por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sob o Céu do Deserto



Necessário é que nos recolhamos e que fiquemos frente a frente com nós mesmos, não de um espelho, pois a imagem seria invertida.
Falo do mergulho ao nosso interior, buscando nossos motivos, com a alma nua e em silêncio, capaz então de perceber nossos ruídos, nossas dores, nossas culpas e os aplausos pelos nossos acertos.

Não será uma balança, posto que gramas do que fazemos pelo próximo pesam muito mais do que quilos por nós mesmos, quando no nosso prato só a vaidade, o egoísmo, a insensatez, a grosseria, a ingratidão e a cegueira - apesar de tanta luz -, e a mudez quando não gritamos pelo outro diante de uma injustiça!

Isso tudo deveria dar dó na gente!... Mas a percepção de que somos capazes de gestos bonitos, como perdoar ou “fazer o bem sem olhar a quem”, e saber que aquele sorriso que nem é para nós ficarmos felizes à distância, dá-nos esperança. É gratificante!
Entregar-se, doar-se, arriscar-se, não pensar mais em si.

No silêncio, olhar para cima e maravilhar-se com as constelações, tendo a convicção de nossa pequenez e que fizemos o que deveríamos ter sido feito!...Se assim for, ao amanhecer e durante todo o dia, o calor não nos incomodará e á noite o frio cederá lugar á beleza!

De quem temos que lembrar?

Rasga Mortalha


--- D. Betilde , de novo ?

A velhinha , ao ouvir aquelas palavras insidiosas e enigmáticas, ficou amuada pelos cantos da casa. Tinha plena consciência : o destino é que havia traçado aquelas linhas sinuosas da sua vida. Mas, que jeito? Por outro lado, também, carregava consigo a certeza de que o temor da solidão a havia impelido a tantas reincidências, além, claro do charme pessoal e de um estranho fogo que ainda teimava em lhe arder pelas veias, mesmo sob o gelo inexorável do tempo. O certo é que os casamentos se foram sucedendo. O primeiro marido, Afonso, caixeiro-viajante, dormiu na direção do carro e despertou no paraíso. Deixou-a viúva nova e sem filhos. Botelho, homem sisudo, coletor de impostos, engraçou-se de uma Betilde fogosa, na flor dos anos, e arriou por ela os quatro pneus. Casou-se, viveu com a esposa uma felicidade fulminante de cinco anos, tão fulminante que acabou o fulminando, de um enfarte, nas portas dos quarenta. Betilde balzaquiana, novamente solteira, passados dois anos de luto oficial, começou a sofrer assédio de um tal de Leontino. O homem era dono de um pequeno armarinho e também enviuvara há poucos meses. Betilde achou o assédio precipitado, mas entendeu o pretendente: já se encaminhando para os setenta, era material perecível e que não podia ficar exposto às intempéries da solteirice por muito tempo. Terminaram no altar. Leontino, por incrível que possa parecer, foi um marido exemplar e resistente: manteve-se vivo, nas garras da mulher, por uns vinte anos, até que um belo dia dormiu na terra e acordou no firmamento. A partir desse velório, a fama de Betilde como rasga-mortalha começou definitivamente a se firmar. Fama que, se diga de passagem, os anos mostraram nada ter de exagero.

A partir da viagem celestial de Leontino, os casamentos de Betilde se sucederam. Com ela já beirando os sessenta, os novos pretendentes já não pagavam IPVA. Homem maduro só cata mulher nova. O que lhe ia sobrando eram aqueles já idosos, passados na casca do alho e que temiam as mocinhas com medo de não se refestelarem sozinhos, mas num banquete coletivo. Zivaldo, Geronildo e Marcelino seguiram a mesma sina dos seus antecessores, apenas desfrutaram dos prazeres e achaques matrimoniais por pouco tempo. A famosa frase : --- D. Betilde, de novo ? Foi pronunciada justamente por Salustiano, um antigo conhecido da rasga-mortalha, ante o caixão do sexto marido da nossa serial-killer: o tabelião aposentado Marcelino Florentino Parahyba, homem versado em almofadas, carimbos e reconhecimentos de firmas. Betilde, oitentona, já parecia não ter mais lágrimas para derramar: secara o veio . Talvez, por isso mesmo, tenha se amuado ante a insinuação algo maldosa de Salustiano: faltava-lhe água para lavar tantas máguas. De tantos enlaces, restara-lhe, no entanto, apenas um filho, nascido da mira certeira de Leontino , o menino carregava oficialmente o nome viril do pai, mas era chamado carinhosamente de Júnior.

