por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



terça-feira, 1 de novembro de 2016

O FATOR "ELASTICIDADE" - José Nílton Mariano Saraiva

Na perspectiva de que possam influenciar decisivamente na hora do voto, entra ano e sai ano são recorrentes as reclamações contra a divulgação de pesquisas às vésperas da eleição. Se verdadeira ou não tal tese, contestá-la de verdade (judicialmente) parece que ainda não tentaram. Tanto que até agora ninguém conseguia obstar que os institutos patrocinadores (regiamente pagos) as divulguem a seu bel prazer.


Analisando-as (as pesquisas) racionalmente, o que se constata é que, embora às vezes apareçam divergências gritantes na totalidade dos números apurados pelos diversos institutos, uma variável permanece intocável e permanente em todas elas, a servir de poderoso handicap na hora da cobrança da fatura a quem as paga: uma tal “margem de erro” (para mais ou para menos), calculada dentro de uma certa “elasticidade” (percentual).


Na verdade, trata-se de um artifício estatístico que pode ser usado para, no caso específico de eleições, preventivamente “acomodar” os números apurados em relação àqueles que emergirão das urnas; ou, em português mais claro, uma conveniente “manobra numérica”, ancorada nessa tal “elasticidade” (percentual), de sorte que os números finais da eleição findem “batendo” com os vendidos a quem paga. Em assim sendo, quanto maior o número de eleitores, maior a “elasticidade” percentual usada, objetivando que não surjam surpresas desagradáveis, a posteriori. O “padrão”, recorrentemente usado para os embates políticos, é de magnânimos e generosos 3,0%, para baixo ou para cima (ou 6,0% entre os dois extremos, ao final).


Visando melhor entender essa tal “elasticidade”, vejamos, abaixo, os números dos dois institutos de pesquisas contratados na eleição de Fortaleza, recém-finda:


no Ibope (52,0 x 48,0), o candidato 01 largaria com 52,0%, que poderiam transformar-se em 55,0% para cima ou 49,0% para baixo; já o candidato 02 largaria com 48,0%, que poderiam transformar-se em 51,0% para cima ou 45,0% para baixo; e como aqui, em algum ponto da curva se encontrariam, teríamos o tal “empate técnico” (ou eleição não decidida, necessitando segundo turno);


no Data Folha (56,0 x 44,0), o candidato 01 largaria com 56,0%, que poderiam transformar-se em 59,0% para cima ou 53,0% para baixo; já o candidato 02 largaria com 44,0%, que poderiam transformar-se em 47,0% para cima ou 41,0% para baixo; aqui, não haveria chance de “empate técnico” e o candidato 01 poderia ser sagrado antecipadamente (não necessitando segundo turno).


Para alguns, o alargamento de uma presumível margem de acerto, propiciada pela ampliação do percentual da “elasticidade”, poderia ser considerada “esperteza” dos pesquisadores, já que lhes garantiria uma margem de segurança confortável. Assim, como em termos percentuais o resultado final da eleição de Fortaleza foi de 53,57% para o candidato 01 e 46,43% para o candidato 02, graças à generosa “elasticidade” de 3,0% de margem de erro o Ibope acertou para o candidato 01 dentro da margem para cima, e também no candidato 02, na margem para baixo; já o Data Folha inversamente acertou na margem de erro para baixo do candidato 01 e na margem para cima do candidato 02.


Há que se destacar que numa eleição com um universo eleitoral de 1.692.657 (como o foi a de Fortaleza) a tal margem de erro (para cima ou para baixo), representa uma “folga” em torno de 101.556 votantes (50.778 para cima e 50.778 para baixo). E como a “vantagem” do candidato 01 para o candidato 02 foi de exatos 90.396 votos, constata-se que situou-se dentro da tal “margem de erro”, propiciada pelo ampliado índice de “elasticidade” usado.


Em suma, graças ao fator “elasticidade”, os dois institutos erraram, mas… acertaram, ao final.




