e bem humorada Siri Recheado e o Cacete. Uma espécie de Cabritada Mal Sucedida. Acompanham as soluções de música e letra que é um prazer ouvir. 

DIFICULDADES PREVISÍVEIS - José Nilton Mariano Saraiva

Primeiro, temos que acabar com essa “conversa mole” de que 3.459.963 votos de maioria é pouca coisa ou um número representativo de uma vitória apertada. Afinal (e levando em conta o último senso), trata-se de um contingente equivalente às populações (individuais) dos estados do Rio Grande do Norte (3.419.550) ou Alagoas (3.327.551), ou mesmo à de todo um país, como o vizinho Uruguai (3.286.314 habitantes); ou ainda, levando em conta o nosso terreiro, algo como 28 vezes toda a população do Crato (homens, mulheres, crianças, idosos, jovens e por ai vai, eleitores ou não).

Pois bem, DERROTADO por Dilma Rousseff por tão “expressiva diferença”, o tucano Aécio Neves, ao retomar suas atividades no Senado da República, mostrou ao Brasil que a não materialização do GOLPE ELEITORAL que em última instância visou beneficiá-lo (e que tinha conhecimento), perpetrado contra a democracia pela revista VEJA-ÓIA, TV-GLOBO e os jornalões sudestinos (quando denúncias sem comprovação foram veiculadas às vésperas da eleição, como se fossem verdade), ainda não foi de todo absorvido.

Tanto é que, ao invés de tentar acalmar os ânimos dos correligionários, lembrando-lhes que passamos por um processo democrático onde o vencedor, segundo a Constituição Federal, é aquele que obtém maioria dos votos (nem que seja só “umzinho”), o “playboy do Leblon”, mostrando imaturidade, arrogância e prepotência, e estimulado pelo clamor de babas-ovos e bajuladores de plantão, no seu primeiro pronunciamento plagiou a candidata (duplamente derrotada) Marina Silva e deitou falação sobre uma tal “vitória na derrota” (dele) e que a presidenta reeleita teria tido, ao contrário, uma “derrota na vitória”, devido à suposta pouca margem de vantagem obtida. E assim, estribado em tal premissa, ousou sugerir que a presidenta de todos os brasileiros deverá se submeter à sua agenda, à agenda raivosa dos que se abrigam debaixo do seu furado guarda-chuva.

Chavões e babaquices de lado, a tentativa de tentar “desqualificar” a vitória da oponente é própria daqueles que usam viseira, que não se preocupam com o “macro”, que priorizam interesses comezinhos, que se apegam às questões “micro”, daí a insistência em não admitir a realidade (que perderam, sim, apesar do “golpe” midiático que resultou frustrado).

No mais (e isso era previsível), há que se reconhecer que o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff será extremamente difícil, em razão do momento complicado que as nações de todo o mundo atravessam (e o Brasil não é uma ilha), do ter que conviver com políticos mafiosos que parecem não se preocupar com o país, bem como em razão da reiterada intenção de atrapalhar manifestada por uma oposição partidária do quanto pior melhor e, pelo andar da carruagem, sequiosa por trilhar a rota da ilegalidade.

Agora, aqui pra nós, tudo tem um limite. Até “palhaçadas” tipo sugerir a volta dos militares (que, disciplinados, parecem conscientes do seu papel na manutenção da ordem e da institucionalidade), ou o desfraldar a bandeira do “impeachment”, na tentativa de impedir que a escolha do povo seja estuprada, sem qualquer fundamentação legal sobre (afinal, a presidenta Dilma Rousseff não cansa de repetir que a apuração da questão envolvendo desvios na Petrobrás será levada às últimas conseqüências, doa a quem doer e nem que a vaca tussa).

Definitivamente, são uns babacas. Mas, perigosos e, pois, merecedores de acompanhamento “full time”, já que herdeiros da filosofia de Carlos Lacerda, que, contrário ao candidato Getúlio Vargas, saiu-se com essa hediondez: “o candidato, não deve ser eleito; eleito, não deve tomar posse; empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

Deveriam saber que os tempos são outros e fanfarronices da espécie não mais vingam. Assim, depois de alguns ajustes necessários Dilma Rousseff será empossada, sim, assumirá, sim, e, apesar da torcida contra de uns poucos sectários e intransigentes, repassará o bastão para Lula da Silva, ao final do seu mandato.     



"Nóis mudemo" (por Fidência Bogo)

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo ao Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo. As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz. -Por que você faltou esses dias todos? -É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda. Risadinhas da turma. -Não se diz “nóis mudemo” menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá? -Tá fessora! No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo! No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações. -Pai, não vô mais pra escola!- Oxente! Módi quê? Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse: - Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da mininada! Logo eles esquece. Não esqueceram. Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapaz tinha partido no dia anterior para casa de um tio, no sul do Pará. -É, professora, meu fio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado. Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer. Engoli em seco e me despedi. O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte. Uma tarde, um povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia. -O que é, moço? -A senhora não se lembra de mim, fessora? Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstitui num momento meus longos anos de sacerdócio, digo de magistério. Tudo escuro. -Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama? Para tantas perguntas, uma resposta lacônica: -Eu sou “Nóis mudemo”, lembra? Comecei a tremer. -Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo o seu nome? -Lúcio –Lúcio Rodrigues Barbosa. -O que aconteceu?
- Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro. Fui boia-fria, um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando conseguir fugi. Peguei tudo quando é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante as veis fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada. Eu não devia tê saído daquele jeito, fessora, mais não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei. -Meu Deus! Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz que me olhava atarantado. O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de si suavemente. -Chora não, fessora! A senhora não tem curpa. Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu! Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina. Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos... Super usada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna, a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade. E os lúcios da vida, os milhares lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: “Não é assim que se diz, menino!” Como se o professor quisesse dizer: “Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se ! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra!”. E siga desarmado para o matadouro da vida.

(transcrito do site do Luis Nassif)


Amanhecendo...




INTERLÚDIO -
"As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
...
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente - claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales.
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado
Fico ao teu lado."
(CECÍLIA MEIRELES)
Tem razão Cecília Meireles (que hoje - 07/2014 - completaria 113 anos), tudo está
muito dito. Gasto. Como uma roupa muito usada. Puída. Rasgada.