por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



domingo, 17 de junho de 2012

Oriente - por Everardo Norões



a luz se esquece
sobre o corpo
nem oprime nem aquece
palpita a pele
suburbana papoula
no jarro
e no muro o musgo
a conjurar as pedras
o coração a maldizer
as setas
a indicarem retas
e eu
....... só desvios

Você não sabe amar - por José do Vale Pinheiro Feitosa


E já começou afirmando, “Você não sabe amar meu bem”, que ela não sabia conjugar o verbo amar. Nem conjugar e nem dominar o conceito: “Não sabe o que é o amor”.

E eles sabiam, Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, não apenas o conceito como tudo aquilo que se desdobra nos tempos, modos e pessoas do verbo amar. Não apenas singrar os mares do verbo, seja com seus símbolos e metáforas. Eles, quem sabe sentados na pérgula do Copacabana Palace, um violão, frases soltas e notas arrumando as idéias. Ou, talvez, no piano do bar, entre um copo e outro de uma boa bebida no entardecer da cidade.

A verdade é que eles sentiam que ela não sabia amar pois “Nunca sofreu, nunca viveu” e tão jovem diante de tantos anos vividos “E quer saber mais que eu”.

E neste abismo de tempo de sofrer e viver, já havia uma senha para o desfecho: "O nosso amor parou aqui. E foi melhor assim. Eu esperava e você também. Que fosse esse o seu fim."

O amor, de sofrer e viver, é, também, o recipiente das coisas boas da vida, é ação e móvel da ação, é conteúdo e recipiente ao mesmo tempo e sendo assim, é um todo indistinto, cuja identificação apenas se dar por sentimentos e nos sentidos do corpo. Tua presença, teu odor, esta distância impreterível a nos separar como o sol à lua.

E quando se explica o que tudo aconteceu eis que "O nosso amor não teve querida, as coisas boas da vida. E foi melhor para você. E bem melhor pra mim. "Claro que mais uma vez a distância da idade entre ela e ele.

Vocês sabem ? - por Socorro Moreira


Nasci aprendendo coisas com o instinto e com a razão.Com ou sem razão, internalizei o que criei ou copiei.De tudo e todas , o que mais me interessou por encanto , foi a vivência do amor, em todas as suas formas, em todos os seus cantos.
Nos anos flores a gente arrisca, cai do pau pra ver o tamanho da queda , petisca, condor ou sem dor..Nos anos frutos , a gente colhe o que plantou , mas também é cansativo reunir o nosso amor.Ele já se espalhou, se desintegrou ... Enfim , nosso quebra-cabeça amoroso , tem pedras de todos os tamanhos, formas e cores.
Quando , no tempo das sementes , desejo semear o carinho, o faço sem alardes , e entre trovoadas ... Se retornar eu guardo, pra depois (re)espalhar !
Eu vivi intensamente meu potencial afetivo. Hoje ele é da paz, mas nunca foi desistente de um sentimento maior , curado de todos os defeitos que contrataram perdas e contraíram mágoas.
Hoje sem amargura, descubro que o meu amor está inteirinho, como se nunca tivesse sido exercitado, pronto pra passar pro lado de lá , e continuar do lado de cá , sem posse e com destino !
Não sei o que é o amor... Vocês sabem ?
Não respondam com palavras !



Milágrimas
Música: Itamar Assumpção
Letra: Alice Ruiz

Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre
Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre

Bolo Pé-de-Moleque


Ingredientes:
3 xícaras de chá de castanha de caju torrada e triturada
2 1/2 xícaras de chá de água
2 xícaras de chá de leite de coco
1/2 xícara de chá de manteiga
1/2 colher de sopa de café solúvel
1/2 colher de sopa de canela em pó
1/2 colher de sopa de cravo triturado
1/2 colher de sopa de erva-doce triturada
1/2 colher de chá de sal
1kg de massa de mandioca úmida e peneirada
500g de rapadura escura em pedaços
4 ovos

Preparo:
Bata no liquidificador a rapadura com a água até dissolver. Leve ao fogo até ferver, desligue e acrescente a manteiga, a erva-doce, o cravo, a canela e o café. Misture bem, deixe esfriar e reserve. Bata os ovos e o sal até espumar. Com a batedeira desligada, coloque a massa de mandioca e misture com uma colher de pau. Com a batedeira ligada, junte aos poucos o leite de coco, até ficar homogêneo. Desligue a batedeira e acrescente a rapadura já fria. Misture bem. Volte à batedeira, em velocidade baixa, e acrescente a castanha triturada. Bata até obter uma mistura homogênea. Aqueça o forno em temperatura média. Unte a fôrma com manteiga e, se desejar, coloque um pouco de leite de coco nos lados da fôrma, sobre a manteiga. Ponha a massa. Leve ao forno médio, por 1 hora e 40 minutos ou até que, ao espetar um palito, ele saia quase limpo. Retire do forno e deixe esfriar. Desenforme sobre um prato e decore com as castanhas.

