por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A CONJUNTURA

Chegou em casa despejando ira. Paga seus impostos em dia e direitinho. O governo ameaça mais algum para cobrir suas faltas.

A empregada chega logo depois com ar desanimado: não conseguira fazer o curativo da úlcera na perna. No posto de saúde estava faltando muita coisa.

Ele já estava no embale mesmo e tocou diagnóstico na situação: não tem nada mesmo. É uma bagunça de cabo a rabo. Quem já viu faltar esparadrapo e gaze? É o roubo da Petrobrás.

O senhor pode adiantar um vale para eu ir na farmácia?

Pelo amor de Deus. Sou funcionário do governo, não vou ter mais aumento. O que ganho não cobre a despesa. Amanhã não vou mais comprar carne todo dia.

Carne! Não vai ter mais carne? Como pode?

É o governo que não dá aumento. A conta não fecha.

Igual ao posto de saúde. Não tem dinheiro para o mínimo. A empregada lembra.

É este governo incompetente. Põe logo outro no lugar que tudo melhora.

E assim termina o assunto caseiro e vai para o bar tomar umas e outras.

Lá se encontra seu Laércio num papo animado com Aloísio Nuvens e seu Fernando Airoso. A conversa deles: deixa os babacas pagarem a conta do ajuste. Depois a gente denuncia o estelionato.

O bom pagador de impostos se aproxima a tempo de ouvir o encerramento da questão: já pensaram se fôssemos nós a fazer esta lambança? A raiva que o povo ia ter da gente?


E um pouco tonto de tanto ruído mental, encostou-se no balcão e, na sorrateira, roubou o esparadrapo do comerciante. Já era uma economia, só precisava agora comprar a gaze para a empregada. 
Como atuam os setores que articulam a queda da Presidenta Dilma?

Nas ruas uma postura de classe. Um “paulistanismo” arrivista, vinculado à globalização subalterna e a uma espécie de neocolonialismo com outras regiões brasileiras (especialmente o Nordeste). A rua não teria o peso, mesmo com o descontentamento, se não houvesse estímulo da mídia e algum financiamento.

Os dados da crise e o desgaste político do governo é um fenômeno pós-eleitoral. Tem a força motriz na derrota eleitoral seguida. Mesmo com o avanço do PSDB nas eleições presidenciais passadas, que já representava o desgaste do governo Dilma, a verdade é que toda a articulação e a grita é pós-eleitoral e de janeiro para cá.

Tenho consciência que antes eram as eleições e hoje é o governo. A luta antes era a disputa e agora é a oposição. O que é novo em relação aos anos recentes é a ação política para negar a disputa anterior. Se ela não fosse válida, porque não mobilizar o povo na ocasião. Claro, naquele momento não havia clima e a oposição confiava na vitória. Assim se nomeia de golpe aos seus passos de janeiro para cá.
Por isso setores “mais progressistas”, simpatizantes do PSDB, estão tentando se descolar desta primeira versão da cassação da Presidenta (e do PT) evidentemente golpista e passaram a pegar carona na figura emblemática de Hélio Bicudo. Que não se perca nas semelhanças com o sobrenome e o símbolo do PSDB.

Como os quadros metabolizam o momento? (É semanal. A cada semana uma nova dose, especialmente na mídia):

a)     O PMDB sente a fraqueza e tenta buscar a sua grande fatia do bolo, aquela de quem se senta à mesa há décadas. Lembra a solução pós-impedimento de Collor com uma espécie de Itamar Franco (Michel Temer?).

b)    Segmentos mais racionais sabem que não será igual ao impedimento de Collor, agora há um partido ainda forte (pelo menos no imaginário brasileiro) para ser derrubado além da Presidenta. Para tal setor o tempo atual é juntar forças para selecionar os que ficarão num suposto “Governo de União Nacional”, mas excluindo o PT e, claro, os Movimentos Sociais e os partidos mais à esquerda (PSOL, PCO etc.). Um adendo: o ideal para eles é não brigar com os Movimentos Sociais, sabem da instabilidade do neoliberalismo pós-crise 2008 e, portanto, não é possível uma mão pesada ao estilo Margareth Thatcher.

c)     Setores ainda marcados pelo ideário socialdemocrata, simpatizantes do velho PSDB de Covas e do FHC dos seus livros quando ainda não negados, querem que o Partido ocupe o vácuo que pensam será deixado pela queda do PT (mais à esquerda) e assim se legitime uma coluna dorsal que não desconsidere de modo desbragado o avanço social recente. É o pessoal que exulta com Hélio Bicudo.

d)    Os segmentos à direita usam de artifícios radicais, com base num ódio extremista que vinga em todo mundo, para manter aceso o processo e ampliar o desgaste, atirando continuamente no governo cambaleante. O pagamento pela queda da Dilma e do PT será uma fatia de políticas e poder, mas não serão a espinhal dorsal da tal União Pós-PT.

e)     O Empresariado, especialmente o paulista, usa a mídia corporativa para exaurir politicamente a Presidenta, com uma mão consegue concessões para seus negócios e com a outra desgraçam Dilma com quem a elegeu.

f)      O PT nesta altura apenas sufoca. O governo é dele. A queda do governo é um forte golpe político contra o PT. Mas ele parece não entender a dimensão da ação adversária e de vez em quando alguém, que sabemos vinculado a ele, vem a público para dizer que o tempo da Presidenta se esgota rapidamente. Ora a sede e matriz do PT é o “paulistanismo” e nesta altura não é improvável que as mentes se confundam entre o que é política e o que o vício torto pelo cachimbo da raiz cultural.

Em desfecho. A ideia do PT de apresentar Lula como um espantalho ao golpe não é de todo desprovida de razão, pois a direita, pelas reações de Delegados da PF e Promotores Públicos, em conluio com a mídia corporativa, demonstra que a tese funciona. Mas, por outro lado é um tiro apenas conjuntural, não apresenta um plano para o futuro ao demonstrar preguiça de lutar e se organizar, pois aí é que algo pode se contrapor.

Mais do que um mero golpe. Mais do que mero direito político democrático da oposição, o que estamos vivendo é uma luta entre capital e trabalho sob a forma ideológica do neoliberalismo e dos direitos e proteção social. Pode-se pensar em táticas, mas estas se sujeitam a estratégia maior para as consequências da luta.

O PT ao expor o ex-Presidente se apresenta como uma espécie de covardia em relação a seus próximos passos histórico, pois apresentar a “solução Lula” é, também, uma espécie de plano futuro de concessões ao capital que sabe da moderação do líder.


O plano Lula, sem uma forte mobilização política, mais carrega a canibalização de um líder do que a marcha e um povo soberano.