Betilde decidiu baixar o facho após a partida do sexto esposo. Já era tempo ! E mais: quem diabo iria querer uma oitentona e ainda pior: com um cartel terrível de nocautes ? Aquietou-se, fez-se beata, botou para debulhar terços e mais terços: alma no purgatório para sua intercessão é o que não faltava! A multi-viúva esqueceu apenas um detalhe. Os tempos tinham passado e a modernidade viera com seus milagres. Fora-se o tempo em que homens maduros pronunciavam aquela frase famosa : “Enquanto houver língua e dedo, mulher não me mete medo!” Pois bem, a modernidade havia trazido consigo o viagra e o adiamento da morte viril. Imaginem, pois, impulsionado pelo novo espinafre do Popeye, quem começou a arriar uma asa para Betilde ? Nada mais nada menos que o fofoqueiro do Salustiano. Entre dentes, ele prometeu aos amigos que mandaria a serial killer desta para melhor. Vingaria seus seis antecessores. Betilde refugou no primeiro momento: Vade retro satanás! Não esquecia a frase famosa dele diante do esquife do pobre do Marcelino. Mas o assédio perdurou, a solidão falou mais alto ( Júnior fora tentar a sorte em São Paulo) e a matrimoniomania de Betilde reacendeu. Depois de uns seis meses, voltou ao altar agora ao lado de um grande e turbinado Salustiano.

Seis meses depois, os amigos choravam o passamento do amigo. O vingador batera catolé. Qual a causa mortis de Salustiano ? Ninguém sabe ao certo, mas existem algumas evidências. À noite, no velório todos notaram um volume excessivo elevando a mortalha na altura dos países baixos do noivo. Parecia o mastro central de um circo forçando a lona para cima, em direção aos céus. Vendo a mortalha prestes a se romper no meio, enquanto uma Betilde chorosa fungava num canto, um amigo comentou:

--- Menino, pelo visto, não é só D. Betilde que merece o apelido de Rasga-Mortalha, não ! Salustiano, também, manda ver !


J. Flávio Vieira

caminhada


foto: chagas


enquanto não chega a hora certa
enquanto não cala a voz
que bom que a luz
há de aguardar
além desse mundo
onde os passos são escritos no escuro

o giro da roda interminável
por causa das palavras
por causa das ações
por causa do apego
por causa do medo
por causa da ignorância
envelhecimento
tristeza
lamentação
dor
nos ásperos caminhos

foi dito:
ele estava em benares
no parque do gamo
em isipatana

a doçura dos sentidos
a mortificação do corpo
a isso não se entreguem

quem estava entre os cinco
que o ouviram
para discernir o que é ''difícil
de ser compreendido
que vai contra a torrente do mundo,
sutil, profundo e difícil de ser visto''?

Amanhecer - por Domingos Barroso


Acordei com o braço marcado
por um batom vermelho
de muriçoca.

Seus lábios circulares
deixam a impressão do afeto
e da loucura por meu sangue.

Deve ter sido uma grande festa.
Além da marca vejo também
um leve inchaço.

Só não ouvi seu violino
de cordas rompidas.


domingos barroso

Foto de Emerson Monteiro


DENTRO DA NOITE por ROSA GUERRERA



Escancarei a janela do mundo
quando a noite desceu...

Percorrí em pensamento
todas as vidraças fechadas
dos edifícios ao meu redor

E imaginei cenas,
tracei lirismo,
assisti orgasmos...
Conversei até com pessoas
que possivelmente
nem existem.

Apaguei depois as velas
dos meus sonhos
e resolvi enfim adormecer .

Não conciliei no entanto
o sono esperado.
Esqueci de fechar a minha janela
e apagar o seu perfil
que se debatia
num verso inacabado.