Fonte: Ariadna's Site

Raro amor - por Marcos leonel


Agora meus dias
Serão magros
E mais amargos
Sem sarar


E CALOU-SE A VOZ DE ALTEMAR...
UMA VOZ COMOVENTE, PLANGENTE
QUE FEZ TANTA GENTE SONHAR
...........................
QUE IRONIA ATROZ DO DESTINO
ESSE HOMEM- MENINO MORREU AO CANTAR
E AO CANTAR FEZ UM MUNDO MELHOR
ONDE A GENTE ACREDITA,QUE EXISTA AMOR
SUA VOZ SE CALOU, MAS O ECO FICOU
NÃO MORREU ALTEMAR!

BASTINHA JOB




PARA GRACILIANO RAMOS ESCREVER DEVE SER IGUAL A BATER ROUPA

O escritor alagoano Graciliano Ramos recomendava que o ofício da escrita devia ser feito da mesma maneira como as lavadeiras lavavam roupa em Alagoas. Eis o texto de Graciliano Ramos:

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."


PARA GUIMARÃES ROSA ESCREVER É FERVER, FILTRAR E PURGAR A PALAVRA

A lição que nos vem de Guimarães Rosa não é diferente. Para o escritor mineiro escrever era um exercício de alquimia: a palavra fervida e filtrada, purgada e rezada. Ele afirmava que escrevia para tentar “desvendar o mistério cósmico.”
“Sou incorrigivelmente pelo melhorar e aperfeiçoar, sem descaso, em ação repetida, dorida, feroz, sem cessar, a todo custo. Faço isso com meus livros. Neles, não há nem um momento de inércia. Nenhuma preguiça! Tudo é retrabalhado, repensado, calculado, rezado, refiltrado, refervido, recongelado, descongelado, purgado e reengrossado, outra vez filtrado. Agora, por exemplo, estou refazendo, pela 23ª vez, uma noveleta. A gente tem que escrever para 700 anos. Para o Juízo Final.”

Um desafio tamanho muralha da China‏




Amigos,
No último campeonato brasileiro de kung fu, em Brasília, reconheci em alguém muito próximo o que significa estar centrada, apaixonada, enraizada em uma atividade.
Giselle Kian, uma das minhas sobrinhas, meio nordestina meio japonesa, mora em Juazeiro do Norte, a cidade onde nasci.
De uma família de poucos recursos, morando no interior, encontrou no caminho do esporte um caminho para a vida. Desde os sete anos, foi uma vida de intenso treinamento. Mesmo num período em que foi fazer faculdade na Paraíba, numa cidadezinha onde quase não se praticam esportes, sempre que podia, ia a sua cidade e dedicava todo tempo aos treinos.
Tal disciplina rendeu, nos últimos tempos, desde algumas medalhas em campeonatos no Ceará, até o Campeonato Nacional em Brasília, no ano passado. Este ano, além de quatro medalhas de ouro, no Campeonato Cearense, foi considerada uma atleta de ponta, sendo convocada para a Seleção Brasileira de Kung Fu/Wuchu.

Agora, a alegria pelas vitórias é tão grande quanto o novo desafio. A Seleção irá participar do 5th World Traditional Wushu Festival, em Huang Shan, na China, em novembro deste ano.
O desafio ou a quase muralha a ser transposta é que não há patrocínio, nem incentivo de parte dos governos de qualquer instância ou de qualquer instituição ou empresa, para custear os gastos com a viagem. O que seria insignificante para uma empresa é uma montanha de dinheiro para uma família de poucos rendimentos.
O que fazer para levantar um dinheirão desses em tão pouco tempo (calcula-se em torno de R$ 12 mil, desde a saída de Juazeiro do Norte, no Ceará, até a China), com todas as despesas por conta do atleta?
De minha parte, vesti a camisa. Farei o possível, divulgando, trocando idéias e pensando e trabalhando formas de levantar o valor necessário à realização deste sonho. Até porque acredito que o feito desta "garota de ouro" deve servir de exemplo para muitos jovens no Brasil, principalmente quando não têm recursos financeiros e têm que contar com seus esforços, disciplina, dedicação.

