por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entala-Gato



    “Como é possível esperar que  a humanidade             ouça                                                conselhos,se nem sequer ouve as advertências.”
Jonathan Swift

                        No último Carnaval, enquanto foliões, no Brasil inteiro, entregavam-se às batalhas de confetes e serpentinas, aconteceu, no Espírito Santo, uma cena emblemática dos anos em que vivemos. A aposentada Judith Kosken ,de setenta e nove anos ,  foi trancada ,pela neta, dentro de sua casa e mantida, em cárcere privado, sem alimentos, até a quarta-feira de cinzas. Vizinhos ouviram os gritos desesperados da velhinha, avisaram à polícia e ela, por fim, foi libertada da prisão domiciliar. A neta saíra com a namorada na sexta-feira para curtir o Carnaval em outra cidade. As agruras de D. Judith não pararam por aí : atendida em um hospital, passou mais dois dias morando no carro da polícia, pois os agentes, simplesmente, não conseguiam encontrar uma instituição que a acolhesse. O fato pode parecer um caso isolado, destes que periodicamente servem para alimentar o noticiário morno dos jornais. Esconde no seu ventre, no entanto, um monstro que vem sendo gestado nas últimas décadas e está pronto a coroar e espalhar brasa Brasil afora.
                   No início do Século XX, apenas 25% da população brasileira tinha mais de 60 anos. Nos primórdios do Século XXI , 65 % dos homens e 78% das mulheres alcançaram este patamar. Em 2009 ,o Brasil, que é um país jovem, tinha a sexta população de idosos do mundo, alguma coisa em torno de 22 milhões de pessoas, ou seja: um em cada 13 brasileiros será idoso em 2020 e ,em 2040,  um terço da população estará nesta faixa etária. A esperança de vida do brasileiro, hoje, beira os 75 anos, em média;  na década de oitenta,  era de 63 anos. Junte-se a este quadro,  uma diminuição abrupta da taxa de fertilidade, que pelo andar da carruagem deverá levar ao decréscimo progressivo da população  a partir de 2062 e perceberemos que o futuro do Brasil é o passado. A grande bomba começa a ficar com o estopim aceso e curto. O país não está minimamente preparado para acolher a crescente população de idosos. Quem haverá de cuidar deles quando vierem as limitações próprias dos anos ? Não temos geriatras suficientes; não dispomos de  cuidadores treinados no volume que a demanda exige; não possuímos instituições que os acolham. O antigo pacto de gerações, em que os pais cuidavam dos filhos e estes dos pais, quebrou-se por inteiro: os filhos são poucos e a modernidade exige demais deles. Nosso Sistema de Saúde também não está capacitado para atender as doenças próprias da maturidade: as demências, as fraturas, os acidentes vasculares cerebrais, o câncer que tende a aumentar nas faixas etárias mais elevadas. Não bastasse isso, vivendo mais a população, o INSS deverá desembolsar as aposentadorias por mais tempo e, por outro lado, nascendo poucos brasileiros,  a previdência arrecada menos e o desequilíbrio da balança é inevitável. Nas gerações passadas,  a família cuidava dos anciãos e os abrigos eram deixados para os indigentes. Hoje, nem mel, nem cabaça !
                   As angústias porque passou D. Judith no Carnaval são freqüentes em todo o Brasil e tenderão a se agravar. Não é muito diferente do que vem acontecendo no resto do mundo, só que nos países desenvolvidos as mudanças foram mais paulatinas e houve mais tempo para   adaptação à nova realidade. Um dado positivo nesta nova cara da população brasileira é que os idosos estão muito mais ativos, organizam-se, viajam, produzem e muitos e muitos são arrimo de família, geralmente com renda média superior aos chefes de família mais jovens. O Brasil precisa, no entanto, enfrentar rapidamente esta nova face mais enrugada que o país vai tomando, sob pena de aprofundarem-se enormemente seus problemas sociais que já não são poucos.
                            O escritor irlandês e  setecentista , Jonathan Swift (1667-1745) escreveu uma sátira em 1729 : “Uma modesta proposta para preven ir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República”. Nela propõe, como solução da pobreza infantil, que havendo provas de que a carne das crianças  é tenra e gostosa, elas possam ser vendidas assadas aos ricos, resolvendo assim o problema culinário dos mais abastados, econômicos dos mais pobres e o impasse político da Nação que já não suporta carregar tantos rebentos produzidos pelos mais desfavorecidos. Pois bem, se o Brasil não deseja enfrentar o outro extremo da questão que é a proliferação dos idosos e seus achaques, visto-me de Swift e trago também uma modesta proposta. Chegando à idade avançada, quando começarem a trazer mais problemas que soluções, os idosos poderiam ser levados a uma instituição e submetidos à eutanásia. Sua carne, já pouco tenra, poderia ser tratada como carne de sol ou de charque  e depois, juntada à farinha e produzida uma paçoca. Esta iguaria seria servida aos favelados e aos pobres nordestinos vítimas da seca. Assim resolveríamos muitos impasses: primeiro, diminuiríamos a população idosa e seu fardo à sociedade; depois, somaríamos o nada na escala social ao nada na escala etária e desta soma poderia resultar algum total; depois, unindo a carne dos velhos à farinha, havendo qualquer indigestão , o governo poderia botar a culpa na farinha; além de tudo, estaríamos contribuindo para melhorar a fome do Nordeste o que tem sido sempre uma enorme preocupação para os estados do Sul e Sudeste.  De minha parte, ofereço minha fuçura, daqui mais uns poucos anos, a quem interessar possa, mesmo sabendo que a carne já é de terceira, mas, quem sabe,  misturada com uma farinhazinha de mandioca , acredito que ainda dá um bom entala-gato.

J. Flávio Vieira