A poesia de Geraldo Urano



lambo as minhas dores
sou um boi
grande e lindo
uma vaca religiosa
que carrega
os pecados do mundo
sou um continente
gelado
com inúmeras
ilhas verdes
nova york adolescente
paris iluminada
pelo sol poente
sou uma pintura
na parede
com muito vermelho
e azul
------------------

vou parar de
escrever
pois o que estou
escrevendo
não está com nada
igualzinho
a certas mulheres
que só são vistosas
e nada mais
gosto dos loucos
e de quem sofre
me sinto bem
olhando
você de longe
vai a tarde embora
e a noite vai chegando
como uma espécie
de petróleo
saído das mãos de deus
voa besourinho
teu último voo
depois vai alimentar
os sapos

-----------------------
a manhã
é uma enchente de
luz
a tarde
um mar de água
quente
e a noite
um grande perfume
minha primeira
dose de rum
meu primeiro
cigarro
meu primeiro beijo

---------------------
todas as
mulheres são irmãs
diferente
como os dedos
da minha mão
geladas como cerveja
quentes como vulcão
precisavam
ser mais feleizes
eu precisava
ser mais mulher
eu quero pintar as
unhas
eu quero botar batom
é meio dia
dou um gole de coca cola
ao sol
--------------------------

arte é arte
talento não se discute
nem o da prostituta
da avenida augusta
algo me diz
que sou assim
moleque superman
girassol alecrim
de tudo tem
de tudo há
eu gosto amo mesmo
a moça da novela
com seu ar
de espantalho


geraldo urano

Empadão de Bacalhau



Ingredientes


bacalhau demolhado 3 postas
batatas 6 und.
couves portuguesas 2 und.
cebolas 3 und.
alho 6 und.
ovos 3 und.
azeite 2.50 dl
vinagre 1 col. sopa
mostarda 1 col. sobremesa
sal e pimenta q.b.

Como fazer Empadão de bacalhau

1 Descasque as cebolas e os alhos e corte-os às rodelas muito finas. Separe as folhas das couves, lave-as e retire-lhes os talos mais duros. Numa panela ponha água temperada com sal e quando ferver junte as couves deixe cozer deixando-as um pouco rijas.
2 Lave muito bem as batatas e coza-as inteiras e com casca juntamente com 2 ovos. Coza o bacalhau durante 10 minutos. Escorra-o, limpe-o de peles e espinhas e parta-o às lascas grandes. Enquanto isso, descasque e pique as cebolas e os alhos e leve a cozer em 0.5 dl de azeite só até começar a alourar.
3 Quando tudo estiver cozido proceda da seguinte maneira: pele as batatas, descasque os ovos e corte tudo às rodelas. Escorra muito bem as couves. Prepare a maionese: deite o restante ovo no copo misturador ou numa tigela, junte a mostarda e tempere com sal e pimenta. Adicione o azeite devagarinho e bata com as varas até engrossar e junte depois o vinagre.
4 Num pirex coloque em camadas alternadas, a cebolada, o bacalhau, as couves, as batatas e os ovos. Repita as camadas até acabarem os ingredientes. Espalhe sobre a última camada que deve ser de batata, a maionese e leve a forno aquecido a 200ºC até alourar. Sirva quente.