A primeira idéia foi vender uma camisa, com estampa que faz referência ao kung fu. Já pesquisei em uma loja que faz camisetas, no centro. Falta levar o desenho.
Giselle "bolou" um desenho muito bonito. Vou anexar a esta o modelo que ela mandou pra vocês darem uma opinião. A minha idéia difere um pouco num detalhe: em vez de colocar uma palavra na parte da frente e um desenho atrás, eu colocaria apenas o desenho na frente. O custo é menor e a palavra não diz muito pra quem não é da área.

Além das camisetas, como eu poderia ajudar mais? Minha cabeça está vivendo numa tempestade de idéias ultimamente, mas não quero sair por aí, jogando-as sem uma avaliação melhor. Tenho conversado com minha irmã e sobrinha sobre as possibilidades, mas quero estender essa conversa a mais amigos.
Por isso, resolvi trocar idéias com vocês. As consultas que faço aos amigos sempre são positivas, sempre recebo opiniões úteis, e é mais uma nova oportunidade de estarmos juntos, para além das trocas de mensagens ou cumprimentos ocasionais.

Tenho um montão de DVD's e CD's que poderia tentar vender. Tenho mania de comprar filmes em promoção. E sou do tempo em que se colocava cd pra ouvir, em vez de por tudo num mp3.
Também pensei em organizar um bazar para este fim.
Desde já, decidi que o lucro de todos os livros que vender aos amigos até novembro, mantidos em meu apartamento e cadastrados no site Estante Virtual será direcionado para este objetivo. Há cinco anos atrás, com a ajuda dos amigos consegui "transformar" livros em tijolos e ajudar a comprar uma casa para um vendedor de livros usados, o Jorge. Agora, quem sabe, consigamos transformar livros em uma viagem e ajudar a uma jovem atleta a seguir seu sonho. Neste caso, o amigo que participa não está dando dinheiro, apenas compra livros como faria em uma livraria da cidade. Ao contrário do lucro dado ao livreiro, ele se torna parceiro de um projeto solidário.

Bom, aí está a minha "questão" do momento, que vai ficar comigo até novembro. rs rs

O que vocês fariam em meu lugar se quisessem levantar uma grana pra ajudar a uma sobrinha-atleta a disputar um torneio em Pequim?

Aguardo e agradeço sugestões, idéias, críticas, comentários... tudo que vier. Se alguém gostar da idéia da camisa e quiser fazer uma pré-reserva também ajuda. Porque assim posso ter uma idéia de quantas posso mandar fazer. Quanto maior a quantidade, menor o custo.


Jogar na mega-sena? Até faço isso, mas apenas R$ 2,00 por jogo... acho melhor pensar em outras idéias.
Com o jogo a gente brinca de sonhar. Com o trabalho e o abraço dos amigos a gente transforma sonhos em realidade.

Aldo
Já entrei nessa barca, encomendei camisas e vou comprar livros através da estante virtual http://www.estantevirtual.com.br/aldocordeirolivros

(stella)

Voo- por Everado Norões


entre dois azuis
a cor já não importa
dois horizontes se deslocam lentos
tudo abaixo de nós
parece morto
como se fora o inverso
do sol-posto

não decifro a paisagem
sigo
pássaro brilhante
de asas cegas
entre dois céus
o Sul
um mar suspenso
nem onda
nem rumor
só Teu silêncio

José Saramago - por José do Vale Pinheiro Feitosa


José Saramago,

Sabe aquela escuridão, mofada, entremeada de teias de aranha, que entupia os tubos pelos quais se respira, foi ela que te transportou para as paredes vulcânicas das Ilhas Canárias. Tu, carregado pelo braço leve de Pilar del Rio, fostes além daquele adro católico que enterra a alma portuguesa como um manto a sufocar o broto de novas flores. Sal amargo, salamargo, salamandra das pedras das Canárias.