JUDEU EM SÃO PAULO - DR. DEMÓSTENES RIBEIRO

Aquele dezembro nunca mais sairia de mim. Ao completar dezoito anos e conseguir os documentos, eu deveria enfrentar o mundo. O arraial e a agricultura não me mereciam mais. Desde o tempo do meu avô era o Amazonas, o Maranhão ou São Paulo. Mas, se o Tio Fausto findou-se nos seringais e se o meu pai foi pro Maranhão e a malária o enterrou por lá, a saída era São Paulo.

- Viu como o Galdino vive feliz? Gordo, corado, roupa bonita e fala diferente, nem parece o matuto que saiu daqui. Trabalha numa usina de açúcar e álcool em Ribeirão Preto, ele certamente o ajudará.

Salgueiro, Conquista, Valadares, Taubaté, São Paulo... A sorte, o sul, a estrada, quase três dias depois, o semi-leito chegava a Ribeirão e encontrei o Galdino. Ele era chefe de turma, controlava os bóias-frias e logo eu estava entre eles, morando no barracão e cortando cana de sol a sol. Meu Deus, a vida no arraial era bem melhor.
Lembrei do Luiz Marcondes, acertei as contas no armazém e fugi prá São Paulo. Diziam que ele trabalhava num banco e morava em Santo Amaro. Fiquei surpreso, pois Lula morava num quartinho com outros baianos, de dia dormia num colchonete e à noite, na Avenida Paulista, fazia faxina de escritório. Morreu ingênuo e bom, pra sempre um escravo no norte e no sul.

Desempregado, eu quase me desespero até conseguir ser auxiliar de limpeza num prédio suspeito do Largo do Arouche. Anos depois, era o porteiro da noite. À tarde, antes de entrar no trabalho, sob a garoa, vagava pela Praça da República, lia cordel e ouvia Jackson do Pandeiro em lojas de discos na Ipiranga e na Avenida São João. Num desses dias, assisti o Joelma pegar fogo e o desespero das pessoas em chamas saltando para a morte.

Dormia pouco e voltei a estudar. Sara Levy, professora de História, se impressionou com a minha memória, o meu interesse pela leitura e o meu espírito inquieto. Aos poucos, terminei o segundo grau. Ela me achou parecido com um vizinho, me arranjou emprego de frentista no posto de gasolina do Isaac e me indicou uma pensão. Hoje moro no Bom Retiro e me sinto à vontade no bairro.

Sara é gordinha, ruiva, míope e num domingo me surpreendeu convidando-me a almoçar com seus pais. O seu pai me achou parecido com um parente distante e disse que no Nordeste houve miscigenação judaica. Ele me ensinou que no Brasil o descobrimento e a colonização devem muito aos cristãos-novos e que naquele tempo os judeus eram a elite intelectual da península ibérica. Com a perseguição da inquisição, Portugal e Espanha nunca mais se acertaram.

Ela me emprestou vários livros e o que rola entre nós não é somente amizade. Iniciei um curso de judaísmo e agora sei que os hebreus criaram o monoteísmo, aboliram o sacrifício humano como tributo aos deuses e que os dez mandamentos formam a base da civilização ocidental.

O Senhor não se esqueceu de mim. Hoje sou chefe dos frentistas e ando muito entusiasmado. Aos poucos vou me descobrindo. Fiz circuncisão, não trabalho aos sábados e frequento regularmente a sinagoga. O rabino aguarda o meu teste de DNA. Se revelar algum traço israelita, me casarei com Sara, e seu Moisés vai dar uma grande festa.

Porém, meu sonho mesmo é abrir uma sinagoga em Juazeiro e voltar pra minha terra. Aqui, quase não saio, quase não tenho amigos - mais uma rês desgarrada na multidão boiada caminhando a esmo.

Agora, o tempo inteiro, imagino a cara da minha mãe quando eu voltar pro Juá, com a barba batendo no peito, o quipá na cabeça e a estrela de Davi tatuada no braço: Vixe! Sei que os romeiros vão ficar furiosos, mas eu não sou um perdedor: Shalom!

DR. DEMÓSTENES RIBEIRO (CARDIOLOGISTA)