1001receitas.com

MIMETISMO NO AMOR
Tenho que confessar: absolutamente sou um homem romântico. Talvez não como dissesse o eterno “Rei da Juventude”, Roberto Carlos“( do tipo que ainda manda flores), por não querer misturar amor com comércio, mas um romântico empedernido, que inda crê no amor, aqui parafraseando Silvio César.
O amor está presente em tudo, e falo do amor entre as pessoas, o amor conjugal, das almas que se acreditam unidas para sempre. Esse amor é o motivo maior da existência das pessoas, seus passos de felicidade e, também, de desventuras. Entendê-lo torna-se fácil, basta-nos estar atentos às suas manifestações.
Tanto nosso cancioneiro, como nossa literatura, trazem-nos fartos exemplos do que escrevo. São incontáveis os encontros e desencontros ali narrados. O amor é tratado sob todas as óticas: o amor que deu certo, o que não; amor que doi, amor que maltrata,  amor que mata; amor que realiza, que destroi, que se complementa, que se afasta. Amor, sempre o amor, palavra abstrata que concretiza os mais diferentes anseios.
Dia desses, relendo alguns de nossos escritores, parei para contrapor duas ideias em dois poemas distintos: À Carolina, de Machado de Assis e A Arte de Amar, de Manoel Bandeira. Naquele, a mais linda declaração de amor, de um Machado de Assis, no auge do Realismo, à sua amada que se vai para sempre. Nesse, toda a frieza do Bandeira, onde ele trata o amor de forma puramente física, carnal, onde diz que os “corpos se entendem, as almas não”. Aqui, Bandeira afirma que a alma estraga o amor, enquanto Machado “o faz apetecido, a despeito da humana lida”.
Além dos escritos em poemas e canções, expressões populares definem o amor com sua real singeleza. “Um deles,” quando duas pessoas se amam e tornam sua união perene, até seus rostos ficam parecidos, como se irmãs gêmeas fossem”, tocou-me, sobremaneira, noite dessas, no Docentes e Decentes, restaurante de que sou frequentador contumaz
Com permissão do uso dos nomes, Paulo e Mara são um casal por que nutro um amor fraternal. Daquelas pessoas que estão do nosso lado em todos os momentos, independente da hora e lugar. Eles são a representação maior daquele amor que contraria o Bandeira. Neles, as almas e os corpos não só se entendem, como são idênticos. Quando os vi, ali na minha frente, numa conversa sobre poesia, crônicas e música, a mim me pareceu ver dois rostos fundidos num só, duas expressões faciais únicas e dois sorrisos gêmeos. De imediato, lembrei-me dos poemas e disse: “Mara, você é a cara do Paulinho!”  “amiga, vocês estão desmentindo o Manoel Bandeira, mostrando que a Arte de Amar não é a que só Deus entende, e que o amor estraga as almas”.  Ocorreu-me escrever sobre essa sensação.
Falei para Mara como é difícil os casais permanecerem unidos, hoje em dia. O dia a dia é o exercício mais paciente de se preservar o amor, tantos são os problemas que são colocados e, neles, posta em prova a durabilidade do amor. Muitos tombaram no caminho, por motivos diversos, provando que o Bandeira é mais presente do que nunca. Com Paulo e Mara a história é diferente. As dificuldades tomaram-lhes mais unidos. O brilho de seus olhos prova que a felicidade dos dois é transcendental. O dia a dia é mis do que um exercício rotineiro e passa a ser a complementação prazerosa dos corpos e a completa conjunção das almas. As divergências, que são muitas, são feedbacks da relação, fortalecida a cada discussão, cada briga. Quem nunca brigou, nunca amou. Se numa relação as duas pessoas concordam em tudo, a relação é morta.
Como disse alhures, sou um romântico assumido e admiro relações que perduram. A felicidade me bateu àquela noite, deixando-me pensar em minha vida. Pensar que também acreditei num amor perene, mas que sucumbiu ao longo da estrada, onde, em mim, Bandeira foi mais marcante do que Machado de Assis. Em Paulo e Mara nada é esmaecido, ao contrário, os laços de felicidade que os uniram não são lassos; eles são a encarnação do “amor maior”, buscado por uma dessas bandas pop nacionais e, também, por nós todos, ou não?
Em silêncio, pedi a Paulo e Mara que me permitissem sonhar com a felicidade que  senti naquela aura noturna, trazendo para os meus olhos o lume do seu olhar, derramando-se sobre a minha vida a alegria de viver que vive em suas vidas, enfim, deixando-me  acreditar que o amor, que cultivei em toda minha existência, não foi algo que estragou a alma, que só serviu aos corpos, antes,  que se permita latente e pronto para brotar em um solo mais fértil.

Greta Garbo


Greta Garbo, nome artístico de Greta Lovisa Gustafson, (Estocolmo, Reino da Suécia e Noruega, 18 de Setembro de 1905 — Nova Iorque, 15 de Abril de 1990) foi uma atriz sueca. Com seu talento e aura de mistério, tornou-se uma das mulheres mais fascinantes do século passado, eleita pelo Instituto Americano de Cinema como a quinta maior lenda da história da sétima arte. Apesar de sua carreira meteórica, Garbo era solitária e reservada, e só concedeu quatorze entrevistas durante toda a vida. Pouco se soube e muito se especulou sobre a atriz, incluindo mistérios sobre sua relação com os Aliados da Segunda Guerra Mundial. Uma das citações mais memoráveis sobre ela é a de que "Greta é como a Mona Lisa - uma das grandes coisas da vida. E tão distante quanto."

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Jean-Paul Sartre


Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 — Paris, 15 de Abril de 1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês, conhecido representante do existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra.