Membro do partido comunista em solo português, como este da terra brasilis, senha para ser perseguido, acusado, demitido, culpado de tudo, até da fúria dos poderosos que, violenta, lanha tua pele em chagas. Pois quisestes muito,“participar em acções reivindicativas da dignificação dos seres humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela consecução de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade absoluta, e não o comércio ou as lutas por um poder hegemónico, sempre destrutivas.”

Aquela hierarquia das cinzas, tumular dos espíritos obrigados a nascer. Tão pálida de luz e de olhos fundos, refestelada nas adegas de conventos, nos anéis cardinalícios, junto ao coração da piedosa esposa do Sr. Ministro. Ali, ao pé do ouvido, no silêncio de corredores, na ausência de testemunhas, todo um povo pobre e sofrido perdeu o progresso do século, sofreu o abandono da nova jornada interrompida num lamaçal que atolou a todos por quase um século.

E quando tua família sai pelas brechas incontidas do regime de contenção, tornaste-se, tu, Saramago, hoje reverenciado pelos cínicos que te atraiçoaram, pelo mesmo Cavaco Silva do teu exílio nas Canárias quando ousastes ser um evangelista com as marcas do tempo de agora. E teu relato autobiográfico revela a falência do ensino técnico dos tempos “americanhalhados” da indigência pedagógica do Brasil. Do ensino, tornado aborto do espírito humano, de porcas, parafusos e arruelas.

Como dizes: “meus pais haviam chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do Francês, uma disciplina de Literatura.”

Sabe Zé, quando falastes da morte sem medo, falavas da vida. Ficou uma sensação de que o contrário da vida não é a morte, esta instituição lendária. O contrário da vida é o medo, o apego ao inseguro como se rocha fosse e tal apego não passa de um bem material em processo de liquefação. Como todos os bens e riquezas, que servem mais para causar dor no outro, do que dar coragem a quem os possui. E tudo, Zé, para demonstrar a burrice de alcaides, prefeitos e vereadores, bibliotecas para a juventude não existem. Como tu, no teu atrasado e espezinhado Portugal ainda pudeste freqüentar: “frequentar, nos períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e apurou.”

Zé, o mundo é outro mesmo! Os livros se tornaram produtos comerciais. Os escritores meros anéis de ligação na máquina de produção, distribuição e consumo. Bem sabes que teu mundo se tornou universal pelo Prêmio Nobel, sem o qual, talvez, ninguém te escutasse tanto quanto se escutou e hoje, condoídos, repetem o quanto tinhas para dizer. Se não fosse o prêmio, bem menos.

Outro dia, Zé, olhando o calendário das tuas publicações outro sentimento me roubou da mortalidade. Não eras aquele tipinho de mídia, precoce, veloz, que se torna personalidade como Lady Gaga, assim como uma espuma de shampoo. Escorre pela pele e se vai pelo ralo da próxima atração. Tuas publicações é a senha para que todo escritor, todo poeta, todo artista vá muito além dos limites de si mesmo e daqueles externos que existem para te confundir.

Se tinhas 24 anos quando de tua primeira publicação, tanto tempo não viram letras impressas dos teus poemas. Somente aos 43 anos retornastes às publicações com teus poemas. O primeiro romance aos 55, outro aos 57, levaste uma década escrevendo mesmo romance. Eis a marca de que não é no sucesso, na idade e nem no produto que “todo artista tem ir onde o povo estar”.

José Saramago, um humano como nós. Um ateu que escreveu um evangelho. Um comunista que viveu a perseguição de sê-lo.

LEITURA - POR EVERARDO NORÕES




LER
CADA SALIÊNCIA
MONTANHA SEIO OVO
A SÚBITA ENERGIA DO TATO
TECIDO DOS ÁSPEROS DIAS
APALPAR O QUE CINTILA
ESCAMAS CENTELHAS
NOS AQUÁRIOS NOTURNOS
REBERBERAÇÕES ELÉTRICAS
CONSUMIDAS NO ARDOR DAS ESTAÇÕES
CADA PORO A SORVER
A INSÓLITA RAÇÃO DA SOBERBA
LER NO ACASO DA MADEIRA
FALO FLUIDEZ FOLHAS
O VERDE VERME
VORAZ

