O Cabo  era um pequeno
distrito próximo à Matozinho. Um arruadozinho de pouco mais de trinta casas
dispostas de forma pouco regular que se foram amontoando pouco a pouco,  em longos e longos anos. Um dia os viventes
daquele oco de mundo  tinham sido
moradores da Fazenda do Coronel Serapião Garrido.  Com a viagem derradeira do coronel, a fazenda
terminou rateada por muitos herdeiros que foram paulatinamente se desfazendo de
suas terras. O fragmento onde hoje se situa o Distrito chamado de “Cabo”  comprara-o  um policial da região chamado Cabo Altino que
findou seus dias ,tragicamente, assassinado por um marido ciumento. Como partiu
prematuramente, não havia deixado descendentes e as terras , por usucapião,
findaram nas mãos dos antigos moradores da época ainda de Serapião. Em
homenagem ao policial legaram-lhe o nome de “Cabo Altino” que, com o tempo, por
lei do menor esforço, recaiu num simples “Cabotino” e, finalmente, talvez pela
feiúra do epíteto,  virou, por fim:  “Cabo”. 
                        Passaram-se os anos e o
arruadozinho permanecia exatamente o mesmo , motivo de inúmeras chacotas em
Matozinho. Dizia-se que ali só se abria nova rua quando caía uma casa.
Apelidaram de “Cabo”  um anão da
Vila.   E tome-lhe potoca: “Mais atrasado
que o Cabo”! “Esse menino num cresce não, é empererecado danado , parece o
Cabo”! “O Cabo  é tão atrasado que não
muda nunca de patente: não sobe nem prá sargento!” Todos estes chistes precisavam
ser ditos à boca miúda, sob pena de algum cabense infiltrado, tomar as dores e
resolver a pendenga à força de facão rabo-de-galo. 
                        Pois
bem, situado bem nosso arruado, voltemos à nossa Matozinho que vivia, naquele
momento, em período eleitoral, nas vésperas de eleições para deputado, senador
e presidente. Ao contrário do pleito para escolha de prefeito e vereador,
aquele não dava muito solavanco nos ânimos matozenses, não ! A coisa permanecia
meio morna, meio em banho-maria. Talvez, por isso mesmo, Giba,  o dono do Bar mais famoso da Vila,  estivesse, naquele dia preocupado com razões
outras bem distantes de Chapas e Urnas. É que havia combinado  , desde a semana anterior, com o velho
Atanásio Jovelino,  para mandar
emprestado o jumento de lote de Giba para o distrito do Cabo, com o fito de
cobrir algumas éguas .  O dono do bar
estava meio agoniado,  primeiro porque se
tratava de dia de Feira em Matozinho e, depois, porque mandara  Tõin Catingueira  , seu fiel escudeiro numa fazendola nas
cercanias da Vila, na dura missão de pegar o jerico e trazer para cidade. Dali,
Zezé da D20, um pegador de frete, já havia lavrado contrato para levar o
jumento até às mãos de Atanásio. E aí vem a segunda razão do vexame de Giba:  Zezé havia combinado a viagem para as oito da
matina, já passara duas vezes no Bar e, até aquele momento, mais de onze , Tõin
Catingueira, que tinha fama de lerdo e macio, não tinha aparecido com a
encomenda.
                        Pois
bem, para que se entenda bem a história, neste momento, entra em cena uma outra
trama. Giba nem lembrava,  mas, na semana
anterior, um primo o havia escrito da Capital, pedindo sua ajuda num
empreita.  É que um amigo dele era
candidato a Deputado Estadual e estava indo para Matozinho na semana seguinte,
com fins de fazer campanha e carrear alguns votos. O primo havia recomendado
Giba como cicerone: 
                        --- Dono de Bar, Giba
conhece todo mundo! Ele vai te levar aos melhores cabos eleitorais da região !
                        No
azáfama do dia a dia, Giba já nem mais lembrava o pedido do primo. Pois não é
que o homem resolveu chegar exatamente naquele dia : em meio à feira,
imprensado entre o jumento, Zezé e Catingueira? Apresentou-se ao dono do
botequim e este foi muito cordial. Pediu-lhe apenas um tempinho e ficou naquela
aflição danada, aguardando a chegada de Tõin que não vinha e a insistência
periódica de Zezé que, passando por ali já pela quarta vez, tinha ameaçado
cancelar o contrato.
                         O candidato esperou um pouco, enquanto
conversava com a clientela matutina do bar: os bêbados mais inveterados e que
precisavam tomar a primeira,  para parar
aquela tremedeira . Ante o stress de Giba , andando de lado a lado e
resmungando :
                        --
Como é que pode uma coisa dessas ? Tõin não chega! Lerdo ! Abestado ! Tratante
!
                        O
candidato imaginou, com seus santinhos, que a figura aguardada com tanta
ansiedade só podia ser um importante cabo eleitoral da região. Tõin que vinha
tangendo o jumento de lote, por sua vez, sabia apenas quem alguém transportaria
o bicho até o distrito do Cabo e, ciente do atraso,  preparava-se para o esporro do patrão.
                        Quando
apontou, por fim, nosso vaqueiro na extremidade da rua, um Giba ,já suando em
bicas,   gritou:
                        --
Finalmente  o pomba-lesa do Catingueira
chegou !
                        Ao
ouvir o abre-te-sésamo , o deputado,  acreditando tratar-se do detentor de uma mina
de votos, saiu correndo em desabalada carreira e abraçou nosso vaqueiro
efusivamente:
                        ---
Bem vindo Catingueira ! Ainda bem que você chegou , rapaz!
                        Catingueira,
meio confuso, imaginou que aquele era o homem do frete e que ia transportar
nosso jegue até à lua de mel em terras de Atanásio ! Dirigiu-se diretamente ao
candidato e entregou-lhe o jumentão de lote que, animado, excitado,  já pressentia as futuras noites de núpcias:
                        ---
Pronto ! Taqui o que o sinhô tava esperando! Vossimicê  já pode levar esse jumento até o cabo !
                        O
deputado, ante a ameaça , afastou-se rápido, ainda ouvindo as ritmadas batidas
do falo jeguiano no bucho,  e negou fogo
:
                        ---
Que conversa é essa, seu Catingueira? Não meta as pernas pelas mãos não, homem
de Deus ! Quem leva jumento até o cabo é eleitor e não político !  Tesconjuro, desgraçado !
J. Flávio Vieira