por José do Vale Pinheiro Feitosa




Viva junto à alma mais próxima e compreenda que a proximidade é a medida da distância. Que a distância que os separa é este movimento maravilhoso da matéria e da energia. A maravilha é apenas esta surpresa porque esta proximidade é tão diminuta entre os dois e é a inesperada distância.

José do Vale P Feitosa



sexta-feira, 15 de abril de 2011

As Aves da Sabedoria - por Barbosa Tavares



U m pássaro nas mãos , afagar-lhe as asas, acaricar-lhe as penas, desvendar-lhe o fascínio da liberdade—sonho azul no infinito da ingenuidade de menino.

Espiava os ninhos, entrelaçados por entre a ramagem do arvoredo, enquanto a passarada afadigada , suspendia do bico, tal pedreiro pressuroso, as palheiras, resquícios de ervas, os fiapos de penugem, enquanto eu permanecia absorto na arte com que adornavam seus ninhos no enlevo da misteriosa sabedoria.

Não resistia a escalar árvore acima para desvendar o segredo daquelas aves que sinfonizavam a frescura da manhã , aspergindo um sopro de felicidade, salpicado de gorjeios ao despontar do dia, entre carvalhos e vinhedos, enquanto a água parecia cantarolar a alegria da moça esbelta e viçosa, aguardando encher sua cantarinha.

Porque existem os pássaros? Talvez para nos incitar o desejo de esvoaçar para além da terra , porque esta não basta para saciar o sonho, talvez para acicatar o desejo de liberdade e ensinar que a felicidade deveria ser tão-simplesmente o grão de cada dia no trinado de um gorjeio.

Não foi em vão que o sábio Cristo se serviu das aves para nos ajudar a dissipar os temores do amanhã , ensinando a colher serenamente o usufruto do momento-agora que é, afinal, o tudo da vida disponível sobre o muro do tempo.

Não sei ainda—pela certa nunca saberei—explicar este, tais outros tantíssimos mistérios que me perplexificam a alma. Os pássaros sempre me sugeriram a ideia de Deus. Colhem o imenso infinito azul, no adejar gracioso das asas, esvoaçam entre a frescura da ramagem e não se lhe conhecem fadigas nem celeiros para além do momento. São o magnífico paradigma do absoluto despojamento.

Não parece incrível que os pássaros tenham surgido no mundo para ensinar os homens? Confesso: cada vez que escuto a passarada num trilar incessante, sinfonizando o cair da tarde, saracoteando-se gaiteiros na verdura da ramagem, ressalta-me na alma esta nostalgia de não saber ser imitá-los na felicidade e reacende-se o desejo de reaprender a cantarolar--um hábito que jaz sepulto nos verdes anos da juventude.

Fosse a vida apenas o grão de cada dia: um trinado florido por entre o chilreio das águas e a sinfonia do vento a rumorejar no folhedo, com a luz crepruscular em tons rosáceos e arroxeados rubescentes no horizonte, a encerrar um dia pacificado, anunciando a serenidade do amanhã.

Quem soubesse imitar os pássaros , afianço-vos , estaria mais próximo do reino prometido sem as inúteis fadigas que amarguram e sufocam o espírito, imitando as aves num gesto perene de despojo que descerra a fulgurante sabedoria.

O tormento do homem não consiste em não possuir apenas o necessário, mas em desejar muito para além do que lhe é prescendível. As aves não padecem destes tormentos, assemelham-se no seu viver à sabedoria dos santos que vivem a autêntica liberdade erigida na renúncia dos bens do mundo.

Renunciar para mais possuir? Sim. Na renúncia é possível auferir a liberdade. Sim , porque o amor excessivo aos bens terrenos, não resgata o espírito e rende o homem no ser mais torturado à face do mundo.



Barbosa Tavares


Brampton, Ont. Canada


Agosto de 2004

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