Repeliu as distinções e as funções oficiais e, por estes motivos, se recusou a receber o Nobel de Literatura de 1964. Sua filosofia dizia que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, pois o homem primeiro existe, depois se define, enquanto todas as outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma "essência" posterior à existência.

wikipédia

Um filme, uma música !


Lembrando Gilberto Alves



As Aves da Sabedoria - por Barbosa Tavares



U m pássaro nas mãos , afagar-lhe as asas, acaricar-lhe as penas, desvendar-lhe o fascínio da liberdade—sonho azul no infinito da ingenuidade de menino.

Espiava os ninhos, entrelaçados por entre a ramagem do arvoredo, enquanto a passarada afadigada , suspendia do bico, tal pedreiro pressuroso, as palheiras, resquícios de ervas, os fiapos de penugem, enquanto eu permanecia absorto na arte com que adornavam seus ninhos no enlevo da misteriosa sabedoria.

Não resistia a escalar árvore acima para desvendar o segredo daquelas aves que sinfonizavam a frescura da manhã , aspergindo um sopro de felicidade, salpicado de gorjeios ao despontar do dia, entre carvalhos e vinhedos, enquanto a água parecia cantarolar a alegria da moça esbelta e viçosa, aguardando encher sua cantarinha.

Porque existem os pássaros? Talvez para nos incitar o desejo de esvoaçar para além da terra , porque esta não basta para saciar o sonho, talvez para acicatar o desejo de liberdade e ensinar que a felicidade deveria ser tão-simplesmente o grão de cada dia no trinado de um gorjeio.

Não foi em vão que o sábio Cristo se serviu das aves para nos ajudar a dissipar os temores do amanhã , ensinando a colher serenamente o usufruto do momento-agora que é, afinal, o tudo da vida disponível sobre o muro do tempo.

Não sei ainda—pela certa nunca saberei—explicar este, tais outros tantíssimos mistérios que me perplexificam a alma. Os pássaros sempre me sugeriram a ideia de Deus. Colhem o imenso infinito azul, no adejar gracioso das asas, esvoaçam entre a frescura da ramagem e não se lhe conhecem fadigas nem celeiros para além do momento. São o magnífico paradigma do absoluto despojamento.

Não parece incrível que os pássaros tenham surgido no mundo para ensinar os homens? Confesso: cada vez que escuto a passarada num trilar incessante, sinfonizando o cair da tarde, saracoteando-se gaiteiros na verdura da ramagem, ressalta-me na alma esta nostalgia de não saber ser imitá-los na felicidade e reacende-se o desejo de reaprender a cantarolar--um hábito que jaz sepulto nos verdes anos da juventude.

Fosse a vida apenas o grão de cada dia: um trinado florido por entre o chilreio das águas e a sinfonia do vento a rumorejar no folhedo, com a luz crepruscular em tons rosáceos e arroxeados rubescentes no horizonte, a encerrar um dia pacificado, anunciando a serenidade do amanhã.

Quem soubesse imitar os pássaros , afianço-vos , estaria mais próximo do reino prometido sem as inúteis fadigas que amarguram e sufocam o espírito, imitando as aves num gesto perene de despojo que descerra a fulgurante sabedoria.

O tormento do homem não consiste em não possuir apenas o necessário, mas em desejar muito para além do que lhe é prescendível. As aves não padecem destes tormentos, assemelham-se no seu viver à sabedoria dos santos que vivem a autêntica liberdade erigida na renúncia dos bens do mundo.

Renunciar para mais possuir? Sim. Na renúncia é possível auferir a liberdade. Sim , porque o amor excessivo aos bens terrenos, não resgata o espírito e rende o homem no ser mais torturado à face do mundo.



Barbosa Tavares


Brampton, Ont. Canada


Agosto de 2004

GILBERTO ALVES - por Norma Hauer


Foi no dia 15 de abril de 1915 que ele nasceu aqui no Rio de Janeiro, recebendo o nome de Gilberto Alves Martins, mas ficou conhecido apenas como GILBERTO ALVES.
Foi cantor e radialista, sendo seu último trabalho realizado na Rádio Globo onde, primeiro com programa de reminiscências, depois com carnaval “enfeitava” as noites cariocas.
Cedo saiu de casa à procura de emprego, tendo exercido algumas profissões modestas, até que o destino o colocou frente a Jacó do Bandolim.
Depois se relacionou com Silvio Caldas, sendo que Almirante foi quem o incentivou a cantar, a gravar e a atuar no rádio.
Começou na Rádio Clube do Brasil, cantando, ainda, em outras emissoras cariocas, ficando por mais tempo na Tupi.
Nunca foi contratado pela Rádio Nacional.