O "PIANISTA" - José Nilton Mariano Saraiva

Com a invasão da Polônia pelos nazistas, os judeus poloneses foram segregados no “Gueto de Varsóvia”, onde enfrentaram a fome, o frio, o abandono, a tortura e humilhações de toda ordem, levando-os a um corrosivo processo de aniquilação físico-psíquico-moral. A esperança de que os aliados logo chegassem para por fim àquele diuturno martírio foi paulatinamente arrefecida, ante o sadismo, a carnificina e à seqüência de horrores praticada pelos alemães.
Para que lições fossem extraídas daquele momento dantesco, Roman Polonski, ex “morador” do tal gueto (de onde milagrosamente conseguiu fugir), houve por bem legar à posteridade um “testemunho-reconstitutivo” daquela época, ao produzir o monumental filme “O Pianista” onde, sem fugir dos horrores vivenciados pelos poloneses, centra a narrativa numa tradicional família classe média (pai, mãe, dois irmãos e duas irmãs).
Após a invasão da Polônia pelos alemães, literalmente forçados a tomarem um trem que os levará para uma tal de “higienização” (em verdade, para o campo de extermínio de Treblinka) milhares de polacos, a família Szpilman entre eles, é o próprio retrato da impotência e do desespero.  Wladyslaw Szpilman, um dos irmãos, famoso pianista da Rádio de Varsóvia, no último momento, mesmo à revelia, é posto de lado por um policial polonês amigo de infância. E vê, desesperado, pai e irmãos irem ao encontro da morte. 
E aí aumenta o seu martírio. Sozinho no mundo, desempregado, sem eira e nem beira, sendo obrigado a carregar a “prova” da inferioridade da raça judaica (uma faixa no braço com a Estrela de Davi), Szpilman torna-se um morto-vivo a zanzar entre escombros e cadáveres.  Recolhido ao “Gueto de Varsóvia” e obrigado a trabalhar numa unidade alemã, toma conhecimento e se engaja na formação de um grupo de resistência aos alemães. Antes que sejam descobertos e dizimados, Szpilman, com a ajuda de conterrâneos não judeus consegue fugir do gueto e é “escondido” no mais improvável dos abrigos: um apartamento localizado exatamente no “coração da toca do leão” (em frente a um Hospital alemão e vizinho da sede da Polícia nazista). Da janela, assiste ao impiedoso massacre e à aniquilação do gueto onde habitara. Com a passagem do tempo, finda sendo descoberto por uma vizinha alemã; doente e desnutrido, foge e volta a zanzar pelas ruas.
Mas o destino de Szpilman apronta-lhe uma surpresa: à procura de comida no que sobrou de uma suntuosa mansão, é descoberto pelo solitário capitão alemão Wilm Hosenfeld que, surpreendentemente cordato, lhe interroga amistosamente. Ao sabê-lo “pianista” profissional, desconfiado coloca-o frente a um piano que, sem nenhum arranhão, escapara das bombas nazistas e pede-lhe que... "toque". E aí, Szilpman, mesmo com sede e faminto, parece entender ser aquele o seu passaporte para a sobrevivência, sua senha para a vida: e extraindo do amâgo da alma uma força descomunal até então desconhecida, sob o olhar abismado do requintado oficial alemão mostra toda a sua maestria e competência no manejo do teclado do nobre instrumento (são exatos quatro minutos - uma eternidade numa projeção cinematográfica - de uma verdadeira aula de como se tocar piano).
Visivelmente sensibilizado, o capitão alemão não só NÃO o denuncia, como o orienta a resistir um pouco mais, a manter-se escondido, já que os russos se encontravam às portas da cidade e os alemães teriam que bater em retirada. Pra eles, alemães, a guerra acabara. Oferece-lhe o próprio casaco para amainar o frio e volta outras vezes trazendo-lhe comida e pondo-o a par do desfecho do confronto.
Com a retomada da Polônia pelo exército russo, Szpilman finalmente sai da toca e quase se dá mal por se achar “embrulhado” no casaco do “amigo” alemão. Feito os esclarecimentos, é reconhecido como um polonês e saudado efusivamente por ter sobrevivido ao extermínio nazista.
Após tudo normalizado, volta à Rádio de Varsóvia e retoma sua verdadeira identidade de... “pianista”. Morreu em Varsóvia em 2000, sem que antes tenha conseguido “PAGAR” uma dívida tanto antiga como eterna: conseguiu que o "amigo" alemão, capitão Wilm Hosenfeld, que lhe salvou a vida, fosse postumamente honrado... pelo poloneses.
Um filmão, filmaço, obra de arte, ou qualquer outra definição que lhe seja mais apropriada.