Sua primeira gravação foi de um samba de Ataúlfo Alves ,de nome "Mulher,Toma Juízo", que não fez muito sucesso, mas abriu-lhe as portas para a vida artística.

Somente quando gravou de Roberto Martins e Mário Rossi a valsa “Trá-lá-lá..".conheceu seu primeiro sucesso.

Depois gravou com vários outros compositores, tendo conhecido sucessos com"Natureza Bela"(de Felisberto Martins) que se transformou em enredo de uma Escola de Samba, na época em que as escolas desfilavam apenas na Praça 11.
Depois vieram, "Pombo Correio";"Adeus";"Duas Sombras";"Rosa Maria","De Lanterna na Mão"; "Um Sonho Para Dois"; “Sinfonia dos Tamancos”; “Santa Terezinha”....
No carnaval obteve grande sucesso com “Cecília”.

Em seus últimos anos de vida, retirou-se para a cidade de Jacareí, em São Paulo e anualmente vinha ao Rio, no período pré- carnavalesco para apresentar músicas dos carnavais antigos na Rádio Globo.
Da última vez que aqui esteve, pediu-me que escrevesse sua biografia, como fizera com a de Carlos Galhardo.
Disse-lhe para mandar-me material para pesquisa, que o faria com prazer.

Não deu tempo; naquele mesmo ano (1992), no dia 4 de abril, faleceu lá mesmo em Jacareí, em seu “inferno zodiacal” .

Norma

Círculo - Aloísio



Círculo


As mãos se dão
E formam um círculo
Que se abre
Num verão

No verão
Havendo chuva
E semeando
Brota o grão

Do grão brotado
A esperança
De alimento
Pras crianças

E as crianças
Unindo as mãos
Um novo círculo
Formarão


Texto: Aloísio

Imagem: Internet

Sombras- por rosa guerrera





Eram duas sombras

Que se abraçavam sob o mesmo teto.

Eram duas vozes

Que entoavam a mesma canção.,

E duas bocas que silenciavam

Num só beijo..


Hoje o vento fustiga

As arvores despidas

E a casa responde num gemido rouco...


Apenas uma sombra a passear

Pelos corredores vazios!

PENSAMENTOS ( MESA DE BAR ).- por rosa guerrera



As vezes fico pensando e refletindo , que não há nada em seu devido lugar nesse mundinho chamado Terra.

O céu é longe ! A espera cansativa !

A dor próxima ! A lágrima vizinha !E a alegria passageira ...

Homens e mulheres se acotovelam buscando sonhos nas mesas de bares , e findam vazios diante de copos repletos de bebidas. ...

Parece existir uma espécie de solidão dialogada dentro de cada um ., numa busca eterna de amor, de dividir sentimentos, tentativa continua de ressuscitar alguma coisa que morreu.

Sorrisos se confundem, mãos se entrelaçam, bocas se unem e corações continuam sozinhos .

De repente algum conhecido se aproxima de mim e pergunta : " Tudo bem"?E eu respondo com um sorriso brejeiro : " Tudo ótimo " !

O coração gargalha no meu peito !

Disfarço , acendo um cigarro , olho ao redor ... e as coisas e as pessoas continuam fora de seus respectivos lugares .

Por João Nicodemos


UM AVIÃO NO ESPAÇO AZUL.- por Rosa Guerrera




Um avião passeia pelo espaço saudando com o seu ronco os homens que passam indiferentes pelas ruas. Algumas crianças levantam os olhos para o alto e gritam bobagens que se perdem também no vento.
E o avião continua o seu rumo, ignorando o que se passa aqui embaixo...enquanto eu vou sentindo uma vontade imensa de ser também esse pássaro metálico , que voando no espaço azul segue um caminho apenas por ele conhecido. È curioso como as vezes sentimos uma vontade enorme de sermos outra coisa que não seja nós mesmos.Lembro minha infância de menina de subúrbio que quando escutava o ronco de um avião , saía correndo e apontando para o alto gritava bem alto : “ Lá vai um avião “... “lá vai um avião” !
E o avião passava no seu balé modulado , rasgando o espaço vaidoso, sem imaginar que uma boba menina batia palmas de alegria para ele.
Hoje seria ridículo se ao vê-lo , eu saísse à rua gritando : “ Lá vai um avião”. ( No mínimo diriam : “ coitada é uma louca !”)
Como sofrem os adultos por não poderem ser espontâneos ! Como as coisas mudam com o passar vertiginoso do tempo ! Só o avião continua indiferente as trilhas dos anos e dos destinos !
Talvez seja justamente por essa indiferença que eu o invejo nesse instante.
Rasgar os céus , conhecer de perto o sabor das núvens , atravessar mundos , ignorar os problemas dos que caminham em campos minados de dor, adejar livre, completamente livre por sobre casas, homens, ambições e sofrimentos . Totalmente liberto, isento de leis, de ritos ... um avião apenas.
Acredito que poucas pessoas irão entender esse meu texto ! Afinal , todo poeta tem seu lado louco !E hoje dentro dessa insanidade poética ou ridícula eu cismei de ser um avião .

Não Creio em Deus - José do Vale Pinheiro Feitosa



“Sinceramente não creio em Deus pai, criador do céu e da terra, julgador de todas as coisas, que virá para resgatar vivos e mortos. Não creio não vida eterna amém.”

E quando digo amém, sei que repito o “assim seja”, mas não creio no meu poder e nem no de ninguém de assim proclamar. É que não creio no império que tudo pode, tudo vê e tudo fez, faz e fará.

Mas creio em ti. Na tua dor solitária que precisa da adição de um pedaço da minha vida. E doarei meu tempo sem me preocupar em viver outras invenções, pois não existe invenção maior que a tua própria existência.

E aceito tua fé, tua esperança, teu devir inclusive na forma de uma ordem celestial que ti acalma, alarga as paredes deste mundo opressor e ultrapassa o arame farpado desta vida material de mercancia.

Como creio na cura das feridas que procuras sarar. Levo fé em tua capacidade de superar a rejeição, compreender a descontinuidade de discursos sublimes, pois o maior crente é aquele que duvida de sua própria crença.

Não desconsidero tua oração, a necessidade do teu verbo se comunicar, manifestar-se, reclamar, pedir, explicar, concluir e até mesmo seduzir para que sejas inteiramente aceita. O maior erro não é o teu. O maior erro é se imaginar um mundo sem erros.

Creio no teu lugar no mundo. No teu brilho e nas tuas manchas. Nas tuas posses e naquilo pelo qual és possuída. O maior e o melhor são apenas escalas comparativas aos outros, e isso não basta, pois no mundo és singular.

Não desconsidero tuas crises de individualismo. Os fardos dos preconceitos, os conceitos ainda não sabidos, a ignorância do teu olhar perplexo. É que o mundo e nós não somos objeto do conhecimento em si. Somos apenas o conhecimento sem intenção.

Creio que teu vínculo de fé com o além dos tempos é um passo para reinventares o modo como inventas o teu tempo. Como doas este em adição ao fluxo do outro, também inventas a ti própria como matéria do tempo geral.

Considero que a vida não é um demolir-se eterno e nem um reconstruir-se permanente, é, sobretudo, um transformar-se independente dos materiais de construção. Não que os materiais inexistam, é que a força motriz da transformação se encontra no tempo geral. E o tempo geral é o tempo da humanidade, dos seres vivos e do planeta terra.

A Jorge Luis Borges




JORGE LUIS BORGES

O espelho a minha frente é coisa muda,
Mas de sua mudez ele me fala:
A imagem alheia do outro lado
Me contempla longínqua e interrogante,

Parte de mim, em mim multiplicada,
E posta fora do que sou, textura
De outra pessoa, de outro sonho e forma
(No largo sono de um deus tranqüilo,

A voz se cala e deixa que o cristal
A memória de um vago ser recrie)
Ilusória assim como qualquer cifra.

Existimos, inúteis, refletidos.
Um teatro de sombras, sigiloso:
O que somos, em nosso alto crepúsculo.

José Carlos Mendes Brandão, Exílio, 1983.